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Desenvolvimento urbano e regional e flexibilização produtiva da indústria têxtil: o caso das indústr (página 2)

Fabíola Castelo de Souza Cordovil

A microrregião em estudo é composta por dezoito municípios, cuja maioria, a partir da década de 90, principalmente, vai encontrar na subcontratação têxtil, através da execução de etapas produtivas da confecção, uma forma de dinamizar a economia, estabelecendo novas relações de trabalho e novos fluxos produtivos.

O Sul Catarinense havia se desenvolvido com base na economia carbonífera, onde as diferentes etapas produtivas eram compartilhadas pelos municípios microrregionais, destinando a função de comando à cidade de Criciúma. A atividade extrativista distribuía-se pelos municípios localizados na porção norte da Bacia do Rio Araranguá, deixando atrás de si, paisagem e sociedade utilizadas de forma intensiva e predatória: rios poluídos, solos revirados e trabalhadores esgotados em sua potencialidade física. Neste contexto, Tubarão processava o beneficiamento do carvão, através do Lavador de Capivari, localizado no município de Capivari de Baixo, emancipado de Tubarão em 1992. O carvão nacional, de baixo teor calórico, fez parte da política estatal de constituição de um parque industrial brasileiro, visando o desenvolvimento consecutivo de setores econômicos internos pelo processo substitutivo de importações. (TAVARES, 1993) Santa Catarina produzia a quase totalidade do carvão para a siderurgia nacional, em particular, para a Companhia Siderúrgica Nacional, localizada em Volta Redonda. A década de 1980 sinaliza a mudança da política do governo federal, que inicia o processo de retirada dos subsídios estatais, mantendo somente a redução das tarifas de transporte até o porto de Imbituba. Posteriormente, um decreto presidencial do Governo Collor acaba com qualquer tipo de incentivo, promovendo, ao mesmo tempo, a entrada abrupta do produto estrangeiro, de melhor qualidade e de menor preço. Minas são imediatamente fechadas, provocando o desemprego massivo da população masculina. Da noite para o dia, milhares de trabalhadores ficaram sem emprego e sem alternativa, já que sucessivas gerações haviam se especializado na atividade carbonífera. (PIMENTA, 1997).

A indústria da confecção surge, então, como uma alternativa à crise que se instala, dinamizando a economia dos municípios locais, na forma de unidades subcontratadas. Grandes grupos empresariais dos centros industriais das tradicionais regiões têxteis nacionais (São Paulo e Santa Catarina, principalmente) vêm aqui procurar mão-de-obra farta e disponível, disposta a aceitar qualquer condição que se apresente. Afastada de centros industriais importantes e diversificados, a região torna-se cativa da inserção imposta pela lógica organizacional dos grandes grupos empresariais.

2.0. REESTRUTURAÇÃO INDUSTRIAL E TERCEIRIZAÇÃO DO SETOR TÊXTIL E CONFECCIONISTA

A desverticalização da cadeia produtiva da indústria têxtil iniciou-se a partir dos anos 80, impulsionada pela instabilidade decorrente da crise econômica e o processo de globalização da economia mundial. A política neo-liberal iniciada pelo Governo Collor e aprofundada deste então, promoveu, a partir da década de 90, a entrada indiscriminada de produtos estrangeiros, desestruturando o parque industrial brasileiro, onde as empresas, para continuar competitivas, recorrem a processos de reestruturação, introduzindo inovações tecnológicas e, nos processos de trabalho, estabelecendo relações de trabalho mais flexíveis e precárias.

A generalização do processo de flexibilização das relações trabalhistas, patrocinada, em grande parte, pela política estatal, permite a difusão das redes de subcontratação que atingem vários setores de produção, entre elas a indústria têxtil. Diferentemente dos outros setores - como no caso do metal-mecânico, por exemplo - que buscam a cooperação mercantil e tecnológica, as redes de subcontratação na indústria de confecção visam, apenas, a redução significativa dos custos de produção, a partir, principalmente, da desvalorização do trabalho. Isso faz com que as relações entre as indústrias e as suas subcontratadas sejam extremamente frágeis.

Dentro da pirâmide de relações que se estabelece entre firmas de diferentes tamanhos, as indústrias domésticas e as facções formam a ponta final do processo de subcontratação.

