Religiões afro-brasileiras e cultura nacional: uma etnografia em hipermídia

Enviado por Rita Amaral


  1. Resumo
  2. Introdução
  3. Do afro ao brasileiro: Uma experiência etnográfica em hipermídia
  4. Pressupostos teóricos e trabalho de campo
  5. Sistematização dos dados
  6. Elaboração do mapa de interatividade
  7. Abstract
  8. Referências

RESUMO

Este artigo aborda uma pesquisa em andamento cujo objetivo é interpretar as relações existentes entre o campo religioso afrobrasileiro e a cultura nacional apresentando-as através dos recursos oferecidos pela hipermídia (articulação em meio digital de múltiplos textos - hipertextos -, sons, imagens etc.). Consideramos que o caráter dinâmico desta linguagem permite incorporar na etnografia as diferentes dimensões dos fenômenos culturais analisados. Desta forma, pretendemos mostrar que as inovações científicas e tecnológicas da hipermídia podem ser instrumentos valiosos também na geração de novos conhecimentos no campo da antropologia. Palavras-chave: Campo religioso afro-brasileiro. Cultura nacional. Etnografia.

1. INTRODUÇÃO

Desde 1999 vimos estudando, com auxílio financeiro da FAPESP (19992000) e do CNPq (2001-2006)1 , as potencialidades etnográficas do uso de novos suportes e tecnologias de registro, organização e análise de dados, especialmente no que diz respeito á representação etnográfica2 .

Entre as múltiplas dificuldades do trabalho etnográfico, está a enorme redução necessária á apresentação dos dados e experiências de campo quando de sua transferência para o texto escrito linearmente. Neste, é inevitável a simplificação das dinâmicas sócio-culturais, formadas a partir de múltiplas dimensões sensíveis e inseparáveis na realidade observada, como o som, a língua, as imagens, os gestos, os olhares etc. Como representar, por exemplo, o conjunto de dimensões (performáticas, emotivas, analíticas etc.) presentes no momento ritual em que o orixá de um iniciado grita pela primeira vez seu nome sagrado, provocando o transe coletivo nos membros de sua comunidade e uma aclamação efusiva dos presentes? Ou as intrincadas e sutis negociações entre entrevistador e entrevistado no momento do diálogo, quando o que se diz envolve palavras e silêncios, gestos e olhares, enfim, o contexto único que faz do encontro etnográfico um processo já significativo em si mesmo?

A partir de algumas discussões antropológicas a respeito da representação das relações do antropólogo no campo, (múltiplas vozes que "falam" na pesquisa, implicações políticas dos textos etnográficos, autoridade do antropólogo para falar em nome do grupo pesquisado etc.3 ) que se convencionou chamar de "crise da representação" (Marcus & Fisher, 1986), alguns experimentos etnográficos têm buscado melhor adequação de suas propostas interpretativas a seus veículos de expressão. Afirma-se, por exemplo, que os textos não deveriam ser entendidos como simples suportes de informações ou descrições, desvinculados de suas interpretações. Interpretação e descrição se "confundiriam"4 , sendo necessário buscar uma elocução cada vez mais versátil que pudesse dar conta, minimamente, deste dinamismo. A produção de etnografias baseadas em diversas linguagens e técnicas tem procurado reduzir o constrangimento dos antropólogos ao apresentar o resultado das pesquisas em textos lineares. São exemplos disto os textos multivocais (que buscam apresentar as várias perspectivas presentes entre os grupos investigados) e a utilização de imagens e vídeos etnográficos (que buscam captar interações significativas mediadas pela dimensão visual na construção das representações sociais)5 .

Considerando tais questões, a pesquisa que vimos desenvolvendo propõe o uso da hipermídia como forma de construção da representação etnográfica capaz de expressar a complexidade de articulação dos diferentes níveis de interação presentes na cultura como fenômeno dinâmico.

A hipermídia (CD-ROM, DVD-ROM6 etc.) por sua versatilidade no armazenamento de dados, possibilita integrar diferentes linguagens (escrita, sonora, visual etc.) constituindo-se, atualmente, num dos meios mais favoráveis á apresentação, numa única obra, dos planos descritivo e analítico das etnografias.

As etnografias em hipermídia são, potencialmente, muito mais capazes de conjugar os pontos de vista dos vários interlocutores nelas apresentados. Permite, ainda, múltiplas leituras, segundo os caminhos escolhidos pelo leitor e não somente aqueles indicados pelo autor, como é o caso do texto linear7 .

O antropólogo James Clifford (1988) tem mostrado, por exemplo, como o estilo textual da etnografia clássica estabeleceu, entre outros aspectos, o pressuposto da autoridade do etnógrafo. A presença deste surgiria na introdução do livro ou em notas ao pé da página para valorizar sua experiência pessoal de campo ("de anos vivendo entre nativos") e garantir a veracidade das informações, mas desapareceria do texto principal para garantir, com a impessoalidade do discurso indireto, a legitimidade das conclusões. Essa prática discursiva tenderia a não considerar o conhecimento etnográfico como resultado de situações de encontro de subjetividades concretas que interagem em condições sobre-determinadas de contato e de negociação de sentido. Ou seja, o texto etnográfico, ao privilegiar a voz do antropólogo, tenderia a anular as outras vozes que o compõem e que somente em alguns trechos podem ser ouvidas em forma de citação ou de representação do diálogo assinada pelo autor. As relações de contato entre subjetividades de mundos culturais diferenciados ou divididos internamente por critérios societais seriam, assim, desconsideradas na confecção da "ficção persuasiva" etnográfica (STRATHERN, 1987, p. 257).


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