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Risco: um conceito do passado que colonizou o presente (página 2)

Felismina Mendes

stas estratégias são o produto da modernidade - são os modos de pensar e de reagir ao risco (Lupton, 1999). Ao longo dos séculos, a palavra risco mudou algumas vezes de significado e o seu uso tornou-se cada vez mais comum. À medida que nos aproximávamos da época actual, passou a aplicar-se a uma enorme variedade de situações. A noção de risco adquiriu expressão durante os séculos XVI e XVII e começou por ser usada pelos exploradores ocidentais quando partiam para as viagens que os levavam a todas as partes do mundo. A palavra risco parece ter chegado ao inglês através do espanhol ou do português, línguas em que era utilizada para caracterizar a navegação em mares desconhecidos, ainda não descritos nas cartas de navegação. Segundo Ewald (1993), a noção de risco apareceu associada á insegurança marítima e aos perigos que podiam comprometer as viagens. Nesse tempo, o risco designava a possibilidade de um perigo objectivo, um acto de Deus, uma força maior ou uma tempestade que pudesse comprometer a viagem e que não pudesse ser imputado a uma conduta humana errada. Este conceito de risco excluía a ideia de falha ou de responsabilidade humana. O risco era percebido como um evento natural e, como tal, os humanos pouco mais podiam fazer do que tentarem estimar quando estes acontecimentos iriam surgir e actuarem no sentido de reduzirem o seu impacto.

Na origem, a palavra risco incluía a noção de espaço. Mais tarde, quando usada pelo sistema bancário e em investimentos, passou a incluir a noção de tempo, indispensável para o cálculo das consequências prováveis de determinado investimento, tanto para os credores como para os devedores, e acabou por se referir a uma enorme diversidade de situações onde existia incerteza (Giddens, 2000). De acordo com o mesmo autor, o conceito de risco é inseparável das ideias de probabilidade e incerteza, já que não se pode dizer que alguém enfrenta um risco quando o resultado da acção está totalmente garantido.

A culturas tradicionais não dispõem do conceito de risco porque não precisam dele. O risco refere-se a perigos calculados em função de possibilidades futuras. Só tem uso corrente numa sociedade orientada para o futuro e que vê esse mesmo futuro como um território a ser conquistado ou colonizado. Neste sentido, o risco implica a existência de uma sociedade que tenta activamente desligar-se do passado e conquistar o futuro.

Todas as culturas antigas viveram, antes de mais, com base no passado. Utilizaram as ideias de destino, ou a vontade dos deuses, em situações que agora tendemos a considerar situações de risco. Na cultura tradicional, se alguém sofre um acidente, ou, pelo contrário, se alguém prospera, diz-se que «são coisas que acontecem», ou «fez-se a vontade de Deus».

Na sociedade actual, as noções de magia, de destino e de cosmologia continuam a ter o seu lugar. Mas, em muitos casos, apenas sobrevivem como superstições, nas quais as pessoas não acreditam inteiramente e que aceitam com algum embaraço. Muitas pessoas entregam-se a rituais que, em termos psicológicos, reduzem as incertezas que têm de enfrentar. O mesmo já não se aplica aos riscos que não conseguimos evitar, pois estar vivo já é por definição uma situação arriscada. Não surpreende, pois, que algumas pessoas continuem a consultar astrólogos, especialmente em momentos críticos da sua vida. Mas a aceitação do risco é também um dos requisitos da excitação e da aventura. Pense-se no prazer que as pessoas sentem a jogar, a conduzir a alta velocidade, nas aventuras sexuais ou na montanha-russa de uma feira. A aceitação positiva do risco é, para Giddens (2000), a própria fonte de energia criadora de riqueza numa economia moderna. As duas faces do risco, o seu lado positivo e o negativo, apareceram durante a primeira fase da sociedade industrial moderna. O risco era a dinâmica estimula-dora de uma sociedade empenhada na mudança, apostada em determinar o seu próprio futuro sem depender da tradição, da religião ou dos caprichos da natureza.

Ao calcular possíveis ganhos e perdas e, portanto, o risco, o capitalismo moderno colocou-se no futuro (Giddens, 2000). Sem dúvida que na sociedade actual há muitos riscos, que pretendemos reduzir até onde pudermos. é por isso que, desde as origens, a noção de risco deu origem á criação de seguros privados ou comerciais. O Estado-Providência, cuja evolução se pode seguir até á origem (ás leis dos pobres da Inglaterra de Isabel II), é, na sua essência, um sistema de gestão dos riscos. Destina-se a proteger as pessoas contra riscos como a doença, a invalidez, a perda de emprego ou a velhice, que antes eram considerados dependentes da vontade dos deuses. O seguro é a base a partir da qual as pessoas se preparam para assumirem os riscos. é uma base de segurança donde o destino foi expulso por um contrato activo com o futuro. Tal como aconteceu com a noção de risco, os sistemas modernos de seguros começaram com a navegação e as primeiras apólices de seguros marítimos datam do século XVI. O seguro só tem razão de ser quando se acredita num futuro construído pelo homem.

