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Restaurantes de comida rápida, os fast-foods, em praças de alimentação de shopping centers: transfor (página 2)

Janine Helfst Leicht Collaço

Dessa maneira, a partir da perda de parâmetros importantes do comer, que se multiplicaram com as opções existentes para a alimentação, pretendo, neste texto, privilegiar as refeições feitas fora dos limites domésticos, uma vez que possibilitam novas formas de consumo, revelando estratégias variadas que dão ao comer meios de permanecer próximo de uma concepção ideal, mesmo frente a toda essa diversidade. Essa questão será o foco central do artigo, que buscará mostrar a conciliação entre as idéias "tradicionais" e os novos arranjos, bem como revelar os caminhos e interpretações que tentam, em geral, gerar proximidade com o alimento e fornecer ao comer uma sensação de confiança e segurança, privilegiando dois ângulos fundamentais: o espaço e o tempo que se vinculam ao alimento através da presença da pessoalidade.

Os dados aqui apresentados são fruto de um levantamento etnográfico efetuado em praças de alimentação localizadas em shopping centers, espaços privilegiados por concentrarem restaurantes de comida rápida, os fast-foods.1 Essas praças de alimentação, embora recentes no cotidiano urbano (sua presença tornou-se marcante a partir de meados da década de 1980), cont ribuíram em ampla escala para a transformação do comer e instituíram novas relações entre os consumidores e o comer. A seleção do recorte empírico recaiu em três praças de alimentação, situadas nos shoppings Morumbi, Pátio Higienópolis e Metrô-Tatuapé, na cidade de São Paulo, pautando-se em três critérios: os arranjos espaciais, a orientação no eixo temporal e a diversidade de freqüentadores.2 Desse modo, tentei contemplar alguns padrões mais recorrentes de consumo alimentar, como o gênero, a idade e a proveniência social, embora outros padrões possam estar atuando, sem que sejam incorporados neste momento.

O shopping Morumbi foi elucidativo pela forma como se observam as dinâmicas espaciais no seu interior, orientadas pela divisão hierarquizada das áreas de alimentação. As variações no eixo temporal foram observadas nos três espaços, cada qual com sua especificidade. No Morumbi, os eixos trabalho/semana/formal/"executivos" e lazer/fimde-semana/informal/"famílias" formaram um significativo contraste. No Pátio Higienópolis, ressaltou-se a diversidade de uso em todos os horários, especialmente á tarde, quando as outras áreas de alimentação visitadas estavam quase totalmente vazias. Finalmente, no Metrô-Tatuapé, verificou-se a presença de um público com perfil social distinto dos outros dois espaços selecionados, o que permitiu obter uma diferenciação na forma de uso da praça de alimentação ao longo do mês, com mudanças bruscas no movimento aparentemente conectadas ás remunerações mensais, uma vez que a população que costuma utilizá-lo lota o local durante o começo do mês, data que coincide com o recebimento de salários, e escasseia á medida que se aproxima o novo pagamento. A maioria das entrevistas foi gravada, e todos os interlocutores são freqüentadores desses espaços. Tentei alcançar, na medida do possível, um equilíbrio entre o número de homens e mulheres entrevistados, embora com idades, escolaridade, atividades profissionais e proveniência social bastante variadas, totalizando cinqüenta entrevistas.

Desenvolvo aqui uma abordagem que me auxiliou na compreensão das mudanças e permanências nas práticas alimentares atuais, as quais a todo momento são colocadas frente a frente com imagens ideais ou idealizadas, sugerindo-me, ao apresentar vínculos com a experiência moderna, urbana e industrial, um caminho profícuo no entendimento das mudanças sociais mais amplas.

Um breve histórico dos fast-foods

O hábito de fazer refeições fora de casa, embora não seja tão recente, fortaleceuse ao longo do século XX, sobretudo ao ser assimilado entre várias camadas sociais, e passou a contribuir para uma difusão gastronômica sem precedentes.3 A alimentação doméstica, que representava a maioria dos eventos de consumo alimentar, começou a ceder lugar a práticas alimentares exercidas, com maior freqüência, para além dos limites da casa. Os restaurantes passaram então a constituir espaços privilegiados para a observação das mudanças4 no comer, orquestradas desde o século XVIII e acentuadas no século passado.

A alimentação vem apresentando mudanças geradas pela introdução de novos produtos e de modelos de produção em larga escala, o que afeta o mercado de alimentos como um todo e possibilita o surgimento de estabelecimentos dedicados a fornecer refeições. Esses estabelecimentos são organizados sob várias matrizes: não só atendem aqueles que buscam distinção ou divertimento em seu tempo livre, mas também servem aqueles que não mais conseguem retornar ás suas casas para fazer suas refeições durante o período de trabalho, fenômeno especialmente agudo nas grandes cidades. Desse modo, ocorre uma proliferação de cantinas, refeitórios, lanchonetes, quiosques etc., e, sobretudo, um modelo de restaurante que atende uma nova perspectiva: servir refeições rápidas com preços acessíveis.5

A propagação do "comer fora" impulsionou-se fortemente a partir desse contexto favorável, gerado em meados do século XX, 6 abrindo caminho para que esse hábito se tornasse cada vez mais comum, sobretudo entre pessoas provenientes da classe média urbana. O modelo fast-food encontrou uma forma de posicionar-se graças aos novos princípios de produção (poucos produtos, grandes quantidades, pouca elaboração, pouca mão-de-obra), oferecendo e distribuindo o mesmo cardápio em vários pontos de venda, com preparo e serviço rápidos. A combinação desses elementos reduziu sensivelmente os custos e permitiu a venda de refeições a preços mais baixos que os de restaurantes tradicionais. Esse modelo proliferou rapidamente, especialmente nos Estados Unidos, mas, a partir da década de 1970, começou a dar sinais de esgotamento, de modo que muitas redes voltaram suas forças para a expansão de suas atividades além dos limites norte-americanos. Durante essa fase, mais precisamente em 1979, o Brasil abrigou a primeira loja da rede McDonald"s, no Rio de Janeiro.7