Com o estabelecimento dessas novas relações de trabalho e os novos fluxos produtivos, a paisagem da microrregião vem sendo modificada para atender à economia globalizada, criando uma nova realidade espacial. A dinâmica das novas relações se insere nas condições existentes, mas faz com que a microrregião dependa cada vez mais de muitas outras relações, sejam elas locais, regionais, nacionais ou internacionais. Esta dependência provoca uma mudança na configuração espacial, pois a sociedade está em movimento, transformando as relações, mesmo que, aparentemente, as mudanças não sejam visíveis:

".... Podem as formas, durante muito tempo, permanecer as mesmas, mas como a sociedade está sempre em movimento, a mesma paisagem, a mesma configuração territorial, nos oferecem, no transcurso histórico, espaços diferentes" (SANTOS, 1991:77)

São essas novas relações que fazem com que os espaços organizados sob a influência de Tubarão estabeleçam novos fluxos e nova organização dos processos produtivos, assim como reorganizem a vida das populações locais.

3.0 CARACTERÍSTICAS E LOCALIZAÇÃO ESPACIAL DAS INDÚSTRIAS DA CONFECÇÃO NA MICRORREGIÃO DE TUBARÃO – SC.

Na microrregião de Tubarão existem, principalmente, dois tipos de indústrias da confecção: as tradicionais e as terceirizadas.

As tradicionais são aquelas que conservam a cadeia produtiva verticalizada, com autonomia produtiva e com todos os seus empregados registrados em carteira de trabalho.

Possuem marcas próprias e sua produção é comercializada por lojas e representantes que abrangem vários circuitos do mercado, sejam locais ou nacionais. Algumas, no entanto, passaram a subcontratar, quando necessário e em determinadas etapas do processo produtivo.

As terceirizadas são mais complexas e fazem parte da desverticalização da cadeia produtiva de firmas nacionais e, com isso, executam diversas etapas do processo da confecção, indo do corte ao acabamento; ou apenas a intermediação entre mercados e indústrias. Como se pode verificar na microrregião de Tubarão, as indústrias de confecção, deste tipo, subdividem-se em facções, intermediárias ou subcontratantes, e indústrias domésticas, inserindo-se com mais vigor dentro do processo atual de flexibilização produtiva.

Para explicar a nova lógica de produção e no intuito de entender os novos processos da atual conformação industrial do setor confeccionista, foram investigadas questões como formação, equipamentos e mão-de-obra, circuitos de produção e venda, entre outras características. O foco de atenção voltou-se, mais especificamente, para as indústrias domésticas, procurando explicar a complexidade da nova lógica das relações, bem como a precarização acentuada das condições de trabalho.

3.1 Localização Geral das Indústrias da Confecção

Observando-se as formas espaciais consolidadas, não se consegue visualizar e nem imaginar a complexidade das teias de relações que se tecem por trás dessas formas. São as situações comuns, consideradas normais em um cotidiano capitalista, onde a produção propriamente dita, circulação, distribuição e consumo (MARX,1989) ou, segundo SANTOS (1991), as interações entre fixos e fluxos são determinantes para o seu funcionamento. Dentro deste contexto procura-se explicar a lógica dos circuitos espaciais de produção com seus fluxos, intensidade e direções, pois "O mundo encontra-se organizado em subespaços articulados dentro de uma lógica global. Não podemos mais falar de circuitos regionais de produção..." (SANTOS, 1991:49)

No limite geográfico imaginário estudado onde há muitos " subespaços articulados dentro de uma lógica global", (SANTOS, 1991) formado por dezoito municípios com diversas características, comuns e peculiares, estima-se que vivam mais de trezentas e trinta mil pessoas, segundo o IBGE (2000).

Para analisar a localização dos diversos tipos de empresas e trabalhadores, foram adotados dois critérios de investigação: o primeiro foi a mensuração da participação da indústria da confecção nos municípios da microrregião a partir de dados formais fornecidos pela Secretaria da Fazenda do Estado de Santa Catarina elaborando, assim, um mapeamento geral dos municípios; o segundo foi em relação às indústrias informais, ou seja, às indústrias domésticas, cuja grande maioria não aparece nos dados da Secretaria da Fazenda.

