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Entre a repressão e a sublimação: a experiência da música na modernidade (página 2)

Gabriel S. S. Lima Rezende

Se, por um lado, a separação da música das outras esferas da vida social tem como consequência a criação de um cosmos autônomo de valores puramente musicais, por outro, também permite que a música se transforme em objeto da dominação capitalista através de sua inserção na lógica industrial de produção e reprodução. Essa dominação se efetiva tanto mais quando acompanhada pela separação dos indivíduos entre si, e pela separação do indivíduo dos diversos aspectos de sua própria vida. É nessa fratura que se insere a mediação dos mecanismos de controle social baseados na racionalidade dos instrumentos de dominação. Ou seja, a eliminação de todos os aspectos da música não passíveis de sua apropriação pela razão, que escapavam à previsibilidade e ao cálculo, libertou-a de seu utilitarismo. Mas, ao mesmo tempo, a sua alienação foi a condição necessária para que, através da racionalidade das técnicas de produção e consumo de música no mundo administrado, ela se tranformasse em um poderoso instrumento de dominação.

A tradição musical em Adorno

Para Adorno, o processo de racionalização da música, ou seja, a dominação integral de seu material, cristaliza-se neste mesmo material através da história. Assim, "[...] toda música humana traz gravada em si o processo social que a instituiu como música"[5]. Sendo a música polifônica – fruto da coletividade do culto e da dança – um dos principais fundamentos da tonalidade, sua origem histórica ainda está implícita nesta última, "mesmo que a música tenha rompido a tempos com toda execução coletiva"[6]. Nesse sentido, num primeiro momento, a música tonal "estabelecia uma mediação entre uma linguagem musical imediata, falada de maneira mais ou menos espontânea pelos homens, se pode ser dito assim, e algumas normas cristalizadas no interior dessa linguagem"[7]. Em última instância, o significado dessas normas cristalizadas, dessas convenções, radica "nessas experiências coletivas nas quais elas tomaram forma"[8].

Entretanto, em consonância com o avanço do processo de objetivação do material musical, "[...] a linguagem idiomática, tradicional, dada de antemão, chocou-se com a diferenciação individual da música, na qual se manifesta o processo de diferenciação da sociedade burguesa. O aspecto comunitário inerente à linguagem tonal foi evoluindo cada vez mais em direção a um aspecto de equiparabilidade de tudo com tudo, em direção à nivelação e à convenção [...]. Em todo caso, pouco a pouco o caráter mercantil foi recobrindo toda a linguagem da música. Isto acabou se tornando insuportável; o que na música, em outro tempo, fora linguagem, se converteu em um mero e repetitivo barulho de matraca."[9]. Junto com esse caráter "mercantil" da permutabilidade dos elementos musicais, a aspiração pela unidade e totalidade da obra, inerente à linguagem da música tonal, alcança seu ápice na época do liberalismo clássico. "A tonalidade não foi por azar a linguagem da era burguesa", afirma Adorno. "A harmonia entre o particular e o geral correspondia ao modelo de sociedade do liberalismo clássico. Assim como nela, a totalidade se impunha, por trás dos bastidores, como invisible hand, através das espontaneidades individuais e acima delas. A compensação universal das tensões produzidas pela totalidade deveria fazer com que, no final, a conta fechasse."[10].

Ainda que esse modelo jamais fosse adequado à realidade, afirma Adorno, mas, ao contrário, fosse em grande medida ideologia, o conteúdo de verdade dessa música declina na mesma medida em que se falsifica a idéia de uma totalidade social composta por individualidades autônomas. Segundo o próprio Adorno, "A idéia da compensação das tensões, ou seja, da harmonia em sentido artístico, se torna mais e mais ideológica na medida em que a realidade proporciona cada vez menos ao individual, mediante o universal, aquilo que a ele está prometido e que ele próprio promete. Em uma conjuntura na qual se tornou completamente duvidoso que essa situação possua ainda um sentido, um proceder artístico que, ainda que de modo indireto, apresente o todo como cheio de sentido e o glorifique, se converte em um proceder insuportável."[11]. Se Beethoven representa o ápice da cultura musical do que poderia ser entendido como o momento progressista da burguesia, e o conteúdo de verdade de sua obra resulta de seu esforço em alcançar o equilíbrio entre as diversas dimensões da composição – bem como entre o social (encarnado nas fórmulas musicais cristalizadas na linguagem tonal) e o individual (encarnado principalmente no procedimento da variação) – a música pós-Beethoven trabalha com um material musical desigual, e a totalidade das obras é alcançada a partir da mutilação das individualidades musicais em pró dessa totalidade[12]Essa tendência pode ser exemplificada com Wagner, quem, com suas grandes formas musicais e sua idéia de obra de arte total, acreditava poder unir o "povo alemão" independentemente das condições sociais que o diferenciava[13]Descolada da compreensão das condições sociais em que é produzida, a música se transforma em pura ideologia. Segundo Adorno, "[...] a consideração da música isolada do ordenamento social e constituído, e de cujos mecanismos de integração ela é a repetição mais ou menos ritualizada, é o que faz parecer essa sua ação como um poder consociante próprio da música em si mesma" [14]A a função da música nessa sociedade, continua Adorno, "[...] consistia em sua capacidade real ou aparente de despertar, na sociedade individualista, a consciência da unidade harmônica de dita sociedade, a pesar de todas as oposições de interesse."[15]. Portanto, destaca este autor, "[...] os problemas estruturais da música, a relação entre o geral e o particular na música, são manifestações, inconscientes de si mesmas, de processos sociais que acontecem em um nivel mais profundo. Não é possível voltar a juntar, de modo arbitrário, o geral e o particular [...]"[16].