A actividade segura-dora, embora sirva para proporcionar segurança, na realidade alimenta-se do risco e das atitudes das pessoas em relação a ele. Quando uma pessoa faz um contrato de seguro para se proteger do fogo que lhe pode queimar a casa, o risco não desaparece. Ele apenas é transferido para a seguradora. Por estas razões, há que admitir que a ideia de risco sempre andou associada á modernidade, mas na época actual ela assume uma importância nova e peculiar. O risco era considerado um meio de regular o futuro, de o normalizar e de o colocar sob o nosso domínio. Mas as coisas não se passaram assim. As tentativas que fazemos para controlar o futuro acabam por se voltar contra nós, forçando-nos a procurar novas formas de viver com a incerteza. Giddens (2000) considera que existem dois tipos de risco.

O risco exterior, que é aquele que resulta das imposições da tradição ou da natureza, e o risco provocado, que resulta do impacto do desenvolvimento tecnológico sobre o ambiente. Este tipo de risco refere-se a situações de que não temos experiência histórica, como, por exemplo, os riscos ambientais relacionados com o aquecimento global. Se, no passado, as pessoas se preocupavam com os riscos originados pela seca, pelas pragas, por más colheitas, ou seja, impostos pela natureza, actualmente preocupam-se com os riscos que impomos á natureza. Assim, o risco exterior perde importância e o risco provocado torna-se predominante. Com efeito, a noção de risco alargou-se a outros domínios e deixou de estar localizada exclusivamente na natureza, passando a estar também nos seres humanos, na sua conduta, na sua liberdade, nas relações entre eles, na sua associação e na sociedade (Ewald, 1993). O nascimento da noção de risco esteve também estreitamente relacionado com a capacidade de cálculo. Com efeito, durante o século XVIII, o conceito do risco começou a ser «cientificizado», através de novas ideias na matemática relacionadas com as probabilidades. O desenvolvimento do cálculo estatístico do risco e a expansão da insegurança na indústria nos primórdios da era moderna mostraram que «as consequências que em primeiro lugar afectam apenas o indivíduo tornam-se riscos, sistematicamente causados, descritos estatisticamente e, neste sentido, tomados como acontecimentos previsíveis, que podem também ser sujeitos a regras supra-individuais e a políticas de reconhecimento, compensação e anulação» (Beck, 1992). Tal como afirma Reddy (1996), «os modernos eliminaram a genuína indeterminação ou incerteza, inventando o risco. Eles aprenderam a transformar um cosmos radicalmente indeterminado num cosmos manejável através do mito do cálculo.» Por sua vez, Castel (1991) vai mais longe ao afirmar que a obsessão com a prevenção do risco na modernidade foi construída sobre «uma grandiosa racionalização tecnocrática, sob absoluto controle do acidental, entendido como a irrupção do imprevisível [...] uma vasta utopia higienista que joga alternadamente entre registo de medo e segurança, induzindo ao delírio da racionalidade, a um absoluto reino da razão calculadora e que não deixa absolutamente nenhuma prerrogativa aos seus agentes, planeadores e tecnocratas, administradores da felicidade de uma vida onde nada acontece». Na modernidade o risco, no seu significado técnico mais puro, revela-nos as condições das probabilidades estimadas que existem de um acontecimento estar apto a ser conhecido. A incerteza, em contraste, é usada como um termo alternativo onde estas probabilidades são inestimáveis ou desconhecidas. Esta distinção pressupõe que há uma forma de indeterminação que não está sujeita ao cálculo racional de acordo com as várias alternativas possíveis (Reddy, 1996). Muitos ramos de seguro baseiam-se directamente nesta correlação e calculam, por exemplo, as hipóteses de uma pessoa sofrer um acidente de cada vez que entra num automóvel. é uma predição actuarial, baseada em estatísticas de muitos anos. Porém, as situações de risco provocado não são assim, já que nunca se conhece o nível de risco que enfrentamos e, em muitos casos, só se consegue ter a certeza quando já é demasiado tarde (como exemplo, refira-se o caso da BSE, em que não se sabe ainda se a doença, no futuro, não irá provocar muito mais vítimas). As circunstâncias de incerteza que estão associadas ao risco provocado deram origem a um clima que se caracteriza ora por situações consideradas de alar-mismo ora por situações de ocultação dos factos. Assim, se um risco for considerado grave (por cientistas), deve ser divulgado e intensamente publicitado para que as pessoas se convençam de que o perigo é real. No entanto, se posteriormente se concluir que o risco era mínimo, todos os envolvidos serão considerados alarmistas (Giddens, 2000). Se se optar pelo caso contrário, em que as autoridades decidem inicialmente que o risco não é muito grande e posteriormente ocorrerem situações graves (como aconteceu com as autoridades britânicas face á BSE), os envolvidos serão acusados de ocultação de provas, como, na verdade, aconteceu. De facto, o alarmismo pode tornar-se necessário para reduzir os riscos que enfrentamos, mas, se for bem sucedido, parecerá exactamente alarmismo. O caso da SIDA é paradigmático neste aspecto. Com o objectivo de evitar a disseminação desta doença, os governos e os especialistas têm feito múltiplas campanhas alertando as pessoas para os riscos que correm nas práticas sexuais sem protecção. Como resultado destas campanhas, a SIDA, nos países desenvolvidos, não se espalhou tanto como fora inicialmente previsto. Assim, muitos questionaram por que é que se assustaram tanto as pessoas. Porém, a difusão global da doença veio a dar razão aos alarmistas para actuarem como actuaram. Estes são os paradoxos da sociedade actual e que não se afiguram fáceis de resolver. De facto, em muitas situações de risco provocado até a própria existência do risco pode ser discutível. Por isso, á partida, nunca se sabe se há alarmismo ou não. Estas questões remetem-nos para o relacionamento com a ciência e a tecnologia na sociedade actual. Se durante dois séculos a ciência funcionou como uma espécie de tradição nas sociedades ocidentais, em que os leigos pediam opinião aos especialistas e peritos, nos dias de hoje torna-se cada vez mais difícil aceitar as descobertas dos cientistas, por serem cada vez mais frequentes os desacordos entre eles, especialmente quando se trata da análise dos riscos provocados pelo homem. O carácter mutável da ciência é outra das características cuja visibilidade emergiu nas sociedades modernas. Quando, no seu quotidiano, as pessoas tomam decisões sobre o que ingerem, por exemplo, ao pequeno-almoço (café com ou sem cafeína), estão a tomar uma decisão num contexto em que existem informações científicas e tecnológicas contraditórias e mutáveis. Da mesma forma, a ingestão de vinho tinto já foi alvo de muitas informações contraditórias por parte da ciência. Já foi considerado prejudicial para a saúde e também já se disse que, bebido moderadamente, confere protecção contra as doenças cárdio-vasculares. Resta aguardar pela próxima revelação científica. Se é verdade que sem a análise científica nem sequer saberíamos da existência dos riscos, também é verdade que a relação com a ciência não pode ser a mesma que existiu em épocas anteriores " de uma aceitação inquestionável dos seus resultados (Giddens, 2000). Na sociedade contemporânea, o uso do risco já não tem muito a ver com o cálculo das probabilidades. A palavra risco significa, actualmente, perigo e alto risco significa muito perigo (Douglas, 1992). Da mesma forma, o risco é agora sempre usado para relatar apenas factos negativos ou indesejáveis, e nunca factos positivos. Quando a análise do risco e dos custos/benefícios se centra em potenciais acontecimentos positivos ou negativos, os benefícios ou os aspectos positivos do risco tendem a receber pouca atenção (Short, 1984). Com efeito, na linguagem do quotidiano, o risco tende a ser usado para se referir, quase exclusivamente, a uma ameaça, a um acidente, a um perigo ou mal " sempre a fenómenos negativos.