Para detectá-las percorreu-se os municípios da microrregião ao longo de quatro anos de pesquisa in loco.

Procurou-se, primeiramente, traçar um panorama geral da localização das indústrias da confecção no espaço em estudo, utilizando-se como ponto de partida os dados formais do Valor Adicionado Fiscal 3 para a indústria da confecção nos anos de 1990, 1995, 1997 e 1999. Foi possível, assim, estabelecer uma classificação para investigação posterior, objetivando abordar os municípios 4 mais relevantes para a indústria da confecção, relacionando, por fim, sua conformação da malha urbana e articulação viária regional.

Num segundo momento, o mais difícil e, por isso mesmo, desafiante, foi encontrar os estudos de casos que se analisam neste trabalho, pois muitos não aparecem, nem mesmo espacialmente, nos dados do Valor Adicionado, como são detectados as grandes indústrias os estabelecimentos comerciais. Os casos aqui estudados parecem estar camuflados e totalmente dispersos, além de sofrerem processos diferentes de formação e de inserção no circuito de produção e de mercado. Tais fatos tornam a situação extremamente confortável para os donos dos meios de produção pois, não havendo uma concentração da classe operária, não há a mínima possibilidade de organização de classe, de consciência coletiva, facilitando, portanto, a resignação dos trabalhadores perante a situação em que se encontram.

As indústrias tradicionais estão predominantemente localizadas no município de Tubarão. Possuem uma participação significativa no Valor Adicionado da microrregião que cresce sistematicamente de 1990 para 1999, mostrando uma característica de concentração econômica e espacial. Tubarão, por ser um município de fácil acessibilidade viária, pela BR-101, e de comércio e de serviços concentra diversos tipos de indústrias, desde as facções com grande capital constante e variável, até as tímidas indústrias domésticas.

Há indústrias domésticas, com maior infra-estrutura, que costuram, eventualmente, para as facções inseridas no circuito nacional, já as de menor porte fornecem seus produtos para lojas do centro de venda direta local (outlet center), chamado de Feinvest Lovestory ou para as lojas de Termas do Gravatal. Localizam-se, principalmente, na periferia dos municípios de Tubarão, Gravatal, Capivari de Baixo e, mais recentemente e de forma ainda incipiente, em Laguna. Nestes quatro municípios, estão concentrados diversos tipos de empresas, pois estão no eixo de maior demanda dos produtos. No entanto, a distribuição interna das empresas é diferente, pois estes quatro municípios têm características peculiares.

No geral, as indústrias domésticas localizam-se nos bairros e nas localidades onde o valor do solo é mais baixo. São locais mais afastados, na periferia dos quatro municípios referidos, em que a infra-estrutura é bastante precária, com ruas sem pavimentação, esgoto correndo a céu aberto, falta de freqüência das linhas de ônibus e etc.

4.0. AS INDÚSTRIAS DOMÉSTICAS

A partir da década de 1990, o rebaixamento das condições de trabalho, com a progressiva perda de direitos e garantias trabalhistas conquistados historicamente, foi uma alternativa encontrada por empresários do setor têxtil para a sobrevivência frente à abertura de mercado brasileiro.

Os maiores prejudicados foram os trabalhadores, facilmente substituíveis, pois se viram sem emprego de uma hora para outra e tiveram que se submeter às frágeis relações que se vislumbravam. A insegurança ocorrida pela retração do mercado alterou profundamente a estrutura empregatícia, fazendo com que os trabalhadores aceitassem relações de trabalho instáveis e precárias.

As indústrias domésticas são células de produção subcontratadas que se organizam dentro da unidade familiar, não possuindo contrato formal ou registros legais. Muitas costureiras, devido às dificuldades de inserção no mercado de trabalho formam tais indústrias, trabalhando em ritmo frenético e precariamente, recebendo um pagamento que não faz jus ao número de horas trabalhadas e sem garantias trabalhistas. Esta situação cria um novo espaço de trabalho, insalubre e de acentuada exploração da força de trabalho

Existe, no entanto, um processo de diferenciação entre as indústrias domésticas, que ocorre logo em sua gênese. Em alguns casos, as indústrias domésticas estão formalizadas, devido às condições propícias de acumulação inicial, às perspectivas de obtenção de linhas de crédito e à conseqüente articulação no mercado confeccionista através de subcontratantes ou intermediários inseridos em circuitos em expansão.

