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Avaliação morfofuncional do auto-implante ovariano no retroperitônio (página 2)

Lucyr J. Antunes

2. MATERIAL E MÉTODOS

Este trabalho experimental foi realizado no período de agosto de 2000 a fevereiro de 2001, de acor- do com as recomendações das Declarações de Helsinque e as Normas Internacionais de Proteção aos Animais(12,13), e foi aprovado por Comissão de Ética da Universidade Federal de Minas Gerais.

O presente estudo foi conduzido em 36 ratas Wistar adultas, pesando entre 250 e 280 gramas, com aproximadamente 120 dias de idade. Para verificar se os animais apresentavam ciclos estrais regulares, esfregaços vaginais foram colhidos diariamente, durante um período de sete dias. As ratas com ciclos estrais atípicos foram excluídas.

Os procedimentos foram realizados sob anestesia com éter sulfúrico. As ratas foram divididas alea- toriamente em quatro grupos (n=9):

Grupo 1 (G1) - controle - laparotomia e identificação dos ovários;

Grupo 2 (G2) - ooforectomia bilateral;

Grupo 3 (G3) - ooforectomia bilateral e trans- plante dos ovários íntegros para o retroperitônio, logo abaixo dos rins, utilizando-se fio de prolene 5-0;

Grupo 4 (G4) - ooforectomia bilateral e transplante dos ovários seccionados em três fatias trans- versais, de aproximadamente 3 milímetros de espessura, para o retroperitônio, logo abaixo dos rins, utilizando-se fio de prolene 5-0.

O útero e as trompas permaneceram in situ, em todos os grupos. Após as cirurgias, os animais receberam água e ração para ratos ad libitum. Eles foram observados diariamente, com vista a sinais de anormalidades locais ou sistêmicas, durante 180 dias.

Uma semana antes e durante todo o período posterior ao ato cirúrgico, os animais foram mantidos em ambiente com controle de luminosidade de 12 horas/dia.

No terceiro e no sexto mês pós-operatórios, avaliou-se a função ovariana por meio de esfregaços va- ginais diários, com base no ciclo estral, durante um período de 10 dias. O animais foram imobilizados e, usando-se uma pipeta, introduziu-se, na cavidade vaginal da rata, 0,25 ml de solução salina a 0,5%. Após lavar a cavidade vaginal duas vezes com solução salina a 0,9%, o fluido foi retirado com o auxílio de outra pipeta limpa.

Caso houvesse contaminação, repetia-se o lavado. Cada ponteira foi usada uma única vez para cada exame.

Os esfregaços foram avaliados a fresco, sem coloração, e conduzidos sob aumento de 40X e 100X, para observação das características celulares, de acordo com o ciclo ovariano, com base em estudos iniciais publicados por Cooper et al. (14), em cobaias, e por Long & Evans(15), em ratas. Esses autores observaram que a relação entre o estrogênio ovariano e a citologia vaginal, em ratas, é representada por um ciclo ovariano com duração média de quatro dias, dividido em três fases distintas (14,15,16):

diestro - caracteriza-se por concentrações baixas de estrogênio e esfregaços vaginais com predomí- nio de leucócitos e algumas células epiteliais corneificadas em permeio; esta fase é considerada como pré-ovulatória;

proestro - há um aumento da concentração do estradiol, e, no esfregaço vaginal, predominam células polimorfonucleadas, dispersadas ou acumuladas; esta é a fase em que ocorre a ovulação;

estro - há queda dos níveis de estradiol e predomínio de células epiteliais, escamosas ,corneificadas; esta é a fase pós-ovulatória.

Após a determinação dos ciclos estrais, no sexto mês pós-operatório, os animais foram mortos com dose excessiva de éter sulfúrico. Os ovários implantados foram removidos e preparados para exame histológico de rotina, utilizando-se a coloração pela hematoxilina e eosina. Os parâmetros histológicos avaliados para comparação entre as duas formas de implante ovariano, íntegra e fatiada, foram: degeneração, fibrose, rea- ção inflamatória, angiogênese, cistos foliculares, desenvolvimento folicular e corpos lúteos.