Comer em restaurantes, no Brasil, já era um hábito relativamente estabelecido, conectado a transformações sociais mais gerais, paralelas áquelas observadas pelo mundo desde a década de 1950, conforme Mello e Novais (1998), e expressas no crescimento urbano, na expansão industrial e na incorporação da mão-de-obra feminina ao mercado de trabalho.8

A partir da década de 1980, ocorreu um aumento na presença de shopping centers,9 que trouxe consigo a semente do que, mais tarde, se tornaria um elemento distintivo e importante para esses centros comerciais: as praças de alimentação. Oferecendo uma concentração de restaurantes de comida rápida, as praças de alimentação ganharam extrema relevância, especialmente na década de 1990, pois passaram a ser tratadas como espaços capazes de atrair consumidores não só pela variedade de estabelecimentos ou pela comodidade e rapidez que oferecem, mas por permitirem conjugar, em um único shopping center, uma série de atividades, como compras, cinema e serviços, a uma atividade fundamental, o comer.

é dentro da perspectiva desse comer em praças de alimentação que refletirei sobre a questão proposta, avaliando até que ponto a influência desse novo panorama e as possibilidades de fazer refeições fora de casa nesses espaços criam um comer destituído de regras, totalmente individualizado e condicionado ás ofertas comerciais de grandes conglomerados, afetando o poder de decisão dos consumidores. Pois, se tais considerações são importantes, são contudo discutíveis em alguns aspectos.

As praças de alimentação: o comer sob vários ângulos

As praças de alimentação, servindo aos integrantes de uma classe média urbana, tornaram-se espaços flexíveis, práticos e acessíveis para as refeições, tanto em momentos de lazer com a família (em que é possível fazer uma refeição a um custo moderado) quanto nas pausas para alimentação que ocorrem durante o dia de trabalho ou estudo. Fazer refeições fora de casa tornou-se uma prática bastante usual, e, com isso, são feitas classificações distintas dos eventos que envolvem a alimentação e, conseqüentemente, do espaço em que esses eventos transcorrem.

Em relação a esse ponto, Warde e Martens (2000) notaram que os seus interlocutores, embora valorizassem a rapidez, a limpeza e a variedade dos estabelecimentos, ou a limitação de seus próprios recursos econômicos, deixavam entrever outros fatores que interferiam na escolha de certos restaurantes em detrimento de outros, sugerindo três motivações principais para o comer fora: necessidade, lazer e prazer. Contudo, as indicações levantadas neste trabalho conduziram a outra constatação, uma vez que somente duas motivações teriam ficado claras, o lazer e a necessidade, sendo o prazer um aspecto do comer presente ou não durante a refeição. Assim, a presença dessas motivações na fala dos interlocutores sobre o comer indicou uma primeira percepção do espaço, visto de maneira positiva ou negativa.

Essa noção também está presente entre os administradores de shopping centers, que se aproveitam das noções de diversidade e variedade como atrativos. Nesse sentido, reúnem em uma área ampla, destinada unicamente ao comer, vários estabelecimentos trabalhando lado a lado, cada qual especializado em um segmento culinário. Para que se faça a refeição, o local oferece mesas e cadeiras de uso comum a todos os restaurantes, as quais são ocupadas pelos comensais indistintamente, estando dispostas de modo a dar a impressão de um grande salão de jantar.

Ao percorrer vários shoppings, é possível notar a semelhança entre esses espaços, assim como ocorre com os próprios fast-foods que os compõem. Embora a combinação de estabelecimentos fique a critério de cada shopping center (o que, em certa medida, atribui a cada um deles um caráter particular), as praças de alimentação revelam-se similares entre si, demarcando os limites de um espaço destinado especificamente á alimentação, cujos procedimentos também são semelhantes: as pessoas chegam, escolhem o restaurante, fazem seu pedido, retiram-no após alguns minutos, procuram um lugar para sentar-se, consomem seu alimento e, em seguida, levantam-se e saem.

Nessa busca por oferecer variedade aos seus clientes, alguns shoppings criaram áreas diferenciadas para a alimentação, o que constitui uma tendência recente.10 Esses espaços se apropriam de alguns princípios das praças de alimentação convencionais, como a concentração de restaurantes em uma área circunscrita, a oferta de um cardápio padronizado entre filiais, e serviço e atendimento rápidos. Associam, no entanto, outras características, de modo a tornar seus restaurantes diferentes dos fast-foods: cada estabelecimento é responsável pela sua decoração, sem compartilhar com outros restaurantes o uso de mesas e cadeiras; o atendimento é feito por garçons; utensílios são utilizados para decorar as mesas; cardápios e contas são trazidos diretamente ao comensal sentado etc.

A apropriação espacial oferecida pelo shopping reflete, assim, o aproveitamento máximo do espaço, orientado pelo viés da diversidade e da variedade; uma lógica comercial, mas com um viés simbólico inspirado na distinção social, como é visível na distribuição dos espaços pelo shopping center. Diante dessa constatação, transpareceu uma hierarquia entre restaurantes: praças de alimentação convencionais alojam fastfoods e lanchonetes; praças diferenciadas abrigam restaurantes de qualidade superior á dos anteriores; e, pelos corredores, há quiosques de café e lanches (em geral pães) .