A falsa idéia de totalidade é resultado da ilusão causada pela aparência da obra de arte, esta não mais compreendida nos termos da estética de Hegel como a manifestação sensível da verdade, mas nos termos de Benjamin, como "bela aparência". "Como aparência ambígua que seduz e engana, a bela aparência é o elemento mítico herdado pela arte, que confere ao produto humano a aparência de natureza. A bela aparência é assim a "totalidade falsa, errônea – a totalidade absoluta". Na medida em que ela constrói uma realidade aparente, ocultando os mecanismos que a constitui [sic], ela se constitui como falsa totalidade"[17]. Ao mesmo tempo, na qualidade de índice histórico da promessa não cumprida, promessa essa de reconciliação, de redenção, a "bela aparência" representa o conteúdo mítico da obra de arte necessário à exposição da verdade. Ela se revela no processo de conhecimento do mito pelo "sem-expressão", que rompe a bela aparência pelo desvendamento do mecanismo de constituição da obra. "A verdade não é totalidade, mas aquilo que a cinde, pois essa totalidade é sempre falsa na medida em que é aparência de reconciliação e reconciliação verdadeira. Como violência que destrói a totalidade falsa da forma, o sem-expressão indica que o mundo verdadeiro só pode ser alcançado pela dissolução do mundo mítico"[18]. Entretanto, com o declínio desse elemento oculto, que a obra de arte herdou de suas orígens nos rituais religiosos, pela sua contínua e crescente exposição, a dialética entre aparência e sem-expressão se esvai. Com isso, a bela aparência torna-se uma forma vazia que, apropriada por forças sociais regressivas, se positivisa como uma "segunda natureza".

Essa breve divagação pelos meandros da filosofia de Benjamin nos proporcionará o cenário no qual serão apresentadas as polaridades do pensamento de Adorno sobre a inserção da música no mundo administrado e o posterior contraste com a teoria do próprio Benjamin sobre a "reprodutibilidade técnica" da obra de arte.

Entre a repressão e a sublimação

No processo de regressão do esclarecimento no mito, a tonalidade, enquanto produto histórico das ações do homem, se converte em "segunda natureza". Ou seja, em sua aparência, a linguagem tonal se transforma em linguagem "natural" da música. Quando o sistema tonal é naturalizado, esclarece Waizbort, "[...] pouco importa saber do longo processo em que o material musical constituiu-se de um determinado modo, e não de outro, nem de como o procedimento composicional estrutura-se na sua relação com esse material. O processo de dominação da natureza através do qual o sistema tonal originou-se é escamoteado. Nesse sentido a crítica à segunda natureza é uma crítica à ideologia."[19].

O espaço em que essa mistificação alcança sua máxima expressão é dentro da indústria cultural. Ao invés revelar a impossibilidade da rearticulação do todo dentro da obra, refletindo a inverdade da reconciliação entre indivíduo e sociedade, a produção musical no bojo da indústria se volta para a recriação da imagem de totalidade da composição através de fórmulas esteriotipadas, do mesmo modo que reveste essa música com uma aura de espontaneidade e imediaticidade que mascara seu caráter altamente mediatizado de mercadoria. Seu correlato é o indivíduo a quem foi extirpada a consciência crítica. Incapaz de construir por si mesmo uma relação verdadeira com a obra, incapaz de ouvir com seus próprios ouvidos, diria Adorno, este indivíduo obedece ao tipo de reação pré-configurada que esta obra lhe impõe. Nela, ele busca a satisfação das falsas necessidades que lhe são apresentadas. Como afirma Adorno, "[...] o poder da indústria cultural provém de sua identificação com a necessidade produzida [...]. A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, para por-se de novo em condições de enfretá-lo. Mas, ao mesmo tempo, a mecanização atingiu um tal poderio sobre a pessoa em seu lazer e sobre sua felicidade [...] que esta pessoa não pode mais perceber outra coisa senão as cópias que reproduzem o próprio processo de trabalho."[20]. Ou seja, enquanto promessa de liberdade, a indústria volta a oferecer como paraíso o mesmo cotidiano: "A diversão favorece a resignação, que nela se quer esquecer [...]"[21]. Essa naturalização da violência social que opera através dos produtos da indústria cultural equivale à destruição do pensamento como negação da ordem vigente. Ao reconduzir todo e qualquer impulso de libertação de volta à realidade da qual se tentara escapar se manifesta o caráter de repressão de seus produtos[22]