Os resultados foram comparados por meio do teste t de Student e quiquadrado. As diferenças foram consideradas significativas para valores correspondentes a P< 0,05.

3. RESULTADOS

Todos os animais sobreviveram até o sexto mês pós-operatório, sem complicações cirúrgicas. A Tabela I apresenta os achados citológicos vaginais de todos os grupos em ambos os períodos avaliados, 3º e 6º meses pós-operatórios.

No G1 (controle), as ratas tiveram a seqüência do ciclo regular (diestro, proestro, estro) tanto no terceiro quanto no sexto mês pós-operatório.

No G2 (ooforectomia bilateral), todos os animais permaneceram em diestro durante os 14 dias do estudo, em ambos os períodos de análise. As ratas deste grupo foram consideradas como não produtoras de hormônio ovariano.

No G3 (transplante íntegro), duas ratas tiveram ciclos completos compatíveis com a fase estral, no sexto mês avaliado. Três animais apresentaram ciclos irregulares e as restantes permaneceram em diestro.

A função ovariana foi considerada inadequada nos animais deste grupo, exceto nas duas ratas que apresentaram ciclos estrais completos e regulares.

No G4 (transplante fatiado), três ratas apresentaram ciclos incompletos, mostrando fases compatíveis com estro e diestro, no sexto mês pós-operatório, sendo consideradas como produtoras deficientes de hormônios sexuais. Cinco ratas apresentaram ciclos estrais completos, sendo consideradas como portadoras de ovários auto-implantados funcionantes, e ape- nas uma permaneceu fixa em diestro.

Na segunda laparotomia, a cavidade abdominal mostrava-se de aspecto normal. Os ovários implantados estavam preservados, sem sinais de rea- ção inflamatória local ou reações aparentes ao fio cirúrgico.

Os estudos anatomopatológicos, realizados no sexto mês pós-operatório, revelaram viabilidade ovariana nos três grupos com ovário. Os ovários do gru- po-controle foram todos normais. Já no Grupo 3 (Figura 1a), identificou-se infiltrado inflamatório, mode- rado, composto de células mononucleares e fibrose discreta, além de neoformação vascular. Observaram- se áreas de isquemia e necrose de leve intensidade nos ovários pertencentes às ratas que estavam fixas em diestro. Nos outros animais, não houve sinais de isquemia ou necrose. Corpos lúteos e cistos foliculares semelhantes aos dos ovários normais foram encontrados em proporções variáveis.

No Grupo 4 (Figura 1b), também se observou viabilidade ovariana, com fibrose e inflamação de graus indo de leve a moderado. Áreas de isquemia ocorreram apenas na parte periférica do ovário da rata que não saiu da fase de diestro. Cistos foliculares e corpos lúteos também foram identificados. Os cistos foliculares foram maiores do que os encontrados nos grupos 1 e 3.

As ratas submetidas a implantes heterotópicos de ovário na forma fatiada (grupo G4) apresentaram melhor padrão de ciclo estral e aspecto histológico mais próximo ao normal do que as dos ovários íntegros (Grupo G3) (p< 0,05).

Figura 1 - Histoarquitetura dos auto-implantes ovarianos no retroperitônio de ratas Wistar. Em ambos os cortes, evidenciam- se presença de grandes cistos e ausência de necrose ou degenerações. Hematoxilina e eosina.
a) Ovário íntegro . corpo lúteo (seta) e grande cisto (*) (40X).
b) Ovário fatiado . angiogênese (setas) e cisto (*) (100X).

4. DISCUSSÃO

O transplante ovariano visa à preservação de sua função e à diminuição dos efeitos indesejáveis do climatério precoce. Apesar dos múltiplos estudos, ainda não se definiu o melhor local para a implantação dos ovários(1,2,4,7,17).