Detectou-se, dentro da categoria da indústria doméstica, três tipos diferentes de indústrias domésticas: as que conseguem inserir-se em um circuito em expansão, aumentando continuamente sua acumulação, sendo subcontratadas muitas vezes por facções que trabalham no circuito nacional; as indústrias domésticas que estão em um circuito de abrangência progressiva, faccionando para lojas de um centro mais dinâmico com vendas para out-lets ou centros de venda direta de fábrica, onde há demanda ou, eventualmente, para subcontratantes em expansão de sua atividade ou território; e as que estão em centro menos ativo e produzem para venda própria, em sua casa, através de sacoleiras ou, exclusivamente, para uma loja do centro da cidade.

A maior parte das indústrias entrevistadas iniciou no ramo em meados da década de 90, justamente no período em que o desemprego aumentou vertiginosamente em conseqüência da política liberalizante que abriu o mercado nacional aos produtos estrangeiros.

A indústria doméstica forma-se, então, para fornecer mão-de-obra barata à demanda que as indústrias confeccionistas e lojas de venda direta solicitam. Com o passar do tempo, principalmente a partir de 1997, muitas indústrias domésticas proliferaram, aumentando a oferta e estabelecendo uma relação de trabalho cada vez mais precária.

A maioria das costureiras domésticas provém do meio rural, da própria região onde estão inseridas atualmente, e tiveram seu primeiro contato com a costura como empregadas de firmas formalizadas. Saíram destas firmas por diversos motivos: pelo fechamento da firma, por terem atingido uma idade em que as firmas não têm mais interesse em mantê-las devido à sua lentidão produtiva, ou porque tiveram condições de adquirir maquinário para trabalhar em casa, ganhando mais do que nas firmas. Outras indústrias domésticas formam-se com costureiras tradicionais que, não tendo mais condições de concorrer no mercado das roupas prontas, transformam seu atelier de roupas sob medida em indústrias domésticas.

Verificou-se que há duas formas de montar uma indústria doméstica: quando as costureiras estruturam-se através de uma acumulação inicial que, geralmente, conta com apoio dos componentes familiares para adquirirem seu maquinário; ou quando são demitidas, forçadas ou não, a indústria doméstica é a única saída para sobreviverem, submetendo-se a relações precárias de trabalho. Essas duas situações distintas refletir-se-ão em formações e inserções diferentes de indústrias domésticas, ou seja, com menos ou mais estrutura ou com relações mais ou menos exploradas.

As relações, neste setor, são baseadas na máxima exploração do trabalho alheio; quanto mais destituído o trabalhador, mais explorado. E quanto menos chance de inserir-se no mercado de trabalho, mais o trabalhador submete-se aos vínculos precários. Com a proliferação do número de indústrias domésticas, sua realidade modifica-se, aumentando o grau de exploração por parte dos subcontratantes.

Os períodos de maior produção e de queda produtiva obedecem, basicamente, a um intervalo de três meses. Os meses de abril, maio e junho são meses de produção acelerada para o inverno, já nos meses de julho, agosto e setembro não se produz, ou produz-se muito pouco, pois são os meses de venda de inverno, quando o subcontratante ou as lojas têm produtos estocados. Quase no final de setembro, a produção aumenta lentamente. Nos meses de outubro, novembro e dezembro produz-se para o verão e nos meses de janeiro, fevereiro e março diminui-se o ritmo da produção novamente. Logo, as indústrias domésticas trabalham na base de três meses e param outros três. Em meses de baixa produção, o subcontratante oferece um preço menor pelas peças, tendo uma queda que fica em torno de 38%.

As costureiras são pagas de acordo com as peças produzidas que recebem cortadas. Há duas formas de obter as peças talhadas: ou recebem nas suas próprias residências e as entregam da mesma forma, ou seja, o próprio subcontratante ou intermediário as leva e as busca prontas; ou há casos em que o subcontratante exige, como pré-requisito para subcontratar a indústria doméstica, que esta tenha condições de buscar as peças cortadas e levá-las prontas, determinando que as costureiras tenham uma acumulação maior, no caso um meio de transporte.