A arte séria, portanto, é aquela capaz de revelar a violência do social sobre o indivíduo desvelando a mentira oculta na promessa de satisfação colocada na aparência dos produtos musicais, ou seja, revelando a repressão travestida de satisfação. "Eis aí o segredo da sublimação estética: apresentar a satisfação como uma promessa rompida"[23]. A estranheza que essa música causa no ouvinte está intimamente relacionada com sua própria vida, ou seja, a experiência dessa música fala ao indivíduo sobre sua própria situação de isolamento em um mundo em que a solidão se tornou universal. "Por outro lado, o conteúdo daquela outra música familiar a todos está tão distante do que hoje pesa no destino humano que a experiência pessoal do público já não tem quase nenhuma comunicação com a experiência testemunhada pela música tradicional. Quando o público acredita compreender, não faz senão perceber o molde morto do que protege como patrimônio indiscutível [...]."[24]. Rompendo com o consenso mítico que a tonalidade estabeleceu entre o indivíduo e a música, "[...] a arte séria recusou-se àqueles para quem as necessidades e a pressão da vida fizeram da seriedade um escárnio e que têm todos os motivos para ficarem contentes quando podem usar como simples passatempo o tempo que não passam junto às máquinas."[25]. Nesse movimento de negação, a arte séria mostra que a situação de alienação da música dentro da sociedade não pode ser superada por alguma falsa pretensão de reestabelecer a imediaticidade destruída pelo capitalismo.

Conteúdo de verdade

A oposição ao mundo administrado surge da necessidade de que a música se mantenha fiel a seu conteúdo de verdade. Tornada em seu processo de racionalização uma esfera de valor autônoma, a arte deve lutar contra sua regressão à heteronomia no contexto do mundo administrado. Ao mesmo tempo, como esclarece Silke Kaap, o afastamento da arte do real não é simplesmente um fato consumado, algo definitivo, "[...] pelo contrário, as obras se constituem no impulso sempre renovado de transcender sua dependência ao mundo empírico, elas contém negativamente os ditames dos quais querem se desvencilhar, e que assim nunca deixam de ditá-las de alguma maneira."[26]. Isso significa que existe un caráter duplo de realidade e irrealidade do "esclarecimento estético", cuja dialética entre esses dois polos constitui sua resistência ao mundo administrado. O predomínio de qualquer um desses polos significa sua domesticação. A redução à empiria submete a arte aos parâmetros da racionalidade instrumental da produção e consumo de massa, ao mesmo tempo em que sua redução ao caráter de irrealidade a aprisiona na esfera da arte absolutizada, alheia ao mundo real: o ideal burguês d"l´art pour l´art. "A pseudo-estetização do que é destinado ao consumo de massa e l´art pour l´art são, nessa perspectiva, os dois lados do mesmo fenômeno: uma cumpre o papel da ornamentação imediata do contexto distorcido, a outra o da ornamentação mediata, idolatria da transcendência [...]"[27].

A relação dialética com a realidade se estende a outros aspectos da constituição da música radical. Se a independência do material foi lograda a partir de um intenso processo de racionalização, que coincide com o desenvolvimento da sociedade burguesa[28]é somente através da disciplina e do total controle da composição que a música afirma sua tendência intra-estética de destruição de seus elementos "míticos". Entretanto, se o processo de racionalização da música também significa dominação cega da natureza, as futuras conquistas sobre o material sonoro devem ser fruto de uma relação dialética com o objeto que não esteja fundamentada na violência de suas potencialidades, pois "quanto mais a música domina a natureza musical, mais ela fica presa a essa natureza dominada"[29]. Se esse rigoroso controle da composição requer a inclusão de parâmetros técnico-científicos na constituição dos novos procedimentos compositivos, essa inclusão não deve se dar apenas em conformidade com a situação histórica em que surge, mas colocá-la em função dessa necessidade de "desartificação" interna à própria música. Ou seja, deve lutar-se também contra a tendência da técnica em tornar-se um fim em si mesma.