Segundo Lupton (1999), na sociedade actual, a palavra risco tornou-se de uso comum, quer na linguagem popular, quer na linguagem dos peritos, e um forte aparato de pesquisa, de saber e de opiniões tem sido desenvolvido em torno deste conceito. Deparamo-nos, assim, com a análise do risco, com as valorizações e contribuições do risco, com a comunicação do risco e com a gestão do risco.

Estes são os campos de pesquisa usados para medir e controlar o risco em áreas como a medicina, a saúde pública, as finanças, a justiça, os negócios e a indústria. Várias razões foram sugeridas para a proliferação do uso deste conceito e da linguagem do risco no discurso dos peritos ao longo das últimas décadas e, de entre elas, destaca-se a que sugere que esta proliferação se deu, por um lado, devido ao desenvolvimento das tecnologias computacionais, que permitiram a manipulação estatística de uma vasta gama de dados que anteriormente não era possível e, por outro, ao surgimento de instituições e agências reguladoras que lidam com os fenómenos conceptualizados de alto risco, como, por exemplo, a energia nuclear. Também as mudanças no pensamento científico, que alteraram o paradigma do determinismo monocausal para aquele que incorpora múltiplas causas e efeitos e, simultaneamente, o aumento da confiança na racionalidade científica como base para a certeza, foram decisivas na importância atribuída ás origens do risco e ao risco em si próprio (Short, 1984).

Alguns teóricos também sugeriram que foram as alterações na natureza do risco que decisivamente contribuíram para um aumento das preocupações dos peritos e do público. Segundo eles, na última parte do século XX, o risco tornou-se mais globalizado, menos identificável, mais sério nos seus efeitos e, consequentemente, menos facilmente manejável, originando uma maior ansiedade na população (Beck, 1992). Para outros autores, o conceito de risco ganhou importância nos tempos recentes devido ao aumento da dependência da sociedade face ao futuro e das tomadas de decisão que agora dominam as ideias sobre o futuro e em que a noção de risco é usada como uma palavra-chave. As preocupações com o risco começaram a intensificar-se com a chegada do fim do século XX e, simultaneamente, do fim do milénio e que pareceu ter sido vivido como uma espécie de mal e desorientação e com o sentimento de que se vive num tempo de fins e de grandes rupturas sociais.