A interpretação dos comensais, entretanto, difere um pouco dessa organização física. Para quem costuma ir ás praças com alguma freqüência durante a semana, ir a um restaurante localizado na área diferenciada pode ser um programa agradável, uma quebra de rotina, do mesmo modo que, para quem costuma freqüentar restaurantes tradicionais instalados fora do shopping, ir a algum estabelecimento em praças diferenciadas pode ser encarado de forma menos positiva, pois os restaurantes do interior do shopping são comparativamente avaliados como "falsos" e, portanto, inapropriados. Por outro lado, freqüentar eventualmente as praças de alimentação convencionais com a família ou a passeio pode receber uma menção positiva, especialmente quando se tem filhos ou se está sem companhia, pois esses locais são considerados mais adequados a esse tipo de programa do que os restaurantes diferenciados. Muitos casais, ao contrário, preferem lugares mais calmos para seus encontros.

É preciso considerar que o espaço, mesmo atendendo a um certo tipo de público, e até certo ponto definindo a experiência que será ali vivida pelo que oferece, é flexibilizado pelos freqüentadores. Assim, a interpretação não se prende a um único modelo, mesmo que haja uma certa padronização física do espaço, pois os usuários imprimem o tom de apropriação através de seus usos e arranjos particulares.11

As oscilações predominantes na percepção espacial das praças de alimentação poderiam, então, ser resumidas do seguinte modo: há uma percepção negativa do espaço e, conseqüentemente, da refeição, quando se é motivado pela obrigação. Esse aspecto vai caminhando para uma valorização positiva á medida que há maior liberdade de opção, isto é, quando a escolha da praça de alimentação é feita livremente, e não a partir das imposições do trabalho e da rotina. Em geral, essa oscilação é acompanhada por referências ao espaço doméstico, em sentido oposto: quando o comer fora é considerado inadequado, a casa é o espaço ideal para a alimentação, mas, quando o comer fora é motivado pelo lazer, a casa é mencionada de modo menos atraente. é preciso, todavia, considerar que existem diferentes atividades de lazer relacionadas ao comer, e que a interpretação também depende desse aspecto, exemplificado nas menções relativas ás saídas com namorados e aos eventos comemorativos de grande importância, como aniversários, casamentos etc.

Nota-se, então, que o espaço vivido é aquele fornecido pelas condições concretas da praça de alimentação, as quais cruzam as idéias do espaço percebido, engendrado pelos mapas mentais. Esse espaço percebido se defronta com o espaço imaginado, que pertence ao mundo das idéias e gera figuras e imagens idealizadas, as quais condicionam uma certa memória alimentar engendrada a partir dos primeiros contatos com a família, em casa. Assim, ressalta-se que "o espaço fundamental para a memória é a casa" (Harvey, 2001: 200), pois é onde se está livre para imaginar. A praça de alimentação não deixa de passar por essa matriz, assim como o comer, definindo a "refeição ideal".12 A casa mostrou ser o lugar da segurança, do conhecido, onde os riscos de contato com o que é impuro são controláveis. Daí a sua importância na constituição das representações do comer e a sua constante contraposição ás praças de alimentação, em um jogo cujo balanço é equilibrado pela motivação do freqüentador.

Por outro lado, o espaço da casa também aceita gradações: ele é visto de maneira menos romantizada, quando há uma rotina de refeições diárias no ambiente doméstico, e comer fora representa uma quebra dessa continuidade. Esse aspecto é levantado por mulheres casadas e com filhos, que geralmente são encarregadas de organizar a alimentação doméstica. Há ainda senhoras ou senhores de mais idade, casados, divorciados ou viúvos, que, por não terem mais os filhos morando em sua casa, optam por comer fora, o que possibilita organizar seu novo estilo de vida. Outros aderem ás praças de alimentação devido á estrutura familiar: pais separados ou famílias com filhos em idades variadas (deixando cada um livre para sua escolha). Pessoas mais jovens e adolescentes usam a praça de alimentação como ponto de encontro: sentam-se com os amigos, conversam, fazem sua refeição e, muitas vezes, terminam o programa indo ao cinema, ao teatro ou aos espaços em que há jogos eletrônicos.

A relação com o espaço é fruto de um diálogo travado entre a casa e a rua, e gera interpretações que estão condicionadas ás motivações dos comensais. Nesse sentido, a refeição familiar feita em casa, na companhia de outros membros, preparada por alguém próximo e com a presença de determinados alimentos, encontra novas maneiras de expressão, elaboradas de modo a contemplar tanto uma concepção ideal quanto aquilo que está ao alcance na prática. A ampliação das opções de fazer refeições fora reforça, sem dúvida, a multiplicidade de eventos e, muitas vezes, acaba ferindo princípios "tradicionais"do comer,13 uma vez que, ao sair do ambiente doméstico, não é possível saber exatamente quem preparou o alimento ou a sua procedência. Além disso, o alimento é destinado ao consumo de muitas pessoas, em geral desconhecidas entre si, em locais e horários distintos dos normalmente associados ás refeições, derivando daí a sensação de que as estruturas do comer estão sendo diluídas.