Se a separação radical entre os que fazem e os que escutam a música é outra das principais consequências da racionalização musical, e representa um dos principais sintomas da destruição das formas coletivas de experiência musical, Adorno mostrará que é através da figura do compositor que a tradição e a história revelarão seu potencial crítico e manterão viva a possibilidade de um mundo livre da dominação. Como produto histórico das ações humanas, o material musical traz essa história sedimentada dentro de si mesmo. Enquanto história sedimentada, esse material traz também os problemas que não foram resolvidos pelos homens do passado. Portanto, ao se defrontar com essa objetividade do material, o compositor se defronta também com a tradição que ele representa. Adorno desenvolve essa problemática mediante o conceito de "dialética do material", "[...] através do qual fica explicitada a relação que a expressão subjetiva do artista possui com a história daquele "métier", anterior a ele, a qual direciona a produção da obra de um modo que a supremacia de qualquer um dos polos – o subjetivo e o objetivo – sobre o outro determina um fracasso do resultado final como arte."[30]. Em sua relação com esse material, afirma Waizbort, o compositor "Respeita-o, afirma-o e conserva-o na justa medida em que compreende sua historicidade e, assim, dialoga com a tradição: vê como o material foi constituido e utilizado na história e julga sua constituição e utilização. Ao mesmo passo, desrespeita, nega e suprime o material, porque a compreensão do seu caráter social-histórico impede-o de reproduzi-lo tal como é: exige-lhe a novidade, exige-lhe novas respostas aos problemas composicionais, exige-lhe o novo"[31].

Entretanto, dado o grau de desenvolvimento do material musical, não era mais possível manter-se dentro da tradição da músical tonal sem deparar-se com as portas da regressão. Os problemas colocados pelo estado da técnica musical, em correlação com as transformações vividas no seio da sociedade, exigiam um rompimento radical da aparência de totalidade proporcionada pela tradição da música tonal. Enquanto compositores como Stravinsky, que frente à visão dos horrores do novo mundo que se abria nas primeiras décadas do século XX propôs um regresso ao conforto da imagem de uma coletividade idealizada proporcionada pela tonalidade, Schoenberg enfrentou a tarefa de levar a tradição às últimas consequências e trazer as imagens desse novo mundo à tona.

Finalmente, a música também fica sujeita a um dos principais elementos fundadores da modernidade: a noção de progresso. Como vimos anteriormente, o desenvolvimento do material musical deve estar orientado de acordo com uma racionalidade substantiva, uma racionalidade atenta para as características históricas desse material e consciente da situação social na qual se encontra a música. Nesse sentido, Adorno entende que o estado mais racional, e, portanto, mais avançado da técnica e do material musical, coloca-se como modelo para os futuros desenvolvimentos da música. E, na medida em que esse desenvolvimento rompe as convenções sedimentadas no material musical em nome da liberdade de criação do sujeito, autoriza Adorno a falar em um aspecto de verdade inerente ao progresso. A subjetividade autônoma se afirma com a liberdade alcançada em relação aos padrões e fórmulas através do controle racional dos mais diversos elementos musicais da composição, ou seja, com a rejeição de qualquer elemento pré-estabelecido como norma. Essa idéia de uma subjetividade autônoma não remete àquela imagem tipicamente burguesa do compositor romântico, senhor pleno de sua obra. Pelo contrário, ela representa a possibilidade quase utópica do sujeito expressar-se de forma espontânea através de um material musical livre de coerção. Segundo Adorno, isso ocorre porque, de forma semelhante à incapacidade do homem de utilizar, controlar e aplicar o desenvolvimento técnico das forças produtivas para sua própria emancipação, existe uma desproporção profunda entre o "nível objetivo da música", ou seja, a evolução objetiva do material e dos procedimentos musicais, e a "musicalidade subjetiva", ou melhor, o modo de reagir próprio do compositor. Como esclarece Barreto,

"[...] o sujeito, deixando de ser visto como um "genial e diletante criador ex-nihilio" ganha o estatuto menos romântico de força produtiva, e como tal aparece enredado inelutavelmente numa teia de complexas determinações, acossado pelas tensões que regem a dialética do material e obrigado a expressá-la através de si próprio. Não está em seu poder o "ultrapassar a separação a ele inaugurada": o artista autêntico é um condenado à penosa tarefa de exprimir a objetividade que pesa sobre ele como sofrimento. A sua verdade depende do êxito em emprestar uma voz a esse sofrimento. Nesse impulso de auto-expressão confluem sua liberdade e a possibilidade da arte."[32].

