A Dialética Positivista de Caio Prado Júnior

Enviado por Nildo Viana


A história do termo dialética é bem antiga. O significado da palavra mudou historicamente, assumindo várias formas. Hoje, a visão autodenominada marxista da dialética é predominante nos meios intelectuais. As origens intelectuais da dialética marxista são, principalmente, a dialética hegeliana e a filosofia de Feuerbach. Marx, partindo de Hegel e Feuerbach, vai constituir sua visão própria de dialética e irá fazer referências ao método dialético em algumas passagens. Ele pretendia escrever uma obra sobre dialética, mas, no entanto, não o fez. Isto deu margem para toda uma gama de interpretações e deformações da dialética marxista, que permanece até a atualidade, apesar de alguns poucos denunciarem este processo.

A obra de Caio Prado Júnior é uma das poucas que abordam a questão da dialética no interior das influências do marxismo no Brasil. Porém, a recepção do marxismo no Brasil, como a produção intelectual em geral, é fruto de uma cultura colonizada e, por isso, reprodutora de ideologias européias, norte-americanas e russas (estas últimas no interior dos partidos comunistas, pelo menos até a década de 80). A dialética de Caio Prado Júnior, tal como colocaremos a seguir, faz referência ao marxismo mas nada tem de marxista, sendo, pelo contrário, positivista.

Caio Prado Júnior desenvolveu sua discussão sobre dialética fundamentalmente em dois livros: A Dialética do Conhecimento (1952) e Notas Introdutórias à Lógica Dialética (1959). A sociedade brasileira possuía um desenvolvimento intelectual e cultural bastante incipiente e conservador, derivado da força das relações sociais tradicionais no campo, do capitalismo subordinado aos países imperialistas, e ao lento desenvolvimento das instituições universitárias. Neste contexto, a obra de Caio Prado Júnior é pioneira, embora seja um pioneirismo ligado a visão dominante de marxismo, no qual a burocracia partidária do PCB – Partido Comunista Brasileiro, e da intelectualidade que girava em torno dela, se caracterizava por serem meros reprodutores das ideologias soviéticas. Caio Prado Júnior produziu suas obras neste contexto e desenvolveu pesquisas sobre a realidade brasileira e outros temas, incluindo sua discussão sobre dialética, nosso objeto de estudo aqui.

A análise que Caio Prado Júnior faz da dialética é positivista e não marxista. A base desta visão positivista da dialética é as mutações do marxismo, que, após a morte de Marx e da formação dos partidos social-democratas e bolchevistas, processo que culmina com a Revolução Bolchevique, realiza a passagem do marxismo de teoria para ideologia (Korsch, 1977). A origem deste processo se encontra na obra de Engels, principalmente em A Dialética da Natureza (1985) e se torna mais profunda com as obras de Lênin e Stálin (Viana, 2003; Lênin, 1974; Stálin, 1982).

A bolchevização dos partidos comunistas marcou a hegemonia leninista e a visão positivista de dialética. A idéia, já apresentada por Engels, de demonstrar que a dialética é uma ciência, é desenvolvida por Lênin e Stálin, e divulgada e vulgarizada pelos manuais soviéticos e livros introdutórios no ocidente através dos integrantes dos diversos partidos comunistas espalhados pelo mundo. Basta olhar no conjunto destes manuais e livros introdutórios, bem como nas obras do próprio Lênin e de Stálin, que a referência básica é Engels e não Marx, poucas vezes lembrado.

Caio Prado Júnior realiza o mesmo procedimento. A grande referência de suas obras é Stálin, cuja visão do marxismo é extremamente esquemática e positivista, devido, inclusive, aos interesses de transformação do marxismo em ideologia do capitalismo estatal russo. Sem dúvida, não poderemos, por questão de espaço, fazer uma longa e exaustiva exposição de todos os aspectos e elementos de sua visão de dialética e, por isso, nos limitaremos a apontar alguns elementos que demonstram sua total dissonância com a visão de Marx.

O primeiro ponto que destacaríamos é pensar a dialética como uma ciência. A falta de percepção da historicidade no desenvolvimento do pensamento humano é visível ao não se perceber que a ciência é um produto histórico e social. A ciência está envolvida no conjunto das relações sociais. Ela é produto destas relações sociais, historicamente produzidas e que geram necessidades e interesses, que se manifestam na ciência. A visão acrítica da ciência não é gratuita, pois ela surge nos meios políticos reformistas (Kautsky, Bernstein) e de seus continuadores bolchevistas (Lênin, Trotsky, Stálin) e nos meios acadêmicos. A ciência é a forma dominante da ideologia dominante na sociedade moderna e, por conseguinte, não se pode dizer que a dialética marxista é uma ciência (Korsch, 1977; Lukács, 1989).

Caio Prado Júnior apresenta uma visão fetichista e não dialética do próprio método dialético. Iremos destacar alguns pontos aqui, já que 700 páginas de sua obra A Dialética do Conhecimento mais as 250 páginas de Notas Introdutórias à Lógica Dialética, mereceriam um artigo muito mais extenso que o presente espaço permite, principalmente se levarmos em conta a diversidade de temas e elementos questionáveis presentes em ambas as obras. Podemos começar por sua visão da relação entre teoria e fatos. Ele parte da discussão sobre lógica indutiva e de seu questionamento, para chegar à sua conclusão sobre tal relação:


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