No entanto, se de fato esse fenômeno está ocorrendo, os fast-foods deveriam ser em grande parte responsáveis pela introdução de um comer desestruturado, e as mudanças deveriam seguir a lógica desses estabelecimentos, transformando o consumo em um ato padronizado, rápido, limpo, nômade, sem horários, individualizado, composto somente de alimentos com qualidade duvidosa. Mas essa situação não corresponde ao que foi observado. Mesmo que haja um comportamento individualizado, sem a presença de um grupo marcante nos domínios da praça de alimentação, e também um consumo que em muitas ocasiões dispensa regras formais, há, por outro lado, a adoção de certos rituais que transmitem maior segurança e proximidade á refeição. Esses rituais são moldados á feição das idéias do espaço doméstico, como indica a preocupação constante com a limpeza do ambiente por parte tanto dos comensais quanto dos funcionários do shopping, evidenciando uma estratégia que visa a aproximar o comer, nesses espaços, á idéia de refeição ideal. Outro procedimento que tenta "domesticar" a praça de alimentação é o comportamento adotado em público e observado durante o comer: não falar de boca cheia, não gesticular com talheres nas mãos, consumir o alimento devagar, não fixar o olhar demoradamente em uma única pessoa etc. Esses modos são absorvidos em casa e, embora não sejam equivalentes entre todos os freqüentadores, são até certo ponto reconhecidos, garantindo o encontro de pessoas das mais diversas origens.14

Ressalta-se, então, que as praças de alimentação são interpretadas de maneira tanto positiva quanto negativa: há o encontro com o massificado e o padronizado, mas há também as motivações dos comensais e suas representações do comer, que não deixam de conjugar imagens da casa e da rua, a fim de orientar suas práticas alimentares. Essas práticas, antes de dissolver estruturas existentes, dão forma a novos modelos, nos quais o comer doméstico e o comer fora convivem.

O tempo e suas percepções

Ao lidar com o tema do alimento, foi fundamental desenvolver uma análise das práticas sociais e de suas dinâmicas, aspecto que evidenciou a necessidade de abordar a questão do tempo. Tornaram-se notórias, nas observações de campo, distinções variadas em relação aos horários de apropriação do shopping e, conseqüentemente, das praças de alimentação, aprofundando o caráter multifacetado do emprego do tempo.

É inegável o convívio entre vários ritmos temporais orquestrados no interior da praça de alimentação, tendência que se fez clara no tópico anterior, uma vez que, segundo a orientação dada pelas motivações, pela necessidade ou pelo lazer, não só o espaço, mas também o uso do tempo, são compreendidos de formas diversas. Para auxiliar nessa exploração, considerando a ligação do comer aos ritmos sociais, Aymard, Grignon e Sabban (1993) sugerem que a quantidade de refeições, assim como os horários de conduzi-las, estão indiscutivelmente associados ao ritmo social.

Nesse sentido, o mundo atual vinculou os horários das refeições aos de outras atividades consideradas mais relevantes, como o trabalho e o estudo, sendo que as pausas para alimentação intercalam-se no decorrer do dia, a fim de atender aos compromissos assumidos. A jornada diária foi estipulada com um intervalo para o almoço, refeição principal que normalmente tem a duração de uma hora e pode ser realizada entre meio-dia e 14h, horários que correspondem ao grande movimento observado em praças de alimentação, especialmente durante a semana de trabalho. Já o jantar, uma refeição mais descontraída e, em geral, menos sujeita á pressão do tempo, prolonga-se das 18h30 ás 22h, apresentando um movimento constante nesse período.

No entanto, embora um marcador importante das praças de alimentação seja a extensão do horário de funcionamento do shopping e, conseqüentemente, a extensão dos horários possíveis para o comer, uma tal facilidade é apenas em parte utilizada, pois, mesmo com o shopping funcionando das 10h ás 22h, há horários de grande concentração que contrastam de maneira evidente com extensos períodos de baixa circulação. Mesmo permitindo a diluição dos horários rígidos para o consumo das refeições, dada a oportunidade oferecida aos freqüentadores de fazer uma refeição a qualquer hora, desde a abertura até o fechamento do shopping, esse fenômeno é mais evidente em períodos de lazer, fins-de-semana e feriados. Considerando o enfoque aqui analisado, as praças de alimentação suge rem que o tempo, embora contabilizado sob um padrão, abre-se a várias interpretações.

O horário de fruição das refeições, ampliado em relação a outros estabelecimentos tradicionais, que normalmente funcionam do meio-dia ás 15h e das 19h á meia-noite, é considerado um benefício, mesmo não sendo integralmente aproveitado. Em parte, esse uso das praças de alimentação, que oferecem um tempo mais extenso para a refeição em consonância com a totalidade de serviços do shopping, é uma tendência do próprio mundo contemporâneo, no qual o tempo precisa ser otimizado, a fim de abranger o maior número de atividades. Oferecer horários mais flexíveis é uma resposta a um modo de vida que precisa ser atendido e que pauta a lógica comercial, a qual visa a oferecer diversidade através dessa extensa disponibilidade.

Por outro lado, o tempo dos comensais deveria, ao menos em sua percepção, ser mais extenso, embora isso seja improvável devido ao acúmulo de tarefas e ao excesso de atividades, que acabam avançando nos períodos dedicados ao comer, evidenciando, assim, uma clara adaptação a um padrão que visa a alcançar eficiência na administração do tempo. Em muitas das entrevistas realizadas, foram comuns queixas relativas ás dificuldades para se "comer bem no mundo de hoje", associadas ao tipo de vida praticado na cidade e á extenuante rotina diária.