Por outro lado, destaca Adorno, os desenvolvimentos da "música séria" a partir de mais ou menos 1920 "[...] são quase exclusivamente esforços para elaborar, a partir da figura da objetividade musical [...] procedimentos para aliviar seu peso sobre o sujeito, para exonerar a um sujeito que já não tem, a partir de si, confiança em si mesmo, pois se encontra submetido e esmagado por todas aquelas dificuldades."[33]. Dada a debilidade do sujeito frente à objetividade do material musical, o momento de verdade se contrapõe dialeticamente a um momento negativo do progresso. Enquanto respostas historicamente válidas em seus momentos para os problemas da composição, a técnica dodecafônica, especialmente em seu desenvolvimento norteado pelo princípio do serialismo integral, acabou por enclausurar a liberdade alcançada com o atonalismo livre em um sistema completamente totalizador. Frente a tais desenvolvimentos técnicos, esse sujeito não fica somente exonerado, fica "virtualmente extirpado". "Mas com ele também ficam extirpados aqueles controles que o sujeito exerce e que participam na constituição da objetividade musical. Se apenas se trata, realmente, de que desenvolver na composição o que está encerrado em semelhante série [a série dodecafônica], então – a piada é tão ruim como a realidade – compor-se-ía melhor com a ajuda de uma máquina computadora eletrônica, que incomodando um compositor."[34]. Em seu impulso de libertação de um mundo em que o princípio totalitário dos meios reduz tudo o que existe a sua mera funcionalidade, o "sujeito musical" se transforma em simples engrenagem de uma máquina autômata.

Coda: o problema da técnica

A partir das considerações realizadas até este momento podemos problematizar alguns aspectos do pensamento adorniano através de um contraponto com a perspectiva de Benjamin sobre a situação da arte no mundo contemporâneo. As distintas posições assumidas por Adorno e por Benjamin perante os problemas colocados à produção artística pelo avanço das forças regressivas da sociedade partem de um diagnóstico comum: a perda da aura da obra de arte. Entretanto, esses autores diferem quanto aos significados desse fenômeno.

Para Adorno, a perda da aura coincide com o processo de "desencantamento" da arte, resultado da dialética da aparência da obra autônoma, "[...] a qual nega a si mesma num processo de desenvolvimento, conscientização e explicitação da técnica artística"[35]. Nesse movimento de negação dos elementos que a conformaram enquanto arte tipicamente burguesa, a música seria capaz de cristalizar em si a intenção objetiva de superação da dominação, ao mesmo tempo em que é consciente de sua incapacidade de realizar tal intenção por si mesma. Na forma particular de expor os problemas sociais que estão contidos em seu íntimo, a música revela seu potencial utópico ao apontar a possibilidade de uma verdadeira individualidade, livre da dominação, oferecendo uma imagem negativa de um mundo positivisado em que a aparência coincide com a realidade.

Desde a perspectiva benjaminiana, a perda da aura não equivale simplesmente à dissolução da bela aparência, mas se relaciona com um processo mais amplo de ruptura das antigas formas de percepção das obras de arte, calcadas na tradição. Segundo o próprio autor, a aura "[...] é uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja" [36]Esse modo de ser aurático da obra de arte, continua Benjamin, nunca se descola completamente de sua função ritualística. Entretanto, "A exponibilidade de uma obra de arte cresceu em tal escala [...] que a mudança de ênfase de um polo para o outro [do valor de culto para o valor de exposição] corresponde a uma mudança qualitativa comparável à que ocorreu na pré-história."[37]. Tanto pelo desenvolvimento das novas técnicas de produção e reprodução, quanto pela irresistível necessidade das massas de "possuir o objeto, de tão perto quanto possível, na imagem, ou antes, na sua cópia"[38], a regressão desse elemento distante, oculto, constitutivo da obra de arte, acompanha aquele outro processo que Benjamin descreveu como o "esquecimento da tradição" [39]Em seus estudos sobre Kafka, este autor já apontava o esvaziamento de uma concepção de verdade fundada na tradição e, pelo fato de que o fenômeno da dissolução imanente da aparência nas obras de arte modernas mantenha intactos determinados elementos de origem ritualístico que dão fundamento à experiência da obra de arte autônoma, a própria possibilidade de articulação entre arte e verdade se torna problemática. Por esse motivo Benjamin apostava na rearticulação das relações entre arte e verdade através de um emprego progressista das novas técnicas de produção e reprodução, não mais baseado nas possibilidades de conhecimento da verdade oferecidas pela tradição, mas sim nas possibilidades abertas pelas tranformações nas formas de percepção humanas. Enquanto Adorno vê o declínio da aura como consequência do desenvolvimento dialético imanente da obra de arte autônoma, "[...] Benjamin o apresenta como corte qualitativo em relação à arte do passado, também produzido pelo desenvolvimento das técnicas artísticas, mas cuja evolução resulta em saltos capazes de gerar um novo conceito de arte e uma reorganização dos elementos do passado em função dessa ruptura [...]. Se a reprodutibilidade técnica representa um corte com a tradição, a aproximação violenta das coisas coloca à disposição dos espectadores as condições de uma outra forma de aprendizado do mundo [...]"[40].

