Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 

Efeitos de operações sobre o baço no lipidograma de ratas (página 2)

Lucyr J. Antunes

MÉTODOS

O presente trabalho foi realizado de acordo com as recomendações das Normas Internacionais de Proteção aos Animais e do Código Brasileiro de Experimentação Animal (1988) e foi aprovado pela Comissão de Ética do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)16,17.

Foram utilizadas 40 ratas Wistar com peso médio de 133 ± 19 gramas, procedentes do Biotério do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG e mantidas no Biotério da Faculdade de Medicina da UFMG.

Os animais foram alocados em gaiolas apropriadas, com até cinco ratas por gaiola, à temperatura ambiente de 25°C e iluminação diária natural. Elas receberam água e ração balanceada padrão para ratos à vontade. Antes do experimento, as ratas foram submetidas a exame para descartar possíveis afecções, durante o período de adaptação de 15 dias. Os animais foram distribuídos aleatoriamente nos seguintes grupos:

Grupo 1 (n = 10) - Controle: não foram submetidos a intervenção cirúrgica.

Grupo 2 (n = 10) - Esplenectomia total: o estômago foi tracionado para fora da cavidade abdominal, expondo o baço. Em seguida, foram realizadas três ligaduras do pedículo vascular esplênico com fio de categute cromado 5-0 e retirada completa do órgão.

Grupo 3 (n = 10) - Esplenectomia subtotal: ligadura vascular do baço com fio de categute cromado 5-0, deixando apenas o pólo superior suprido pelos vasos esplenogástricos, secção do baço entre as partes isquêmica e irrigada. Sutura contínua da superfície cruenta do pólo esplênico superior com fio de categute cromado 5-0.

Grupo 4 (n = 10) - Esplenectomia total complementada por implante de tecido esplênico autógeno no omento maior. Após a retirada do baço, seguindo as etapas descritas no Grupo 2, fatiou-se o órgão em 5 segmentos que foram suturados sobre o omento maior, com fio de categute cromado 5-0.

Todos os procedimentos foram realizados nas dependências do Laboratório de Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG, obedecendo às normas técnicas de assepsia e anti-sepsia.Todos os procedimentos operatórios foram conduzidos sob anestesia geral com éter etílico e através de laparotomia mediana, de aproximadamente 4 cm, iniciada 0,5 cm abaixo do apêndice xifóide, no sentido crânio-caudal. A cavidade abdominal das ratas foi fechada em dois planos de sutura contínua (no primeiro, o peritônio e plano músculo aponeurótico e, no segundo, a pele), utilizando fio de algodão 5-0.

As ratas foram acompanhadas diariamente durante 120 dias. Decorrido esse prazo, elas foram anestesiadas com éter etílico e submetidas a laparotomia mediana. Identificou-se a veia cava caudal, que foi puncionada sob sistema de coleta a vácuo, no qual se coletaram 5 ml de sangue em tubos com gel e revestidos com papel alumínio para proteção da luz, que foram imediatamente enviados para análise laboratorial. Após a centrifugação a 2000 rpm por 5 minutos, do plasma separado dosaram-se as concentrações de triglicérides, colesterol total e HDL pelo método colorimétrico enzimático. As concentrações das frações do colesterol VLDL e LDL foram calculadas pela fórmula de Friedwald. Em seguida, os animais foram mortos com dose inalatória letal de éter.

Os valores de colesterol total e suas frações e de triglicérides foram avaliados nos diferentes grupos pelo teste de Normalidade de Kolmogorov-Smirnov (KS) para testar a distribuição gaussiana dos dados e, em seguida, pelo teste de Bartlett para testar as variâncias. Caso os dados apresentassem distribuição gaussiana e mesma variância, realizava-se a análise de variância (ANOVA), seguida pelo teste de Tukey-Kramer de comparação múltipla. Os valores foram considerados significativos para p < 0,05.

RESULTADOS

No Grupo 2, dos animais esplenectomizados, houve três mortes na primeira semana pós-operatória, sem causa aparente ao exame macroscópico da cavidade abdominal. Esses animais foram substituídos para manter a uniformidade do número de animais em cada grupo. Não foram verificadas adversidades nos outros grupos. Os animais recuperaram-se rapidamente do procedimento cirúrgico.

Todas as dosagens de colesterol total apresentaram valores com distribuição dentro da curva normal (p > 0,10) (distância KS de 0,1572 para o Grupo 1, KS de 0,3355 para o Grupo 2, KS de 0,1396 para o Grupo 3 e KS de 0,1949 para o Grupo 4). As variâncias não foram diferentes (p = 0,9325, pelo teste de Bartlett). Os animais submetidos a esplenectomia total (Grupo 2) apresentaram maiores concentrações de colesterol total (p = 0,0093 ANOVA) em relação aos demais grupos. Não houve diferença entre os outros grupos (Tabela 1).