Os ritmos de apropriação das praças de alimentação são fruto desse cotidiano urbano, pautado no tempo do trabalho e nas atividades rotineiras. Assim, durante a semana, o almoço provoca diariamente, em um único período, uma grande concentração de pessoas, as quais consomem suas refeições rapidamente, em função da dependência do funcionamento de empresas e instituições, e sem usufruir dos horários flexíveis oferecidos pelo shopping, ao contrário do que se observa durante a noite e os fins-desemana, momentos geralmente dedicados ao lazer.

Destaca-se o fato de que essa ampla disponibilidade de horários é apenas parcialmente aproveitada, não evitando grandes aglomerações, sobretudo nos períodos de almoço, durante a semana. Isso pode comprometer o atendimento dos fast-foods, dificultando as entregas e, conseqüentemente, ocasionando filas e descontentamento dos comensais. Emerge dessa situação um confronto entre a lógica comercial, que se vale da rapidez presente em suas atividades, e aquilo que os comensais vivenciam. Mesmo que os fast-foods tenham ao seu alcance elementos que propiciam a economia de tempo, como a simplicidade no atendimento, a distribuição das tarefas, o elenco restrito de pratos, a uniformidade da produção, da venda, do abastecimento, da pré-elaboração e da finalização dos alimentos, eles nem sempre atendem as expectativas dos freqüentadores.

A idéia subjacente, nesse ponto, é que se deve evitar o "desperdício" de tempo. Os freqüentadores desejam otimizar seu tempo e acabam desgastados pelo acúmulo de pessoas no único horário disponível para sua refeição, sem poder aproveitar a amplitude do horário de funcionamento dos estabelecimentos (fato que é amenizado nas situações de lazer). Os fast-foods, por sua vez, organizam suas tarefas e o tempo necessário para cumpri-las utilizando tecnologias que implicam pouca intervenção de mão-de-obra humana. Desse modo, evitam atrasos ou variações na execução do trabalho, deixando os pratos semi-prontos, aguardando somente o pedido do cliente para sua montagem e entrega. Entretanto, esses restaurantes não conseguem escoar sua produção no ritmo desejado, quando há grandes concentrações de pessoas.

O tempo, assim, é variável nas praças de alimentação. Se ele interfere na interpretação do comer nesses espaços, levando a uma visão ora positiva, ora negativa de tais estabelecimentos, a partir das percepções temporais da casa e da rua, essa oscilação estende-se também ás concepções de rapidez. Desse modo, para quem faz uma refeição fora de casa devido ás imposições do cotidiano, o tempo é revestido de maior importância: manifesta-se uma valorização dos horários considerados adequados para as refeições (principalmente o almoço, durante a semana) e do tempo empregado no preparo e no consumo, gerando uma expectativa em torno desse comer, que deve ser necessariamente rápido. Contrariamente, em períodos de descanso, como por exemplo á noite ou nos fins-de-semana, é possível assumir uma maior flexibilidade, embora a rapidez ainda persista, sendo um pressuposto básico dos fast-foods.

Outro desgaste dos comensais parece se originar na forma como são atendidos, pois é neste aspecto que reside a primeira percepção do que é rápido ou não. Nesse sentido, pouco envolvimento pessoal entre clientes e funcionários garante rapidez, uma vez que não se estabelecem contatos mais prolongados.15 Com isso, revela-se outra percepção hierárquica, a partir da comparação entre as praças de alimentação convencionais e aquelas cons tituídas de restaurantes diferenciados. O status da refeição cresce á medida que se encontra um vínculo mais estreito entre funcionários e clientes, tal como quando há garçons intermediando o encontro entre o cliente e a cozinha, traduzindo um tempo maior de contato pessoal e, assim, transmitindo maior segurança ao alimento servido. Essa idéia se estende ao tratamento dispensado á elaboração dos pratos: quanto maior o envolvimento das pessoas, maior a adequação sugerida.

Essa constatação remete a outra relação possível entre o tempo da casa e o da rua: quando um alimento é preparado em casa, nota-se uma participação maior de "alguém", e o alimento se destina ao consumo específico dos membros familiares, reforçando os vínculos ali existentes. A rapidez é menos importante, pois a atividade não se caracteriza como uma "perda de tempo" por sua finalidade apropriada. Sob esse ângulo, comer fora torna-se menos adequado. Em sentido oposto, o comer fora é valorizado quando o tempo do cozinhar é parte de uma obrigação, de uma atividade repetitiva, sobretudo quando uma única pessoa da família é encarregada dessa tarefa, pois, embora muitas casas ainda contem com o auxílio prestado por empregadas domésticas, a escolha do cardápio, a compra de mantimentos e a coordenação dos afazeres é ainda uma responsabilidade feminina. Esse aspecto é ainda mais acentuado quando o tempo empregado na cozinha destina-se ao preparo de uma refeição em que não ocorre a partilha do alimento com outros familiares e afins.

Portanto, as praças de alimentação ganharam adeptos que poderiam permanecer em casa para fazer suas refeições, mas não o fazem porque não querem "perder tempo" cozinhando algo somente para si. Deriva daí o interesse de pessoas mais velhas que moram sozinhas, assim como dos responsáveis pela alimentação doméstica, em fazer suas refeições fora, sendo as praças de alimentação uma das opções consideradas. De modo similar, desvaloriza-se o tempo de preparo do alimento em casa, nos momentos em que outras atividades deveriam estar sendo feitas, especialmente o trabalho fora do ambiente doméstico. Com isso, os restaurantes adquirem contornos mais positivos.