O termo pânico chegou mesmo a ser usado por alguns autores para descrever o estado existencial de vida na sociedade pós-moderna neste início de um novo milénio. Justapostos a este mundo de mudança estão os significados e as estratégias construídas á volta do risco, as quais saltam da incerteza, da ansiedade e da falta de previsibilidade para as tentativas de encontrar soluções para ele. Os significados do risco e as estratégias accionadas para o enfrentar são tentativas para controlar a ansiedade, mas que muitas vezes têm o paradoxal efeito de aumentarem ainda mais essa mesma ansiedade através da intensificação da atenção e interesse nesse mesmo risco. Chamar a qualquer fenómeno ou acontecimento risco é reconhecer a sua importância para a nossa subjectividade e bem-estar. Nalgumas sociedades e noutros tempos, certos fenómenos foram seleccionados como o foco da ansiedade e do medo das pessoas.

Na nossa sociedade e no nosso tempo é o risco que ocupa esse lugar. Segundo Lupton (1999), as últimas seis categorias de risco que correntemente aparecem como dominantes nos interesses dos indivíduos e das instituições nas sociedades ocidentais são os riscos ambientais, ou seja, aqueles que são colocados pela poluição, pelas radiações, pelos químicos, pelas cheias, pelos fogos, pelas estradas perigosas; os riscos dos estilos de vida, que são aqueles que se acredita estarem relacionados com o consumo de alimentos e drogas, com o envolvimento em actividades sexuais, com as práticas de condução, com o stress, com o prazer; os riscos médicos, que se relacionam com a experiência de cuidados ou tratamentos médicos, como, por exemplo, tratamentos com drogas, cirurgias, partos, tecnologias reprodutivas, testes de diagnóstico; os riscos interpessoais, que estão associados aos relacionamentos íntimos, ás interacções sociais, ao amor, á sexualidade, aos papéis familiares, ás amizades, ao casamento; os riscos económicos, que estão implicados no emprego, no desemprego e subemprego, nos investimentos, nas bancarrotas, na destruição da propriedade, no falhanço de um negócio, e os riscos criminais, que emergem quando se pensa poder vir a ser accionado em processo judicial ou vítima de actividades ilegais. Perante todas estas categorias, pode dizer-se que em todos os aspectos da nossa vida diária, pelo que fazemos ou não fazemos, estamos sempre, de uma forma ou de outra, em risco.

Porém, a forma como quotidianamente vivemos as nossas vidas, como nos distinguimos dos outros, como percebemos e experienciamos o nosso corpo, como gastamos o nosso dinheiro e como escolhemos viver e trabalhar, depende, não do facto de estarmos em risco, mas sim do facto de nos sentirmos em risco. Ou seja, é o nosso conhecimento sobre o risco que vai modelar os vários aspectos da nossa subjectividade e marcar decisivamente as concepções de risco que elaboramos e que irão guiar o nosso quotidiano. No fundo, o que está sempre em causa é o conhecimento do risco e sobre o risco, que é sistematicamente construído e reconstruído pelos peritos e que quotidianamente é construído e reconstruído por cada um de nós.

2. A filosofia do risco e as ciências da saúde

A influência dos significados e mensagens transmitidas por uma experiência cultural partilhada, ou a natureza simbólica do risco, tende a ser pouco reconhecida pelos modelos individualistas da percepção do risco, nomeadamente aqueles que, tradicionalmente, se encontram ligados ás ciências da saúde. Como refere Ewald (1991), o risco é uma categoria socialmente construída, já que nada é um risco em si próprio até ser definido como tal. A filosofia do risco incorpora uma aproximação secular á vida, onde as coisas aconteciam sem qualquer aviso prévio e não podiam ser previstas.

Esta filosofia tem subjacente que a vida de cada um pode ser comparada a um empreendimento, em que prevalece a crença de que os sujeitos podem planear o futuro e dar passos cautelosos para assegurar protecção contra o infortúnio, mantendo o controle do seu dia a dia. Para que cada um se possa proteger contra o risco tem de controlar e comandar o seu tempo e disciplinar o seu futuro (Ewald, 1991). A filosofia do risco também assume que o risco é colectivo, nomeadamente o risco de acidentes ou desastres naturais ou tecnológicos. Porém, o conceito de risco assume, frequentemente, que cada pessoa pode ser um factor de risco e está exposta ao risco. Isto não significa, contudo, que cada sujeito esteja exposto ao mesmo grau de risco. O risco define o todo, mas cada sujeito distingue-se pela probabilidade de risco que lhe cabe partilhar. O discurso do risco representa um tentativa para dominar a incerteza. Segundo as diferentes aproximações analíticas, os riscos que são eleitos por uma sociedade e que requerem atenção podem não ter nenhuma relação com um perigo real. Eles são eleitos porque são culturalmente identificados como importantes.

 Um dos exemplos deste tipo de risco é o amianto usado no revestimento de edifícios públicos, devido á ligação estabelecida entre doenças como a abestose e o cancro do pulmão em trabalhadores que estavam expostos ás fibras do amianto durante longos períodos de tempo. Em muitos países têm sido gastas grandes somas de dinheiro para remover as coberturas de amianto; no entanto, os técnicos referem que esta remoção não garante a segurança dos edifícios. O facto de a substância ter sido identificada como um risco para a saúde, aliado á vasta publicidade que foi dada a este assunto, gerou grande ansiedade pública, que, por sua vez, impeliu á acção. Neste caso, á acção resulta do imperativo de «fazer qualquer coisa» para remover toda a espécie de riscos para a saúde (Sapolsky, 1994).