A avaliação do local de implantação dos ovários baseou-se na viabilidade da histoarquitetura e fun- ção ovariana. Verificou-se indiretamente a produção hormonal com base na citologia obtida pelos esfregaços vaginais (14,15,16). Os auto-implantes ovarianos foram considerados funcionais, quando as ratas apresentaram ciclo estral normal, ou seja, apresentando seqüência típica de todas as fases: diestro, estro, proestro.

Nas ratas com ciclo permanente, na fase em diestro ou que apresentaram ciclo estral incompleto, durante os dez dias avaliados, considerou-se a produção hormonal dos ovários auto-implantados deficiente.

A implantação ovariana no retroperitônio teve como base o padrão da drenagem venosa. Em situação normal, os hormônios ovarianos são drenados pelas veias ovarianas para a veia cava inferior. Esta mesma veia recebe a drenagem venosa da região retroperitoneal em que os ovários foram implantados.

Dessa forma, evitou-se a passagem dos hormônios pelo fígado, onde poderiam ser metabolizados precocemente e interferir em sua ação sistêmica.

No presente trabalho, não houve adversidades decorrentes da vascularização dos enxertos, pois, em nenhum dos grupos, houve ovários com degeneração histológica. Esses achados contradizem outros autores que consideram os enxertos ovarianos avasculares inadequados sob aspecto funcional (18,19,20).

Ao relacionarmos os achados histológicos dos ovários auto-implantados com a citologia vaginal, todos os animais evidenciaram aspecto vaginal compa- tível com função hormonal ovariana em diferentes fases. Os aspectos citológicos das ratas dos grupos em que se realizou implante de tecido ovariano fatiado (G4) apresentaram resultados melhores do que os obtidos quando se implantava o ovário íntegro.

Tomou-se o cuidado de manter controlada a luminosidade ambiente, porque ciclos ovarianos con- sistentes podem ser detectados em roedores apenas quando abrigados sobre condições regulares de luminosidade. Fotoperíodos padronizados têm sido definidos como sendo de 12 ou 14 horas de exposição à luz comum. Alterações desses períodos podem levar a várias alterações dos ciclos, incluindo até mesmo inibição da ovulação e manutenção de esfregaços vaginais persistentes em estro (14,18).

Observou-se, ainda, que a eficácia funcional sobre a mucosa vaginal dos ovários fatiados foi maior do que a dos íntegros. Esse fato pode ter sido, em parte, devido à maior superfície de contato dos enxertos ovarianos fatiados, provavelmente proporcionando melhor suprimento sangüíneo ao tecido ovariano.

Concluindo, com base nos aspectos cirúrgico, citológico vaginal, e de histoarquitetura ovariana, o auto-implante ovariano heterotópico no retroperitônio é tecnicamente simples e mantém os ovários viáveis.

Entretanto, sob aspecto funcional, apenas os ovários fatiados tiveram atividade hormonal adequada.

AGRADECIMENTOS

Somos gratos ao acadêmico de Medicina, Juliano Ferreira Barbosa, por auxílio no trabalho em laboratório. Agradecemos também ao CNPq e FAPEMIG pelos auxílios financeiros que permitiram a realização deste trabalho.

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Recebido para publicação em 18/07/2001 Aprovado para publicação em 12/12/2001

 

Luiz R. Alberti1; Leonardo S. Vasconcellos1; Andy Petroianu2 & Maurício B. Nunes3
petroian[arroba]medicina.ufmg.br

1. Acadêmicos de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
2. Docente Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina - Universidade Federal de Minas Gerais, Docente Livre da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP, Docente Livre da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP, Doutor em Fisiologia e Farmacologia, Pesquisador IA do CNPq.
3. Anatomopatologista do Instituto Moacyr Junqueira e da Santa Casa de Belo Horizonte.
CORRESPONDÊNCIA: Prof. Andy Petroianu - Av. Afonso Pena, no 1626, Apto 1901. CEP 30130-005, Belo Horizonte, Minas Gerais. E-mail:
petroian[arroba]medicina.ufmg.br - Fone (fax) (31) 3274-7744.



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