Nessa oscilação temporal, os fast-foods também sofrem valorizações diferentes: freqüentadores que gostam de comer fora e fogem das preocupações com a cozinha, mesmo tendo tempo disponível para empreender atividades domésticas, identificam aspectos positivos na praça de alimentação. Outros interlocutores, que moram com os pais e não estão envolvidos diretamente com a alimentação familiar, que não dispõem de tempo para fazer suas refeições em casa ou que possuem uma estrutura de moradia diferente, morando com amigos, sozinhos ou com um dos pais, são pessoas que tendem a definir as praças de alimentação de modo negativo, embora as utilizem e as considerem necessárias, mas distanciadas do ideal doméstico.

As ambigüidades apontadas em torno da refeição e do tempo revelam as estratégias utilizadas pelos interlocutores para tentar adequar suas idéias á realidade, do modo como esta se faz presente nas representações. O fast-food condensa uma série de elementos que traduzem a vida moderna numa sociedade urbana e industrial, mas ainda é possível entrever, nas praças de alimentação, o convívio entre elementos "tradicionais" e novos. No balanço de um jogo de oposições temporais, o lento e o rápido convivem diariamente junto a outros tempos: do trabalho, do lazer, da velhice, do crescimento e da carreira. Esses tempos se unem em torno de um tempo perdido, seja no mau atendimento, na espera por um prato ou na demora para fazer uma refeição.

Ficou claro que valores presentes na sociedade contemporânea, traduzidos na racionalização do tempo e na valorização de seu aproveitamento, permitem cumprir mais e mais atividades, embora estas estejam submetidas a dinâmicas diversas. Permanece central o fato de que o comer tem perdido terreno para outras atividades vistas como mais importantes, dando sinais de que certos valores estão sendo revisados, entrando em consonância com as práticas alimentares.

Pessoalidade e impessoalidade: os segredos de uma boa comida

Como foi possível entrever, a casa tem se apresentado como o espaço ideal nas referências alimentares, assim como o tempo ali situado. Essa trilha pode ser explorada a partir das idéias sugeridas por DaMatta (1997a e 1997b), nas quais a casa é o lugar onde as pessoas "são alguém". Contrariamente, o mundo da rua dissolve privilégios, já que as relações, sobretudo aquelas geradas por parentesco ou afinidade, permanecem limitadas ao ambiente doméstico. Apenas as relações moldadas no trabalho, no estudo ou em outros tipos de encontros coordenados propiciam, fora dos limites da casa, o estreitamento dos laços sociais entre as pessoas, segundo foi possível notar no decorrer do levantamento realizado.

A rua seria o mundo da impessoalidade, da ausência de vínculos, onde qualquer um pode circular. Ela constituiria uma contraposição ao mundo da casa, espaço de reconhecimento, hospitalidade, repouso, recuperação, calma, "enfim, de tudo aquilo que define a nossa idéia de "amor", "carinho" e "calor humano"". Já a rua "é um espaço definido precisamente ao inverso. (...) A rua é o local perigoso" (DaMatta, 1997a: 57). A casa é o lugar em que cada um é respeitado e reconhecido em função da posição que os laços de parentesco e afinidade lhe atribuem. Na rua, ninguém sabe quem é quem, e as hierarquias estão mais diluídas, o que favorece o surgimento de transgressões de várias ordens. Essa separação revelou-se, na prática, bastante fluida, e pôde-se mostrar isso nas várias artic ulações do comer em praças de alimentação, evidenciando pontos de proximidade e distância entre a casa e a rua e determinando as relações com o espaço (visualizadas na hierarquia entre restaurantes, na atenção aos padrões de higiene e na conduta dos comensais) e o eixo temporal (sugerido a partir do tempo gasto no preparo de uma refeição, em seu consumo e nos vínculos entre clientes e funcionários).

A transferência de uma atividade própria do ambiente doméstico para fora deste traz consigo alterações que, vistas sob o ângulo da casa como o lugar do comer "tradicional", estariam destituindo suas características mais importantes (quem está encarregado do preparo, do número e das horas de fazer as refeições, com quem e o que consumir), criando o que Fischler (1990) definiu como "gastro-anomia". Para esse autor, a ausência de regras no comer contribuiu para a considerável perda das influências alimentares exercidas pelo grupo, para o declínio da comensalidade e do respeito aos horários considerados apropriados para as refeições, assim como para a pouca atenção dispensada ao local em que se consome o alimento. Sob a influência desses e de outros fatores, como a participação da mídia e dos discursos médicos, nutricionais, estéticos etc. (a cacofonia alimentar, segundo o mesmo autor), o comer estaria passando por um processo agudo, no sentido de tornar-se um ato nômade e cada vez mais individualizado, desprovido de raízes e de "tradição".

Expectativas em torno do comer crescem de maneira vertiginosa, e a necessidade de preencher os vácuos através de novas combinações, adaptando uma noção idealizada ao que efetivamente está ao alcance de ser praticado, está presente no dia-a-dia, como foi possível notar até o momento. Essas mudanças não consistem somente em uma substituição de elementos que compõem o comer, como já observado em outro momento, a partir da discussão proposta por Rial (1996), que prefere notar a formulação de novas estruturas alimentares, em vez de lamentar a desestruturação dos hábitos atuais.

No entanto, não foi incomum notar uma certa nostalgia do "comer de antigamente", embora tenham ficado claras estratégias que permitem aos freqüentadores de praças de alimentação constituir vínculos mais próximos com o alimento e conceder sentido ás práticas alimentares, adaptando-as a um novo contexto: a comida é preparada em escala industrial, podendo ser consumida a qualquer hora, sem necessidade de companhia, e privilegiando o gosto individual, dada a possibilidade de escolher entre vários estabelecimentos.