O discurso do risco tornou-se uma estratégia política e uma forma dialéctica de negociar entre os perigos públicos e os medos privados. Para diferentes autores, deter uma alta consciência sobre o risco parece ter sido a condição última do século XX e talvez a primeira do século XXI. O risco é considerado um paradoxo da sociedade actual, em que o progresso humano e o desenvolvimento industrial geraram um aumento de situações prejudiciais para o ecossistema e para a saúde humana, geradoras de fortes níveis de ansiedade e cinismo face a esse mesmo progresso. Ao contrário dos primeiros tempos da industrialização, que foram marcados por riscos que tinham uma duração limitada no tempo, os riscos actuais afectam globalmente os sujeitos tanto no presente como no futuro. Se as afirmações anteriores se centram no conceito de risco como um perigo externo e na politização que foi feita deste conceito em anos recentes, também o conceito de risco interno tem sido criticado, nomeadamente, pela dimensão moral e política que lhe está associada.

Nos últimos anos tem-se assistido á consolidação de uma nova moral quotidiana erigida sobre a moral do bem comer (sem colesterol, sal e açúcar), das práticas sexuais seguras (com um único parceiro), do exercício físico regular e do respeito permanente pela sua própria segurança e pela dos seus vizinhos ou colegas (por exemplo, não fumando). Trata-se de restaurar a moralidade reorientando-a para o corpo. O controle do corpo surge aqui já não apenas como uma questão técnica, mas como uma questão política e moral (Sfez, 1997). Segundo o mesmo autor, o controle do corpo só é possível por meio de uma nova disciplina, de uma nova moral, que é a moral do controle do self pelo self ao serviço de uma ordem socialmente harmoniosa. Face aos riscos internos, a biomedicina e a epidemiologia, pelo saber objectivo que detêm sobre o corpo, determinam e enunciam quais os comportamentos que são considerados de risco e quais os indivíduos que se supõe estarem em risco.

A sua capacidade para definirem o risco e para se pronunciarem sobre o que é que os sujeitos devem fazer para evitarem ou minimizarem os riscos é central para o reforço da sua posição dominante como ciências altamente prestigiadas na avaliação do risco. De facto, a avaliação dos riscos que se encontram ligados aos estilos de vida dos sujeitos e que resultam de opções individuais é usada, em saúde pública, para aconselhar os sujeitos sobre a prevenção de ameaças á sua saúde. Isto acontece, essencialmente, com factores de risco que se encontram associados com determinados comportamentos que podem ser modificados. O objectivo é promover conhecimentos sobre os potenciais perigos associados ás opções dos estilos de vida e, depois, motivar os sujeitos para participarem na promoção de saúde e nos programas de educação para a saúde.

As crenças individuais sobre a percepção da susceptibilidade individual a uma doença adquirem, assim, um lugar central nos modelos comportamentais da saúde, em que se assume que a percepção da susceptibilidade ao risco é essencial para motivar os sujeitos e impeli-los para a acção. A avaliação do risco é, geralmente, calculada depois da realização de uma entrevista com a pessoa, em que esta explicita detalhes sobre os seus hábitos pessoais de saúde e comportamentos quotidianos. Estes dados podem, posteriormente, ser completados com testes biomédicos. Através desta informação é determinada uma taxa, quantitativa ou qualitativa, sobre os futuros riscos de saúde do sujeito. Segundo Lupton (1995), o processo de se sujeitar á determinação social do risco assemelha-se a uma confissão religiosa. Os sujeitos são incitados a revelarem os seus pecados aos profissionais de saúde, ou então os seus corpos são o testemunho mudo para a sua indulgência. Quando a determinação do risco é finalizada, a sentença é comunicada aos sujeitos e são prescritas as penitências de forma a repor a moral e a integridade do corpo.

Apesar das limitações em termos de capacidades preditivas e das dúvidas que suscitam os itens de medida usados na metodologia estatística de avaliação do risco, poucas pesquisas têm sido realizadas sobre as consequências práticas e éticas da determinação dos riscos de saúde, nomeadamente sobre o impacto que têm no bem-estar dos sujeitos, sobre a ansiedade que geram e sobre a sua utilização adequada (ou não) no aconselhamento dos sujeitos. Aqueles que propõem a avaliação dos riscos de saúde continuam a defender que esta determinação é um meio de dar ás pessoas não apenas um conhecimento sobre eles próprios, mas um saber que podem usar para mudarem os seus comportamentos e, consequentemente, protegerem a sua saúde, a saúde dos outros ou mesmo a sua própria vida. A incursão do discurso do risco em quase todas as áreas da vida privada e os vastos interesses que ele alimenta raramente foram questionados por aqueles que apoiam e defendem a actual saúde pública. Aliás, tem-se assistido ao emergir de novos domínios cuja legitimidade se funda, precisamente, no discurso do risco, como é o caso da bioética e da medicina do trabalho, ou saúde ocupacional. Estes novos domínios apresentam-se muitas vezes como uma espada de dois gumes.

