Incoerências nas teses "analíticas" de Desidério Murcho



  1. Está o objectivismo da ciência livre de subjectivismo e antropocentrismo ?
  2. O tempo não existe? Dos perigos da lógica pura
  3. É o anti realismo modal oposto ao empirismo ?
  4. Está o relativismo vinculado ao anti-realismo?
  5. O anti-realismo global é cepticismo radical?
  6. Filosofia viva contra Filósofos mortos, uma falsa questão de Desidério Murcho
  7. Bibliografia

Está o objectivismo da ciência livre de subjectivismo e antropocentrismo ?

No capítulo IV do seu livro Pensar outra vez Filosofia, valor e verdade, Desidério Murcho desenvolve uma aparentemente engenhosa argumentação contra o subjectivismo e o antropocentrismo gnosiológicos, em defesa do «objectivismo científico e do realismo das ciências» que se querem monistas em cada assunto:

«Surgem então os relativismos em filosofia da ciência: Kuhn e Feyerabend são os mais famosos. A estratégia é a mesma de todos os subjectivismos e de todos os relativismos: dar uma vez mais ao ser humano, um papel central, criador, sobre a natureza última das coisas. E diz Kuhn: a ciência de Aristóteles não estava realmente errada, afinal. Só está errada para nós. Assim, a Terra ora gira em torno do Sol ora é o centro do Universo, consoante as nossas teorias – consoante a decisão dos Criadores (nós, claro). Por outro lado, evita-se também o rude golpe que é compreender que a nossa capacidade para descobrir verdades é limitada e que a probabilidade de engano, de auto-engano e de puro erro tolo é muito elevada. Se afinal tudo é uma construção, não nos podemos enganar. A teoria de Ptolomeu é "tão verdadeira" como a de Einstein e nenhum deles está enganado. Isto, claro, isenta-nos de procurar o rigor, a verdade, e o controle de erros e dá-nos o toque de Midas: seja o que for que acreditemos, isso é verdade, porque "verdade" quer dizer "verdade para mim" (ou "para a nossa comunidade" ou "para o nosso tempo" ou "para o nosso sexo" ou "para o nosso partido político»

«Estas ideias são falsas e incongruentes. Mas desempenham bem o papel de continuar a manter o antropocentrismo humano, pois é uma maneira de insistir que o nosso pensamento determina a maneira como o mundo é, invertendo completamente as coisas.» (Desidério Murcho, Pensar outra vez Filosofia, valor e verdade, Edições Quasi, V.N. de Famalicão, 2006, pag. 74; o negrito é nosso).

A primeira objecção que se coloca a este texto é: existe alguma ciência que não seja antropocêntrica? Dizemos que não. Não são só os subjectivismos e relativismos que são antropocêntricos. Os não relativismos científicos que Desidério Murcho parece defender – a teoria da relatividade de Einstein; a medicina científica convencional, etc. – são também visões antropocêntricas do mundo, que «dão ao ser humano (cientistas, ideólogos e tecnocratas) um papel, central, criador, sobre a natureza última das coisas».

Há uma tese indestrutível que DM escamoteia: «A verdade é verdade para nós, concebidos como um todo, chamado humanidade, e para cada um de nós». Não temos outra maneira de prescrutar e conhecer a verdade a não ser pelo nosso nariz, olhos, ouvidos, boca, tacto, genitais, mãos e pernas, e razão, isto é, de forma antropocêntrica. Portanto a verdade é sempre a nossa verdade e o que chamo «a verdade em si cognoscível» é a minha/nossa verdade, o modo como eu e outros conhecemos a substância do mundo e das coisas. O axioma de Protágoras mantém-se inteiramente válido: «O homem é a medida de todas as coisas.» A verdade sem centro, totalmente objectiva, - e admito que exista, porque professo o realismo crítico gnosiológico - é inalcançável para nós.

Surpreende-nos a facilidade com que Desidério Murcho «elimina» de uma penada, neste texto, a consistência das objecções que Thomas Kuhn e Paul Feyerabend colocam à «objectividade e neutralidade das ciências». Feyereband, por exemplo, anarquista epistemológico, nivela a medicina química universitária – que trata os cancros com radioterapia e quimioterapia – com a medicina natural alternativa – que regista curas de cancro nos seios, estômago, etc, através da aplicação de sucessivas cataplasmas de argila molhada durante semanas e meses sobre o corpo dos pacientes. Alguém pode garantir que a Medicina Universitária trata melhor os doentes com cancro do que a Medicina Natural Alternativa? Não há aqui lugar para algum relativismo e subjectivismo? E estes são  maus em si mesmos, representam «um vale tudo», um rebaixamento do nível científico como caricatura Desidério no seu texto? Ou antes representam um aperfeiçoamento do espírito científico, que recusa o espelho do realismo ingénuo e se eleva para lá dos reposteiros das aparências empíricas  das teses mais simples das ciências?


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