Em sua crença no poder da obra de arte autônoma e na capacidade crítica do indivíduo como formas de resistência à dominação, Adorno manteve inabalados determinados pressupostos do "período aurático" da obra de arte: de um lado, a unicidade e autenticidade da obra, e de outro, uma forma de experiência artística baseada em uma postura contemplativa, que exige, como contrapartida, um sujeito "kantiano"[41]. Por isso, ele critica o "otimismo" benjaminiano que aposta na distração – uma disposição característica do comportamento das massas – como uma força capaz de ser mobilizada para a luta contra a dominação. Por outro lado, desde a perspectiva de Benjamin, ao não compreender completamente o significado e as consequências do esvaziamento da tradição, seria Adorno quem estaria superestimando a capacidade de resistência oferecida pela obra de arte autônoma. "Pois qual o valor de todo o nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a nós", pergunta Benjamin. A nova forma de barbárie que essa pobreza de experiência inagurou abriu a possibilidade de que o homem, "deitado como um recém nascido nas fraldas sujas de nossa época", construísse , a partir do zero, uma nova forma de experiência. Assim, estaria preparado, "se necessário", para sobreviver à liquidação da cultura[42]

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Comunicação apresentada no Congresso Internacional "Teoria Crítica e Inconformismo: tradições e perspectivas" ocorrido em Setembro de 2008 na UFSCAR.

 

Autor:

Gabriel S. S. Lima Rezende

gabriel_baixo[arroba]yahoo.com.br

Doutorando em Musicologia pela Universidad de Granada/Espanha e mestrando em Sociologia pela UNICAMP


[1] ADORNO, Theodor W. "O fetichismo na música e a regressão da audição". In: Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 165.

[2] Cf. WEBER, Max. Os fundamentos racionais e sociológicos da música. São Paulo: Edusp, 1995.

[3] Cf. BENJAMIN, Walter. "O narrador. Consideração sobre a obra de Nikolai Leskov". In:______. Magia técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, v. 1, 1994.

[4] Cf. LIMA REZENDE, Gabriel S. S. "Música, experiência e memória: algumas considerações sobre o desenvolvimento da partitura a partir das obras de Max Weber e Walter Benjamin". In: Revista Espaço Acadêmico, ano VIII, n. 85, 2008. Disponível em http://www.espacoacademico.com.br/085/85rezende.htm.

[5] WAIZBORT, Leopoldo. Auklarüng musical. Considerações sobre a sociologia da arte de Th. W. Adorno na Philosophie der neuen Musik. 1991. 354 f. Tese (Mestrado em Sociologia) - Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991, p. 29.

[6] ADORNO, Theodor W. Filosofia da Nova Música. São Paulo: Perspectiva, 1974, p. 24.

[7] ADORNO, Theodor W.. "Dificultades". In:______. Impromtus. Serie de artículos musicales publicados de nuevo. Barcelona: Editora Laia, 1985, p. 137.

[8] WAIZBORT, Leopoldo. Ob. cit., p. 179. O grifo é original.

[9] ADORNO, Theodor W. "Dificuldades". Ob. cit., p. 138.

[10] Idem, ibid., p. 143.

[11] Idem, ibid., p. 144.

[12] A própria obra tardia de Beethoven, na perspectiva de Adorno, revela a impossibilidade de reconciliação entre parte e todo, a incapacidade da sociedade burguesa liberal de cumprir a promessa de conciliação entre indivíduo e sociedade.

[13] "As incoerências no procedimento técnico de um compositor de nível formal máximo, como Richard Wagner, testemunham a impossibilidade, inscrita no social, daquilo que ele visava, a impossibilidade da obra artística em que se resuma, como num culto, a sociedade burguesa: testemunham assim a inverdade da substância objetiva do empreendimento.". Cf. ADORNO, Theodor W. "Idéias para uma sociologia da música". In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 267.

[14] ADORNO, Theodor W. "Sociología del arte y de la música". In: ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. La sociedad. Lecciones de Sociología. Buenos Aires: Editorial Proteo, 1969, p. 11.

