Reflexões sobre a Indústria Cultural

Enviado por Nildo Viana


Professor da UEG – Universidade Estadual de Goiás; Doutor em Sociologia/UnB.

Humanidades Em Foco, Goiânia, v. 2, n. 3, 2004.

A indústria cultural está presente na vida cotidiana da população e exerce uma forte influencia sobre ela. O seu caráter manipulador (e conservador) já foi denunciado inúmeras vezes. A visão ingênua da indústria cultural que a julga uma manifestação dos interesses do conjunto da sociedade, um produto dela e, por isso, um meio de comunicação que exerce uma ação benéfica sobre a população, reproduzindo o que ela quer ver, não se sustenta desde o surgimento das várias análises sobre a indústria cultural a partir da obra clássica de Adorno e Horkheimer (1986). Iremos, no presente texto, buscar analisar a concepção de indústria cultural no sentido de perceber suas contradições, indo além da percepção de seu papel conservador e manipulador.

Uns dizem que a indústria cultural é expressão da dominação burguesa e da alienação. Ela tira das "classes subalternas" a possibilidade de elaborarem uma cultura própria e crítica, pois a comunicação de massas é uma "rua de mão única" onde fora os números do ibope não existe nenhuma atuação do público sobre os meios de comunicação (Numeriano, 1990).

Esta interpretação da indústria cultural tem sua origem nas análises clássicas de Adorno e Horkheimer. Para estes representantes da Escola de Frankfurt, a indústria cultural nega aos consumidores aquilo que lhe promete. Ela é uma fábrica de ilusões e de consumo superficial (Adorno & Horkheimer, 1986; Jay, 1988). Estes autores, os primeiros a utilizar o termo "indústria cultural", fazem uma severa crítica a ela. Segundo Adorno, "a indústria cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores" (Adorno, 1977, p. 287).

O lucro e a lógica da produção capitalista realizam a mercantilização da arte e da cultura, produzindo "mercadorias culturais":

"As mercadorias culturais da indústria se orientam, como dissertam Brecht e Suhrkamp há já trinta anos, segundo o princípio de sua comercialização e não segundo o seu próprio conteúdo e sua figuração adequada. Toda a práxis da indústria cultural transfere, sem mais, a motivação do lucro às criações espirituais. A partir do momento em que essas mercadorias asseguram a vida de seus produtores no mercado, elas já estão contaminadas por essa motivação. Mas eles não almejavam o lucro senão de forma mediata, através de seu caráter autônomo. O que é novo na indústria cultural é o primado imediato e confesso do efeito, que por sua vez é precisamente calculado em seus produtos mais típicos. A autonomia das obras de arte, que, é verdade, quase nunca existiu de forma pura e que sempre foi marcada por conexões de efeito, vê-se no limite abolida pela indústria cultural. Com ou sem a vontade consciente de seus promotores. Estes são tanto órgãos de execução como também os detentores do poder. Do ponto de vista econômico, eles estavam à procura de novas possibilidades de aplicação de capital em países mais desenvolvidos.

As antigas possibilidades tornam-se cada vez mais precárias devido a esse mesmo processo de concentração, que por seu torno só torna possível a indústria cultural enquanto instituição poderosa. A cultura que, de acordo com seu próprio sentido, não somente obedecia aos homens, mas também sempre protestava contra a condição esclerosada na qual eles vivem, e nisso lhes fazia honra; essa cultura, pos sua assimilação total aos homens, torna-se integrada a essa condição esclerosada; assim, ela avilta os homens ainda uma vez. As produções do espírito no estilo da indústria cultural não são mais também mercadorias, mas o são integralmente. Esse deslocamento é tão grande que suscita fenômenos inteiramente novos. Afinal, a indústria cultural não é mais obrigada a visar por toda parte aos interesses de lucro cultural e às vezes se emanciparam da coação de vender as mercadorias culturais que, de qualquer maneira, devem ser absorvidas" (Adorno, 1977, p. 289).

A indústria cultural produz uma estandardização e racionalização da produção cultural e ao mesmo tempo conserva também "formas de produção individual" (Adorno, 1977), ou, segundo Morin, produz uma "padronização-individualização" (Morin, 1978). Trata-se, no entanto, de um pseudo-individualismo no qual a propaganda e a manipulação possuem papel fundamental (Slater, 1978).

Todo este processo reproduz os interesses da classe dominante. A indústria cultural produz uma padronização e manipulação da cultura, reproduzindo a dinâmica de qualquer outra indústria capitalista, a busca do lucro, mas também reproduzindo as idéias que servem para sua própria perpetuação e legitimação e, por extensão, a sociedade capitalista como um todo.

Esta posição sobre a indústria cultural tem alguns pontos questionáveis. Podemos concordar com grande parte de suas teses. A indústria cultural realmente realiza uma comunicação unilateral. Tal como coloca Baudrillard, "a TV é, pela própria presença, o controle social em casa de cada um" (Baudrillard). A TV apresenta mensagens elaboradas por uma elite de especialistas que estão, quer queira ou não, a serviço da classe dominante.


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