Sob essa perspectiva, na praça de alimentação é possível encontrar elementos da casa e da rua, elaborando apropriações e arranjos que ultrapassam os limites dessas esferas. De um lado, a rua se faz presente, ao permitir que em praças de alimentação haja um convívio entre desconhecidos e uma livre circulação de pessoas. De outro, são resgatados elementos da casa, como o "feito na hora", a oferta de comida "caseira", o almoço celebrado diariamente no mesmo horário, os rituais de limpeza, a distração para pessoas sozinhas interessadas no movimento e a oferta de pontos de encontro, reforçando um vínculo de proximidade tanto durante os almoços realizados ao longo da semana, cuja tônica é a obrigação, quanto nos momentos de juntar amigos, conversar, comer no shopping e depois realizar outras atividades por ali mesmo, como é comum observar durante os fins-de-semana e feriados.16

Contudo, ficou claro que um meio pelo qual é possível alcançar segurança e proximidade com o alimento é a pessoalidade. A pessoalidade define o valor de um espaço e de uma refeição, fazendo-se presente de várias maneiras: na preocupação com a limpeza, lembrando o ambiente doméstico; no atendimento menos distante e mais personalizado; no alimento "feito na hora"; no comportamento frente a outros comensais, que compartilham a refeição em mesas próximas no mesmo horário; na maneira como alimento é preparado etc. Nesse sentido, a importância atribuída a cada elemento da refeição dependerá da motivação (necessidade ou lazer) que ocasionou o comer na praça de alimentação, pois as percepções daí decorrentes serão totalmente distintas. Nessa multiplicidade de combinações, surgem escalas de refeições que não estão mais limitadas ao ambiente doméstico, mas estabelecem um diálogo dinâmico e permanente entre a casa e a rua, moduladas segundo as orientações dos comensais.

Observações finais

Não pretendi esgotar as análises aqui apresentadas, ao lidar com as representações do comer em praças de alimentação em shopping centers, trazendo á tona apenas alguns aspectos envolvidos nas práticas alimentares. Contudo, não é possível deixar de apontar para a intensa conexão entre o estilo de vida e o crescente hábito de fazer refeições fora de casa, sendo as praças de alimentação espaços que concentram elementos necessários para atender a essa prática urbana diária.

Por outro lado, afirmar que, graças a essas variáveis, o modelo de refeição até então empreendido estaria sendo dissolvido tampouco pareceu ser a solução, aspecto que Rial (1992 e 1996) já apontara. A partir dos dados apresentados, é possível notar que, antes de lamentar a ausência da refeição ideal ou de estabelecê-la como um padrão fixo, é preciso compreender sua relevância como um guia capaz de orientar as observações e organizar as informações. Dessa maneira, foi possível lidar com a primeira oposição encontrada, entre a casa e a rua, bastante explorada por DaMatta (1997a e 1997b), e extrapolar seus limites, a partir da percepção de que há outras variáveis agindo na constituição das práticas alimentares, especialmente ao conjugar as variações temporais e as motivações dos comensais.

Desse modo, a casa, ainda que seja o espaço ideal apontado primeiramente nas informações coletadas, constitui-se, sobretudo, como uma base. No plano concreto, segundo notou-se entre muitos interlocutores, a casa nem sempre corresponde á idéia concebida, embora em algum momento tenha fornecido elementos capazes de orientar a ação. A casa é o lugar da memória, das origens, do reconhecimento e do carinho, construindo referências que serão utilizadas, no decorrer da vida, para dar sentido a inúmeras atividades, entre elas o comer, e permitindo a expressão de uma certa identidade individual formulada a partir desse espaço.

Reconhecer que há, entre os freqüentadores de praças de alimentação, uma tentativa de gerar proximidade com o alimento, de modo a haver maior segurança em seu consumo, permitiu entrever a importância da casa e da noção de pessoalidade. Em casa é possível ser alguém, ser atendido individualmente e consumir alimentos preparados na hora, com ingredientes frescos etc. As distinções observadas se manifestam com maior ou menor rigor á medida que esses elementos se encontram mais ou menos presentes no comer fora e são ou não são reconhecidos.

Esse reconhecimento estaria praticamente ausente nos fast-foods, embora outros mecanismos tenham sido capazes de proporcionar pessoalidade á refeição e, por conseguinte, proximidade com uma concepção ideal do comer. Neste momento, revelase o conflito entre a lógica comercial e a lógica simbólica dos comensais, uma vez que as interpretações em torno das vantagens e desvantagens do comer em praças de alimentação encontram-se sob a ação de variáveis que vão além daquelas enumeradas pelo shopping: conforto, rapidez, higiene, variedade, novidade.

Assim, se na concepção ideal do comer é preciso haver companhia, presença e envolvimento de pessoas no preparo e no consumo dos alimentos, a pessoalidade não necessariamente reside nos vínculos sociais estreitos, pois pode se manifestar de outras formas, trazendo maior segurança ás práticas alimentares. A pessoalidade pode ter feições muito distintas daquelas que tradicionalmente deveriam estar presentes (como a comensalidade e a responsabilidade de membros da família ou empregados domésticos na elaboração do alimento), sem contudo deixar de proporcionar o consumo de uma refeição ideal.