[15] Idem, ibid., p. 11.

[16] ADORNO, Theodor W. "Dificultades". Ob. Cit., p. 142.

[17] GATTI, Luciano. O foco da crítica. Arte e Verdade na Correspondência entre Adorno e Benjamin. 2008. 298 f. Tese (Doutorado em Filosofia) - Departamento de Filosofia da Falculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008, p. 60.

[18] Idem, ibid., p. 67.

[19] WAIZBORT, Leopoldo. Ob. cit., p. 34.

[20] ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. "A indústria cultural: o esclarecimento como mistificação das massas". In: ______. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985, p. 128.

[21] Idem, ibid., p. 133. "Onde não há verdadeira necessidade, não há verdadeiro prazer", diria Adorno através de Voltaire.

[22] Porém, não é só na esfera da produção e consumo em massa de produtos culturais que o elemento regressor da arte se manifesta. Diante da visão aterradora da destruição causada pelo avanço do capitalismo e da técnica, afirma Adorno, as mais variadas correntes musicais das primeiras décadas do século XX empreenderam uma "regressão ao tradicional". "A busca do tempo perdido", afirma Adorno "não somente faz com que se perca o caminho que conduz a casa, como também faz perder toda a consciência [...]". ADORNO, Theodor W. Filosofia da Nova Música. Ob. cit., p. 16. Desde o ponto de vista do emprego dos meios compositivos, a "arte leve", ao utilizar a tonalidade como princípio estruturador da obra, estaria reproduzindo os elementos regressivos e mistificadores contidos nessa linguagem. Mais claramente, "A impossibilidade de continuar agindo musicalmente dentro da tradição é uma impossibilidade que está prefixada de maneira objetiva [...]. Os meios tradicionais, sobretudo as formas de conexão geradas por eles, são afetados, modificados, pelos meios e formas de configuração musical desenvolvidos mais tarde. Todo acorde perfeito, toda tríade utilizada por um compositor já soa como a negação das dissonâncias que, no entanto, ficaram emancipadas. Essa tríade não possui mais a imediaticidade que possuía em outros tempos e que é afirmada por seu uso atual, mas é algo mediado pela história. Dentro dela está escondido o seu contrário. Na medida em que isto - essa negação - é silenciado, todas essas tríades, todos os giros tradicionalistas se transformam numa mentira afirmativa e convulsiva, similar ao discurso que fala de um mundo sadio e que está de moda em outros âmbitos culturais.". Por fim, Adorno entende que, ao aceitar passivamente o desenvolvimento musical imposto pelo compositor, comportando-se reativamente, o ouvinte dessa "arte leve" se iguala ao ouvinte dos sucessos radiofônicos: ambos são ouvintes heterônomos.

[23] ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. "A indústria cultural: o esclarecimento como mistificação das massas". Ob. cit., p. 131.

[24] ADORNO, Theodor W.. Filosofia da Nova Música. Ob. cit., p. 17.

[25] ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. "A indústria cultural: o esclarecimento como mistificação das massas". Ob. cit., p. 127. Se por um lado a arte séria fala diretamente ao indivíduo sobre sua situção de isolamento, ao mesmo tempo em que oferece a imagem de uma esperança utópica de "redenção" que extrapola a naturalização "realista" da violência, a completa alienação desse indivíduo significa a impossibilidade de uma experiência verdadeira com essa arte. "O que estaria perto, a 'consciência das necessidades', torna-se insuportavelmente estranho", afirma Adorno. "E o mais alheio, entretanto, que não contém mais nada dos homens, é metido neles a força da repetição pela maquinária, achegando-se ao seu corpo e ao seu espírito: é o que está indiscutivelmente mais próximo.". ADORNO, Theodor W. "Idéias para uma sociologia da música". Ob. cit., p. 268.

[26] KAAP, Silke. "Arquitetura moderna: paradoxos de uma utopia instrumental". In: Kriterion. Revista de Filosofia. Belo Horizonte: Departamento de Filosofia da Falculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, v. 1, n. 85 - Número espacial sobre Thoedor W. Adorno, p. 95, jan/jul de 1992.

[27] Idem, ibid., p. 97.

[28] "A evolução musical autônoma representa o todo pela simples força de sua coerência [...]. Assim, as exigências da pura coerência compositória, através das quais se desdobra a idéia da composição integral, exprimem por seu curso as tendências integradoras da sociedade burguesa, e isto porque as suas categorias latentes são idênticas ás do espírito burguês, sem que seja necessário postular influências sociais externas.". Cf. ADORNO, Theodor W. "Idéias para uma sociologia da música". Ob. cit., p. 266.