Os tipos de produtos produzidos são shorts, camisas, camisetas de malha e, algumas vezes, o produto mais elaborado como jaquetas, calças de "soldado" (estilo carga-pesada), vestidos, conjuntos de moleton e de tactel e uniformes esportivos. E, as faixas de preço por peça, cobradas pelas indústrias domésticas, variam muito. Esta variação está diretamente relacionada ao maquinário necessário para faccionar determinado tipo de produto; o tecido e a quantidade de detalhes agregam valor ao produto.

4.1. Os Meios de Produção na Indústria a Domicílio

A questão do maquinário é muito importante pois determinará a trajetória da indústria doméstica.

Há casos em que os subcontratantes alugam as máquinas para as costureiras produzirem seus lotes, o que não representa grande vantagem, pois exigem, em troca, um menor preço por peça. As costureiras preferem, então, adquirir suas próprias máquinas para diminuir a exploração dos subcontratantes.

O mínimo de maquinário necessário para iniciar uma confecção vai depender do tipo de produto; no caso do jeans são necessárias, segundo SEBRAE (1996), as máquinas de costura reta, overloque, interloque, caseadeira, máquina de pregar botão ou botoneira e máquina de duas agulhas de ponto fixo. Já para a confecção de camisas são necessárias as máquinas de costura reta, de fechamento, caseadeira e botoneira. Para as confecções de lingerie necessita-se da máquina de costura reta, de overloque, da zig zag e máquina de colocar elástico. Para as confecções de malha são imprescindíveis as máquinas overloque, reta e galoneira.

O capital disponível na formação da indústria doméstica reflete-se no próprio espaço da produção, no número de costureiras trabalhando e no maquinário. Estes, por sua vez, refletir-se-ão no preço cobrado por peça.

A qualidade e a rapidez em que se fecham as peças são determinantes e, por sua vez, têm relação direta com o número de maquinário na unidade produtiva. A possibilidade de possuir maquinário determinará a inserção em um circuito de produção e de venda mais amplo. Quanto maior o número de costureiras destituídas costurando dentro da indústria doméstica, maior agilidade na produção.

4.2. As jornadas de Trabalho

Nos meses de maior produção, próximo ao Natal, as costureiras trabalham aos sábados, domingos e feriados, começando às oito da manhã e indo até, em média, as nove da noite. Mais uma vez, constata-se a importância do maquinário na relação com o subcontratante, pois quando este aluga as máquinas exige mais, além do preço baixo por peça, uma jornada intensa, noites inteiras e finais de semana, para dar conta da pressa imposta. Mesmo quando o intermediário ou o faccionista não aluga as máquinas, o atendimento do prazo pode significar futuras encomendas. Por isso, as costureiras fazem o que for preciso para ter essa tênue garantia, esquecendo o cansaço físico, as dores pelo corpo e o perigo da ingestão contínua de medicamentos. Afinal, o que importa para elas é a sobrevivência hoje.

A jornada de trabalho das costureiras é, em média, de treze horas por dia. A justificativa para esta situação encontra-se no caráter de serviço esporádico, um trabalho que não ocorre sempre. Quando os clientes trazem os lotes exigem rapidez na entrega.

Chegam, por isso, a trabalhar das oito da manhã às onze da noite, somando um total de quinze horas de trabalho por dia. Mas há casos em que esta jornada estende-se para chegar ao absurdo de uma média de dezenove horas diárias.

Há casos de costureiras que cumprem dupla jornada de trabalho: confeccionando em uma indústria de confecção ou loja de dia, com carteira assinada, e informalmente à noite e de madrugada, horário em que deveriam estar em casa. É o caso exposto por Dona Sinira, que dormia apenas quatro horas por dia. Não se pode esquecer das diversas ocorrências de dupla jornada de trabalho na indústria doméstica, chegando-se a trabalhar quase vinte horas por dia. Estas jornadas estafantes, comuns em quase todas as indústrias domésticas entrevistadas, causam problemas físicos e de saúde muitas vezes irreversíveis.

Encontraram-se outros casos em que os problemas físicos estão em estágios mais avançados, mas dificilmente as costureiras atribuem sua saúde às jornadas estafantes. Estão mais preocupadas em buscar meios para sobreviver e lutar pela sobrevivência dos filhos do que com a saúde do seu próprio organismo.