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(Recebido para publicação em dezembro de 2003 e aceito em março de 2004)

Notas

1. Neste trabalho, será feita uma distinção entre restaurantes tradicionais e fast-foods (restaurantes que servem comida rápida), os quais são inspirados em princípios opostos e possuem características que se encontram, grosso modo, delimitadas nos seguintes pontos: enquanto os restaurantes tradicionais preparam o alimento com ingredientes frescos, os fastfoods utilizam produtos semi-industrializados (em sua maioria congelados), trazidos de uma cozinha central para acabamento no ponto final de venda; nos fast-foods, ao contrário dos restaurantes tradicionais, a variedade de pratos oferecidos no cardápio é reduzida, devido á obrigação de homogeneizar os pratos e oferecer sempre as mesmas coisas em qualquer lugar, horário ou época do ano; nos fast-foods localizados em praças de alimentação, em contraste com os restaurantes tradicionais, não há garçons para intermediar o pedido do cliente, o pagamento é efetuado diretamente no caixa e são usadas mesas comuns a todos os estabelecimentos, sem toalhas de mesa, guardanapos de tecido etc. Para informações mais detalhadas sobre esse tema, ver Pitte (1990), Love (1995), Flandrin (1998) e Rial (1992).

 2 Na cidade de São Paulo, de acordo com os dados fornecidos pela Associação de Lojistas de Shopping Centers (ALSHOP), existiam, até o ano de 2001, 34 estabelecimentos desse gênero, o que levou a uma primeira dificuldade em torno da seleção dos espaços para a realização da pesquisa. Na tentativa de contemplar dinâmicas diversas em praças de alimentação, decidi privilegiar shopping centers de diferentes regiões da cidade, em parte devido ao próprio critério de classificação presente na ALSHOP, que sugere a existência de vínculos entre o espaço urbano e as classes sociais, definindo um "perfil" do provável freqüentador e dos usos que este poderá fazer do shopping. Dessa maneira, selecionei os shoppings Morumbi e Higienópolis, localizados respectivamente nas Zonas Sul e Oeste, com o predomínio de uma clientela de classes sociais mais favorecidas, e o shopping Metrô-Tatuapé, localizado na Zona Leste e freqüentado predominantemente por classes populares. Acredito que, ao utilizar essa estratégia, obtive acesso a uma maior diversidade de freqüentadores, bem como de práticas alimentares.

3 A esse respeito, ver também Mintz (1985).

4 Consultar Fischler (1990), Pitte e Lemps (1990) e Spang (2003).

 5 Nesse sentido, a história da rede McDonald"s é muito elucidativa e pode ser aprofundada com a leitura de Love (1995). 6 Para uma abordagem mais ampla, ver Goody (1982) e Beardsworth e Keil (1997).

7 Para mais detalhes, ver Rial (1992).

8 Conforme dados fornecidos pela Associação Brasileira da Indústria de Alimentação (ABIA), as mulheres participavam no mercado de trabalho, em 1971, com 23% do efetivo total, e demoravam em média duas horas no preparo de uma refeição familiar. Os gastos com alimentação eram de 92,5% para a casa, e os 7,5% restantes eram destinados ao comer fora. Entre 1997 e 1998, o número de mulheres que trabalhavam fora cresceu para 40% do efetivo total, e o tempo médio gasto para o preparo da alimentação familiar reduziu para 15 minutos. As despesas com alimentação fora de casa subiram para 11,9%, enquanto os gastos com a casa diminuíram para 88,1%.

9 Sobre esse assunto, ver Frugoli Jr. (1989).

10  Em São Paulo, essas áreas diferenciadas podem ser encontradas no shopping Morumbi (o pioneiro, que há mais de 14 anos tem uma praça diferenciada, conhecida como Gourmet), bem como no Ibirapuera e no Eldorado. Outros shoppings oferecem restaurantes diferenciados, embora não reunidos em um espaço semelhante ás praças de alimentação.

11 Ver também Watson (1997).

12 Para mais detalhes sobre esta definição, consultar Douglas (1975), que entendeu as refeições como um sistema de relações que determinam suas posições uma em função da outra, criando uma ordem hierárquica que corresponderia a uma linguagem do comer. Posteriormente, Murcott (1997) trabalhou essa noção e definiu o que seria uma refeição ideal (proper meal), topo de uma hierarquia de refeições, a partir da presença ou não de certos elementos: quem preparou, o que é servido, quando, com quem e como é consumida etc.

13 Nesse sentido, consultar Áriés (1997), Finkelstein (1989) e Fischler (1990).

14 Sobre a questão do consumo e do gosto, consultar Warde (1997).

15 Discuti essa questão em Collaço (2003), utilizando a noção de sistemas peritos de Giddens (1996).

16.  Neste ponto, não explorei algumas idéias importantes sugeridas por Magnani (2000), especialmente a noção de "pedaço", uma apropriação espacial na qual os freqüentadores se reconhecem entre si e fazem seus próprios usos e arranjos. O autor lembrou que essa categoria é gerada em função de uma sociabilidade típica, inspirada na articulação de vínculos já existentes, ressaltando, no entanto, que essa mesma lógica pode ser observada em lugares que servem de ponto de encontro e lazer, embora diferenciando-se no sentido de que nem sempre os freqüentadores tem vínculos mais profundos entre si, "mas sim se reconhecem enquanto portadores dos mesmos símbolos que remetem a gostos, orientações, valores, hábitos de consumo, modos de vida semelhantes" (Magnani, 2000: 39). Deriva desse argumento que a diversidade presenciada em praças de alimentação não definiria um único pedaço, e sim a possível existência de várias apropriações desse gênero, oscilando no eixo temporal. Pretendo retomar essa questão em outro momento, com maior profundidade.

 

 

 

Autor:

Janine Helfst Leicht Collaço

janinecollaco[arroba]terra.com.br

Professora da Universidade Anhmebi-Morumbi e membro da comissão editorial da revista Cadernos de Campo.



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