[29] Idem, ibid., p. 39. Esse é um dos pontos principais que unem a análise feita na Dialética do Esclarecimento com a Filosofia da Nova Música de Adorno. Comentando sua percepção sobre a técnica dodecafônica, Waizbort esclarece que "O processo, na música, é o mesmo que na sociedade: a razão transforma-se em não razão, em mito. O que seria o sujeito autônomo enredou-se em uma relação de dominação frente á natureza, e com isso acabou por impedir sua autonomia. No momento em que o sujeito subjuga completamente o material, ele se torna escravo do material. Ele se salva mas se perde. Assim como Ulisses. Esta é a Aufklärung musical. O próprio sujeito é seu algoz: não há regra mais coativa do que a auto-imposta. Quanto mais o sujeito domina o material, mais ele enreda-se na dominação e acaba dominado por ela. Essa revolta do material é a vingança da natureza.". Cf. WAIZBORT, Leopoldo. Ob. cit., pp. 92-93. Refletindo sobre a dissolução do sistema temperado pelas correntes vanguardistas posteriores á Segunda Escola de Viena, este mesmo autor complementa: "O sistema temperado é, por excelência, o Selbst, fundado historicamente, do material musical, sua identidade mais profunda - o que permite a interessante analogia: se hoje, com o rompimento do sistema temperado, a música necessita repensar por inteiro a categoria do material musical, uma nova relação com a natureza se estabelece, pois aquela identidade inicial não se valida mais; trata-se de fundar uma nova identidade, e esse seria um momento privilegiado de uma nova relação com a natureza, que não fosse, novamente, dominação.". Idem, ibid., p. 75.

[30] DUARTE, Rodrigo A. P. "Da filosofia da música á música da filosofia. Uma interpretação do itinerário filosófico de T. W. Adorno. In: Kriterion. Revista de Filosofia. Ob. cit., p. 14.

[31] WAIZBORT, Leopoldo. Ob. cit., p. 77. Marco Heleno Barreto acrescenta que "O que enlaça o Novo e o Antigo é o fato de ambos serem respostas a uma interpelação que provém do material; o que os separa é o fato de serem respostas singulares: aquilo que ficou insolúvel no passado é o que o presente deve resolver, negando a reificação pela Tradição.". BARRETO, Marco Heleno. "Subjetividade e o Novo na arte: reflexões a partir de Adorno". In: Kriterion. Revista de Filosofia. Ob. cit., pp. 56-57.

[32] Idem, ibid., p. 55. A fragmentariedade da obra de arte radical corresponde assim á expressão da multiplicidade do sujeito, resistindo á homogeneização totalitária operada através do ideal do sujeito romântico - "unidade idêntica a si mesma e ao todo" - instrumentalizado pela indústria cultural. Idem, ibid. p. 55.

[33] ADORNO, Theodor W.. "Dificultades". Ob. cit., pp. 123-124.

[34] Idem, ibid., p. 128. Enquanto resposta radical ao princípio do serialismo integral, o princípio do "azar", marca da música aleatoria de John Cage, se iguala a seu rival em suas consequências sobre o indivíduo. Como afirma Adorno "[...] também o princípio do azar, propugnado com sucesso por Cage, continuava sendo tão 'alheio ao eu' como o seu aparente contrário, o princípio serial; o princípio do azar também pode ser visto como exoneração do eu debilitado.". Idem, ibid. p. 129.

[35] GATTI, Luciano. Ob. cit., p. 199.

[36] BENJAMIN, Walter. "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica". In: ______. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Ob. cit., pp. 170-171.

[37] Idem, ibid., p. 173.

[38] Idem, ibid., p. 170.

[39] "Na percepção do objeto próximo, a aura se apresenta na referência ao elemento distante, seja ele a tradição, na forma do testemunho recolhido pelo objeto ao longo de sua história, seja o elemento sagrado, ao mesmo tempo representado pelo objeto e inacessível em sua materialidade áquele que lhe presta devoção. A distância encerra assim um mistério que não é desvendado, mas permanece como condição da integração do objeto á experiência do sujeito.". GATTI, Luciano. Ob. cit., p. 195-96.

[40] Idem, ibid., p. 241.

[41] Um dos principais pontos da crítica de Adorno á indústria cultural é que ela, através de seus produtos massificados, desconstrói o momento de subjetivação rompendo a unidade sintética da percepção e tomando para si a tarefa de "produzir" as relações entre a diversidade do sensível e os conceitos fundamentais.

[42] BENJAMIN, Walter. "Experiência e pobreza". In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Ob. cit., pp. 116-119.



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