Se, por um lado, nalguns programas de saúde é possível detectar, nos seus objectivos imediatos, sinais filantrópicos, como a melhoria das condições de saúde dos trabalhadores e a redução dos custos com os cuidados de saúde (empregadores que oferecem diferentes esquemas de cuidados de saúde aos trabalhadores e respectivas famílias), por outro, os abusos em termos de avaliação e de realização de testes nos locais de trabalho assinalam um novo tipo de controle sobre o corpo dos trabalhadores (nomeadamente quando estes programas estabelecem modelos de vigilância dos empregados indesejáveis com base em factores como o seu peso, a fraca adesão a um estilo de vida disciplinado e ao uso de drogas). A ênfase na aptidão física e no «não ás drogas e ao álcool» serve, com efeito, para exortar os trabalhadores a aderirem, no seu tempo livre, a determinadas actividades e a recusarem outras. O estilo de vida, tal como é avaliado nos programas de medicina do trabalho, inclui o domínio privado como um bem público. Estes programas permitem aos empregadores determinar o que é que os seus empregados fazem nos seus tempos livres e, simultaneamente, expandir a todos os domínios do quotidiano dos sujeitos a sua rede de controle (da obrigatoriedade do teste da SIDA, á hipersusceptibilidade ao cancro ou ao alcoolismo).

A precisão do cálculo matemático do risco, tal como é adoptada na determinação do risco de saúde, falha ao não reconhecer a complexidade das relações do risco através do espaço e do tempo e ao assumir a natureza regular, estável e uniforme dos modelos de causa-efeito (Hayes, 1992). Da mesma forma, o discurso do risco usado em epidemiologia e aquele que emerge dos debates médicos e de saúde pública sobre as causas da doença tendem a ocultar a complexidade e a dimensão social da doença. As definições médicas e epidemiológicas sobre quais os comportamentos considerados de risco e a forma como estes comportamentos, por sua vez, afectam o estado de saúde têm estado sujeitas a uma mudança constante. Por exemplo, embora as causas precisas da maioria dos cancros da mama não tenham ainda sido identificadas e o grau de risco associado a factores específicos do modo de vida seja objecto de controvérsia, o discurso do risco continua a colocar certos comportamentos de grupos de mulheres como sendo claramente de alto risco para a doença. A certeza das medidas preventivas transmitidas aos sujeitos sobre os factores de risco e sobre as relações de risco (nomeadamente sobre o cancro) oculta continuamente os complexos e muitas vezes arrastados debates médicos e epidemiológicos sobre a validade dessas medidas de prevenção.

Pode então dizer-se que a epidemiologia, tal como a própria medicina, reconstrói continuamente os seus saberes e que, pos-sivelmente, é a esta reconstrução contínua que se deve o fraco reconhecimento dos sujeitos no discurso do risco e nas próprias ciências. Com efeito, existem diferenças fundamentais entre a compreensão clínica e epidemiológica do risco e a compreensão leiga. A conceptualização epidemiológica do risco descreve as relações como sendo objectivas, despersonalizadas, quantitativas e cientificamente avaliáveis e reduz a causalidade da doença a um simples factor ou a uma combinação de factores discretos cujos efeitos podem ser enunciados numa relação de causa-efeito similar ao modelo biomédico. Os sujeitos são definidos e nivelados pelo discurso do risco através de diversos aspectos da sua vida que vão desde o seu estado civil até á escolha do seu almoço e que se tornam marcadores de risco. A forma como os sujeitos interpretam o risco é sempre mediada pelos diversos contextos sócio-culturais em que estão inseridos.

Os sujeitos não conceptualizam o risco em termos de probabilidades estatísticas objectivas, mas fazem sim julgamentos subjectivos baseados em suposições cósmicas e ontológicas. é por isso que, de acordo com Gifford (1986), «para o sujeito, o risco torna-se uma vivência ou um estado experienciado de saúde-doença e um sintoma de uma futura doença [...] é interiorizado e experienciado como um modo de ser e como um estado intermédio entre a saúde e a doença». Segundo o mesmo autor, as mulheres com cancro da mama, frequentemente, apelam ás suas experiências subjectivas e emoções para descreverem as suas respostas ao risco, expressando ansiedade, incerteza e medo. O risco advém de factores genéticos e biológicos e de factores sociais e ambientais. Os modelos (dos factores de risco) que descrevem a doença, por vezes, apresentam explicações contraditórias dos motivos por que os sujeitos adoecem ou morrem prematuramente, como sejam o fatalismo e os estilos de vida. é precisamente para os diferentes aspectos dos estilos de vida, que se considera poderem ser modificados, que a redução do risco está mais apta a ser dirigida, embora o despiste das evidências genéticas ou biológicas possa ter mais efeito. Como refere Lupton (1995), «na vã tentativa de ouvir os caprichos do destino, os discursos de promoção da saúde necessitam urgentemente de modificações nos factores relativos aos estilos de vida, como a dieta, que servem para ocultar os factores que não é possível mudar, como os que cada um gera». Atendendo a que a epidemiologia é um campo probabilístico de investigação em que nunca se pode ter a certeza de que os resultados e as associações de determinados factos vão ocorrer, pode questionar-se não apenas a incerteza das suas previsões, mas também as origens dos procedimentos simbólicos e políticos sobre a percepção e aceitabilidade do risco.