Talvez seja o desespero que anestesia o raciocínio para o correto discernimento das causas e dos efeitos, ou mesmo uma consciência de que não se tem outra forma de produzir a sua existência. A única opção parece ser a de resistir bravamente, e muito bravamente, diga-se de passagem, aos revezes que a falta de oportunidades de inserções sociais mais igualitárias cria. Sobrando, somente, a resistência perante a verdadeira guerra por vantagens, onde quem pode e tem mais explora quem pode ou tem menos, a lógica cada vez mais selvagem da política econômica capitalista.

A indústria doméstica da confecção aparece sob uma forma peculiar de condições de trabalho, sem direitos, sem regulamentação, sem definição precisa das jornadas de trabalho, ao sabor do ritmo da demanda. A relação existente no modo e no espaço de trabalho, em muitos casos, é extremamente opressora, existindo um espaço mínimo para um número máximo de costureiras e, muitas vezes, o que recebem por seus serviços, que é computado por produção, atinge um pouco mais que um salário mínimo. O desemprego e a precariedade dos vínculos de trabalho enfraquecem as condições de manutenção da qualidade de vida dos trabalhadores da indústria confeccionista.

4.3. O Universo Doméstico

A grande maioria coincide com o fato de que começou a confeccionar em um local da casa que não foi planejado para abrigar uma indústria doméstica, ou seja, a indústria ocupou inicialmente um espaço de uso cotidiano familiar, transferindo a função existente para um outro local ou, simplesmente, eliminando a antiga função em prol da instalação das máquinas para o trabalho.

Fotos mostrando a indústria doméstica de Dona Sinira, em Capivari de Baixo. Nestes locais de trabalho, é comum encontrar crianças sendo criadas ao lado das máquinas de costura, convivendo com a mesma ansiedade e fadiga das jornadas de trabalho intensas que duram, em média, treze horas por dia. Este é um tempo em que se fecha o número máximo de peças para se conseguir atender às exigências dos subcontratantes garantindo, assim, novas encomendas.

Todos os entrevistados coordenam as atividades da indústria doméstica com as de casa, criando os filhos, ao mesmo tempo em que têm que executar as tarefas domésticas e de costura.

As tarefas domésticas ficam em segundo plano, sendo comum encontrar a desorganização e a sujeira nestes ambientes, já que não se tem tempo para cuidar das tarefas domésticas, a não ser que se faça uma dupla jornada de trabalho que atinge as madrugadas; ou seja, nas noites em que deveriam descansar, as costureiras cumprem as tarefas tradicionalmente femininas, como a limpeza e a organização do lar.

No geral, o ar e a luz destes locais são insuficientes para garantir a salubridade e o conforto para as costureiras, apesar das ampliações sistemáticas de algumas indústrias domésticas. Não se tem noção das regras básicas para um ambiente de trabalho, no mínimo, saudável. É comum verificar que em um espaço onde trabalham trinta pessoas há apenas aberturas com elementos vazados e uma janela com pequenas aberturas.

Além disso, o espaço de convivência familiar confunde-se com o da produção, sendo permanentemente invadido por pessoas estranhas à casa, atingindo os conceitos de privacidade e intimidade familiar tão importantes para a formação moral das crianças.

Dependendo da composição familiar, como número de filhos, número de costureiras trabalhando, quantidade de maquinários, freqüência das encomendas, espaço disponível para o alojamento da indústria doméstica, haverá maiores ou menores transtornos na relação entre indústria e espaço de convivência familiar. O engajamento familiar, em forma de apoio financeiro ou de mão-de-obra, diferencia as indústrias domésticas.

O retorno do trabalho a domicílio altera a lógica da mobilidade entre moradia e trabalho refletindo, conseqüentemente, no espaço urbano. Afastadas do espaço de convívio urbano, as costureiras deixam de estabelecer relações pessoais ou sindicais. (PIMENTA, 1999). Paradoxalmente, às novas relações entre fixos e fluxos (SANTOS,1991), estabelecendo conexões entre áreas cada vez mais distantes correspondem altos níveis de segregação e de isolamento das populações responsáveis pela produção direta das mercadorias que circulam no âmbito nacional, ou mesmo mundial.

