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Sobre o valor da paisagem (página 2)

José Pinto Casquilho

Na Semiótica, o conceito de estrutura tensiva de Fontanille e Zilberberg que é representado por uma curva num diagrama cartesiano é um modelo adequado para uma aproximação ao problema do valor de uma paisagem reduzido a duas dimensões, mutatis mutandis.

Fig. 1 -diagrama de estrutura tensiva da paisagem, adaptado de Fontanille e Zilberberg

O modelo proposto por estes autores é um objecto que em matemática se reconhece como o gráfico de um ramo de uma hipérbole -identificando o eixo das abcissas (x) como sendo o eixo do valor real e o da ordenadas (y) como o do valor simbólico. Tem-se então que o diagrama apresentado tem uma interpretação em termos de quádricas: corresponde á forma do conjunto definido matematicamente por x>0 e y=1/x portanto o lugar geométrico dos pontos do plano cartesiano onde se estabelece que valor simbólico e valor real estão inversamente relacionados. Nesta hipótese x e y são números reais, portanto o valor simbólico também está a ser expresso como número real, embora numa dimensão ortogonal, independente.

A dicotomia real/simbólico não pode deixar de nos chamar para a dicotomia real/imaginário constitutiva dos números complexos, erigidos desde Descartes, se pretendemos um número como modelo do valor da paisagem. Existe, na tradição do cristianismo celta, a noção de valor sagrado de uma paisagem, que entre nós não tem muito eco, e que se reporta a um domínio imaginário por oposição ao campo real. Nesta percepção admitimos que o valor sígnico de uma paisagem comportaria uma dimensão real ligada ao profano e outra simbólica associada ao sagrado.

Adoptando esta perspectiva podemos designar o número complexo z=x+iy como candidato a modelo do valor. A soma agora representada não é uma soma algébrica mas sim vectorial, pois que o número real y está associado ao eixo da raiz imaginária que é uma entidade que não existe como número real. O número z tem representação no plano cartesiano como um vector de componentes x (abcissa-v. real) e y (ordenada - v. simbólico). Esta representação foi pela primeira vez utilizada pelo norueguês Caspar Wessel em 1797 e é designada por plano de Argand.

O valor absoluto, ou módulo, do número z representa a distância do ponto (x,y) á origem e calcula-se utilizando o teorema de Pitágoras. Podemos assim ver um diagrama de módulo no primeiro quadrante, representada na fig. 2, onde o sector de circunferência é o lugar geométrico dos números complexos cujo valor absoluto vale k, o comprimento do vector.

Fig. 2 - módulo ou valor absoluto de um número complexo

As formas representadas da estrutura tensiva e do módulo, ou estrutura modular, são aparentemente contraditórias: uma representa uma curva convexa e a outra é concava, mas convém referir que estão representadas em espaços diferentes, no primeiro caso o plano real, no segundo o plano complexo, e, embora se possa estabelecer um isomorfismo entre os dois espaços a operação não é trivial.

Discussão

Procurámos desbravar caminho por dentro de uma paisagem de valores usando representações matemáticas e diagramas. Uma paisagem geográfica é algo cujo valor não se esgota no plano material, embora aí se expresse abundantemente. Desde a geomorfologia á sucessão ecológica, passando pela arqueologia e pelos valores económicos correntes, a beleza de uma paisagem está para além disso tudo, embora também passe por isso tudo, e pelo oxigénio que se respira e não vê. E pelas lendas, estórias e mitos. Ela estava cá antes de nós.

O modelo da estrutura tensiva adaptado de Fontanille e Zilberberg parece eficaz na apreciação da tensão entre o valor real de uma paisagem e o seu valor simbólico, este tanto maior quanto mais singular. Em contraponto propôs-se aqui o modelo da estrutura modular. Poderão estes dois dispositivos ser usados de forma complementar na apreciação do valor de uma paisagem?

Por exemplo, admitamos que estamos perante uma paisagem com elevado valor simbólico, seja um parque arqueológico, representado em valor pela estrela de 5 pontas no diagrama abaixo da figura 3, onde se sobrepôs as curvas da estruturas tensiva e modular atrás referidas. Admitamos também que estamos perante um cenário de intervenção económica radical nessa paisagem, seja uma barragem ou uma arborização em massa, e que a discussão se trava em torno da designada racionalidade económica neopositivista, ou seja: em torno da busca de soluções próximas de uma solução óptima de uma função de utilidade num quadro de restrições.

Então, se não se quer diminuir o valor absoluto dessa paisagem com a tal intervenção motivada por razões económicas a perda do seu valor simbólico deve ser compensada pelo acréscimo substancial no valor real, o que poderá ser o mais das vezes inalcançável. Ilustrando: para passar ao longo da curva tensiva da estrela de 5 pontas - situação original - para outra situação equivalente em termos de valor absoluto ter-se-ia que ir parar á estrela de 4 pontas representada abaixo, o que só seria possível se o valor real crescesse substancialmente.

Fig. 3: diagramas de estrutura tensiva e módulo, sobrepostos

Mas atenção: ao sobrepormos os dois diagramas estamos a fazer coincidir o eixo das ordenadas (valor simbólico) que na interpretação do ramo de hipérbole é um eixo real, enquanto que no gráfico do módulo é um eixo imaginário. Existe assim uma tensão na confrontação destes dois modelos, sobrepostos e não intersectados -um diagrama opera no espaço que tem como base o vector (1,1) e outro o vector(1, i). Teremos de nos colocar a questão se estamos então perante uma estrutura ausente, como nos recordou Eco, ou que se fará presente num espaço com mais dimensões. Como dizia Bento Caraça, o caminho entre duas verdades do campo real passa, muitas vezes, pelo campo complexo. E é esse caminho que nos propomos investigar.

Dedicado á memória de minha mãe Lucília, ao meu amigo José Augusto, e á Zazie

Referências

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Autor:

José Pinto Casquilho

josecasquilho[arroba]gmail.com



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