Desde o advento da SIDA que o comportamento sexual foi colonizado pelo discurso do risco, na tentativa da construção de novos caminhos para a expressão do desejo sexual. O entendimento dominante sobre o comportamento sexual, em termos de promoção da saúde, é que ele é racional, prudente, inclui uma decisão consciente e atende a diversas alternativas. Ao privilegiar a racionalidade nos comportamentos associados á SIDA, a saúde pública ignora o papel do inconsciente, do desejo e do prazer na expressão sexual. Ela falha porque não reconhece que, para alguns sujeitos, a atracção do risco é, ela própria, geradora de prazer e o sexo pode ser entendido como um escape para a «imbecilidade» da existência quotidiana e das proibições diárias (Bolton, 1992). O discurso do sexo seguro tem subjacente a suposição de que o prazer e o desejo podem ser reorganizados como resposta a imperativos baseados no risco de saúde.

Este discurso também assume e defende a capacidade dos procedimentos disciplinados na construção de um corpo capaz de obter prazer nesta nova forma de disciplina. O discurso do risco e do sexo seguro falha ainda ao considerar que o comportamento sexual, tal como qualquer outro comportamento, não é atomizado, mas sempre socialmente contextualizado. Nas sociedades contemporâneas, o risco tem vindo a substituir a velha e fascinante noção de pecado. O risco surge como um termo que tem penetrado em todos os domínios da vida social e que parece ter como objectivo final moralizar e politizar todos os perigos inerentes ao quotidiano dos sujeitos. A questão que se coloca é a de saber se se está perante uma redução da vida social ás suas dimensões biológicas ou se, pelo contrário, se está a assistir a uma (re)socialização dos aspectos biológicos.

Douglas (1992) defende que estar em risco assume um significado contrário ao de pecar, nomeadamente quando a ênfase é colocada sobre o perigo causado por forças externas que actuam sobre o sujeito, em vez de a colocar nos perigos que o sujeito produz na comunidade. Também se verifica que as abordagens centradas nos riscos externos se têm mostrado pouco aptas para abordar os riscos de saúde internamente impostos, isto é, os riscos cujo controle é da responsabilidade do sujeito. Os discursos da saúde pública e da promoção de saúde introduziram um novo significado moral sobre o risco. Neste sentido, foi esboçada uma distinção moral entre aqueles que estão em risco e aqueles que «são um risco» para os outros. Estas disciplinas operaram a distinção entre o mal gerado por causas externas, fora do controle do sujeito, e aquelas que são causadas por ele próprio. O discurso do risco relativo aos estilos de vida sub-verte a noção de que, na sociedade contemporânea, os perigos para a saúde estão fora do controle do indivíduo. Pelo contrário, o tema dominante no discurso do risco sobre os estilos de vida centra-se na responsabilidade dos sujeitos em evitarem os riscos de saúde e cuidarem dela como se esta fosse o seu maior bem. Este discurso centra-se na biografia e na trajectória dos sujeitos ao longo dos diferentes espaços sociais. Parece fazer parte da «patologização» da vida, a obsessão de dotar cada um de uma vida saudável e a assunção de que um princípio de vida não saudável representa uma falha (Greco, 1993).

De acordo com este discurso, se os sujeitos optam por ignorar os riscos de saúde, colocam-se desde logo em perigo de adoecerem, o que os afasta do normal desempenho dos seus papéis sociais, com os inerentes encargos que essa situação acarreta para toda a sociedade. Além disso, estes sujeitos podem ainda expor os outros ao mal, por exemplo, fumando em lugares públicos, conduzindo sob o efeito das bebidas alcoólicas ou transmitindo uma doença infecciosa. Neste caso, existem grandes potencialidades de colocar os diferentes membros de uma comunidade ou a própria comunidade em risco. Segundo o mesmo autor, quando se acredita que o risco é internamente imposto devido a uma falta de força de vontade, a uma moral fragilizada e á preguiça por parte do sujeito, a relação simbólica entre o pecado e o risco é invertida. Aqueles que são considerados em risco tornam-se aqui os pecadores devido á sua aparentemente voluntária aproximação ao risco. São descritos como os risk takers, irracionais e irresponsáveis, que insistem em ignorar a sua categorização em grupos de alto risco e que desafiam a determinação dos riscos de saúde. A falência do controle do risco através da força de vontade torna-se uma forma de irracionalidade, ou de evidente incapacidade para dominar o self. Segundo estes modelos, a doença parece estar mais associada ás qualidades morais de cada um do que á sua constituição individual. São exemplo disto os sujeitos considerados candidatos a uma doença cárdio-vascular que fumam, que são obesos e que vivem constantemente em stress. Diz-se que estes sujeitos, para além de serem «portadores» da doença, ainda a sustentam (Davison, 1992 ). Os medos das pessoas sobre os riscos podem ser vistos como formas de manutenção da solidariedade social, mesmo que ela simplesmente reflicta interesses objectivos de saúde ou de problemas ambientais, já que as definições de risco são uma expressão das tensões inerentes a um dado contexto social ou cultural.