Estas foram algumas das conclusões verificadas ao longo do tema pesquisado.

Espera-se que, com esta breve explanação, se possa transmitir à sociedade, que não vivencia esta realidade, como vivem e como se relacionam os trabalhadores do setor confeccionista na microrregião de Tubarão, SC. Talvez, seja possível, também, fornecer mais um dado para se repensar os rumos da política neoliberal empreendida nos últimos anos pelo governo brasileiro.

REFERÊNCIAS:

CASTEL, Robert. As Metamorfoses do Trabalho in: Globalização o Fato e o Mito. Ed. UERJ. 1998. Rio de Janeiro RJ.

MARX, Karl. O Capital – Crítica da Economia Política" Livro Primeiro: O Processo de Produção do Capital. Volume I. 13ª edição. Editora Bertrand Brasil S.A. 1989. Rio de Janeiro. RJ.

MATTOSO, Jorge. O Brasil Desempregado – como foram destruídos mais de 3 milhões de empregos nos anos 90. São Paulo: Editora Perseu Abramo. 1999.

PETRAS, James F. Os fundamentos do neoliberalismo in: No Fio da Navalha – Críticas das reformas neoliberais de FHC / Nildo Ouriques e Waldir Rampinelli (org.). São Paulo: Ed. Xamã. 1997

PIMENTA, Margareth de C. A. Globalização e trabalho na região carbonífera Catarinense. I Encontro Internacional de Geografia da Bahia. 1997.

PIMENTA, Margareth de C. A. Flexibilidade produtiva e vida urbana no Sul catarinense . Trabalho apresentado no Congresso da ANPUR, Porto Alegre, maio de 1999.

SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado. Editora Hucitec. 3ª edição. 1991. São Paulo – SP.

SEBRAE – Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Empresas. Confecção de Jeans. São Paulo: SEBRAE/SP. 1996

SEBRAE – Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Empresas. Confecção de Camisas. São Paulo: SEBRAE/SP. 1996

SEBRAE – Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Empresas. Confecção de Roupas de Malha. São Paulo: SEBRAE/SP. 1996

SEBRAE – Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Empresas. Confecção de Lingerie. São Paulo: SEBRAE/SP. 1996

SINGER, Paul. Globalização e Desemprego: Diagnóstico e Alternativas. Editora Contexto. 3ª edição. 1999. São Paulo – SP.

TAVARES, Maria da Conceição . Emprego versus Desemprego. Folha de S. Paulo, 16/08/98

TAVARES, Maria da Conceição. Competição Selvagem e Destruição Maciça. Artigo publicado no Jornal O Globo em 15/06/96.

TAVARES, Maria da Conceição. Os especuladores querem picar o burro. Jornal do Brasil. 20/07/97

TAVARES, Maria da Conceição. Tendências da Globalização, Crise do Estado e seus Impactos sobre o Brasil. Artigo retirado da página: http://www.informe.com.br/hotinfo/conceiçao/index.. 1993

Agradecimentos: Agradecemos às trabalhadoras da indústria doméstica que nos receberam com tanta atenção em suas casas, deixando de lado as preciosas horas de sobrevivência frente à máquina de costura.

 

Autores:

Fabíola Castelo de Souza Cordovil

fabiolacordovil[arroba]gmail.com

Mestre em Desenvolvimento Regional e Urbano pela UFSC –– Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Maringá.

Margareth de Castro Afeche Pimenta

afeche[arroba]uol.com.br

Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo e da Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina

II Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Regional

Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional

Mestrado e Doutorado

Santa Cruz do Sul, RS – Brasil - 28 setembro a 01 de outubro.

Os dados do Valor Adicionado foram elaborados pela Secretaria de Estado da Fazenda, Gerência de Estatística e Informática, disponibilizados pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente de Santa Catarina, na pessoa do Sr. João Andersen. Os valores foram deflacionados com ajuda do Programa Indexa, utilizando-se como índice o IGP-DI para janeiro de 2001.

Foram considerados os dez municípios que mais tiveram uma participação do setor confeccionista, como tendo um Valor Adicionado Fiscal de R$220.000,00 a R$9.855.950,00 no ano de 1999.



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