As regularidades estatísticas têm por base a noção de que cada um pode aperfeiçoar e controlar a subpopulação desviante através da sua enumeração e classificação. Os sujeitos são frequentemente categorizados em grupos de risco com base em factores sociais, como a etnia, a raça, a classe social, a identidade sexual e os seus comportamentos ou estado de saúde. Isto resulta numa estratificação benevolente, especialmente nos estudos sobre os padrões de saúde das classes sociais e de hábitos como o tabagismo. Como refere Figlio (1989), as definições de risco servem para identificar o eu e o outro, para culpabilizarem as minorias estigmatizadas e como arma política.

O discurso do risco estabelece e defende uma poderosa racionalidade, coberta pela linguagem e pelas práticas neutrais da saúde pública e da promoção de saúde, culpabilizando os grupos minoritários, que são estigmatizados através do seu estado de saúde. Figlio (1989) desenvolveu uma teoria psicoanalítica que sugere que a descoberta de patologias distintas em grupos distintos de doentes externaliza os terrores primitivos da sociedade. Esta externalização é facilitada pela subdivisão da população em grupos de risco. é sobre estes grupos marginalizados que são projectadas as ansiedades sobre o corpo.

 Segundo o mesmo autor, a estratégia central para negociar os riscos de saúde é a externalização. Quer seja a externalização da própria ameaça, quer a do indivíduo ou grupos que se considera estarem mais susceptíveis. A retórica do risco serve diferentes funções políticas, dependendo de como é feito o controle pessoal da percepção do perigo. Douglas (1986) assinalou que a culpabilização das vítimas é uma estratégia que funciona num determinado tipo de contextos e que a culpabilização do inimigo é uma estratégia que funciona noutros. No entanto, as duas formas de atribuição do risco servem para manter a coesão social. A primeira protegendo o controle social interno e a segunda sendo-lhe leal. A saúde pública tem estado sempre presente tanto numa como noutra.

Comentário final

Face ao risco, tudo o que as ciências da saúde têm a oferecer vai no sentido da espera. Esperar para saber se o risco vai atingi-los e provocar a doença, esperar para saber se os sintomas da doença vão manifestar-se, esperar para saber se a doença vai desenvolver-se e esperar pelas terapêuticas que possam curar a doença. A espera e a incerteza face ao risco parecem pautar o quotidiano das pessoas, deixadas á mercê dos avanços da ciência.

Para os sujeitos em risco, no entanto, o que está em causa é a gestão de um quotidiano dominado pela incerteza enquanto as soluções definitivas para a maior parte dos riscos e das doenças que lhe estão associados não forem encontradas. O que os profissionais propõem ás pessoas durante este período em que as ciências se dedicam á predição é que sigam as regras e os conselhos (que foram recomendados) e, sobretudo, que permaneçam atentos, vigilantes e que esperem. Aquilo que a ciência oferece aos sujeitos face ao risco é manifestamente pouco se atendermos a que vivemos numa sociedade onde fomos socializados na crença de que a ciência oferece respostas e resolve todos os problemas.

A questão que aqui se deixa é se a emergência do conceito de risco não se apresta a exercer uma tutela quotidiana sobre os nossos comportamentos através das noções de normalidade e de insegurança. Para alguns mais optimistas, não vale a pena preocuparmo-nos em demasia porque, perante a multiplicidade de indicações preventivas, os sujeitos deixarão simplesmente de poder fazer o que quer que seja face ao risco, a não ser esperar que o futuro chegue. Até porque a esperança e o risco apenas se conjugam no futuro.

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Summary

RISK: A CONCEPT OF THE PAST THAT COLONIZED OUR PRESENT

In its original sense, risk was a neutral concept and was related with an increased probability of some event occurrence. However, nowadays, risk is often considered as a sign. Risk means danger and any risk is always conceived in a negative way. Besides, the global nature and magnitude of the risk is such today, that risk became more and more difficult to estimate, prevent or eliminate. In this sense, many authors agree that we live in a «risk society». In this paper, the historic emergency of the risk concept is first delineated and the growing importance of the concept in daily life and in the professional language is emphasized. The second part is an approach to the philosophy of risk and to the way it has been adapted and managed by the health sciences, namely by public health policy, in the attribution of individual or social blames, in the establishment of norms and in the maintenance of social cohesion.

 

 

Autor:

Felismina Mendes

fm[arroba]uevora.pt

Felismina Mendes é professora coordenadora na Escola Superior de Enfermagem de évora, especialista em Enfermagem de Saúde Pública pela Escola Superior de Enfermagem Maria Fernanda Resende, licenciada em Sociologia pelo ISCTE, mestre em Ecologia Humana pela Universidade de évora e doutoranda em Sociologia no ISCTE.



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