As dosagens da fração VLDL do colesterol apresentaram valores com distribuição dentro da curva normal (p > 0,10) (distância KS de 0,2140 para o Grupo 1, KS de 0,2271 para o Grupo 2, KS de 0,1822 para o Grupo 3 e KS de 0,2800 para o Grupo 4). As variâncias não foram diferentes (p = 0,4665, pelo teste de Bartlett). Não houve diferença com significância estatística entre os grupos (p = 0,2030, ANOVA) (Tabela 1).

As dosagens da fração LDL do colesterol apresentaram valores com distribuição dentro da curva normal (p > 0,10) (distância KS de 0,2142 para o Grupo 1, KS de 0,2065 para o Grupo 2, KS de 0,2912 para o Grupo 3 e KS de 0,1967 para o Grupo 4). As variâncias não foram diferentes (p = 0,6111, pelo teste de Bartlett). Os animais submetidos a esplenectomia total (Grupo 2) apresentaram maiores concentrações de colesterol LDL (p < 0,0001 ANOVA) em relação aos demais grupos. Não houve diferença entre os outros grupos (Tabela 1).

As dosagens da fração HDL do colesterol apresentaram valores com distribuição dentro da curva normal (p > 0,10) (distância KS de 0,1900 para o Grupo 1, KS de 0,3416 para o Grupo 2, KS de 0,2034 para o Grupo 3 e KS de 0,1690 para o Grupo 4). As variâncias não foram diferentes (p = 0,8927, pelo teste de Bartlett). A fração HDL do grupo submetido a esplenectomia total (Grupo 2) foi menor do que a registrada nos demais grupos (p = 0,05, ANOVA). Não houve diferença significativa entre os outros grupos (Tabela 1).

As dosagens de triglicérides também apresentaram valores com distribuição dentro da curva normal (p > 0,10) (distância KS de 0,2370 para o Grupo 1, KS de 0,2352 para o Grupo 2, KS de 0,1776 para o Grupo 3 e KS de 0,2559 para o Grupo 4). As variâncias não foram diferentes (p = 0,4310, pelo teste de Bartlett). Não houve diferença entre os grupos estudados (p = 0,1882, ANOVA) (Tabela 1).

DISCUSSÃO

O baço destaca-se na prática médica em decorrência de suas atribuições, parcialmente já bem conhecidas, como o seu papel imunitário, de filtração e hematopoiético18. Além dessas funções, a sua participação no controle metabólico vem merecendo uma atenção crescente1,2,3,4,5,6,7,8,9. Sua importância na fisiopatologia de muitas doenças fez com que se optasse pela preservação desse órgão, reduzindo os índices de sepse e distúrbios hematológicos pós-operatórios19. A esplenectomia total, que resultava de muitas indicações no passado, vem sendo progressivamente substituída por procedimentos conservadores do baço, como a sutura esplênica, a esplenectomia parcial, a esplenectomia subtotal ou o implante autógeno de tecido esplênico, após a remoção do baço18,20,21,22,23. Mais recentemente, passou a ser bem aceita a abordagem não operatória do trauma esplênico, com resultados melhores do que os operatórios24.

Existem, na literatura, trabalhos clínicos e experimentais que avaliaram a possível relação entre o baço e o metabolismo lipídico no hiperesplenismo1,2,3,6,7,8 e em presença de asplenia 1,2,5,7,9. Gilbert et al. (1981) descreveram decréscimo nos níveis séricos de colesterol total e de suas frações LDL e HDL em pacientes portadores de doenças mieloproliferativas associadas a hiperesplenismo8. Nos períodos de agravamento da doença de base, havia redução ainda maior dos níveis de colesterol. Após esplenectomia total ou quando a moléstia era controlada por agentes quimioterápicos ou com irradiação esplênica, ocorreu a reversão da hipocolesterolemia8. Outros autores também analisaram essa relação em pacientes portadores da doença de Gaucher tipo 16 e talassemia maior tipo B3, tendo sido encontrados resultados semelhantes.

Por outro lado, em estudos experimentais, a esplenectomia total acompanhou-se de níveis elevados de colesterol e triglicérides 2,4,5. Aviram et al. (1986) notaram que, após esplenectomia para tratar desordens mieloproliferativas, houve elevação da fração LDL do colesterol7.

A dislipidemia secundária à esplenectomia total poderia resultar em maior incidência de distúrbios ateroscleróticos 25,26,27,28,29. Na tentativa de estabelecer essa relação, Asai et al. (1988) observaram que coelhos submetidos a esplenectomia total e que receberam alimentação rica em colesterol apresentaram, após quatro meses, placas ateroscleróticas na aorta5.

Existem algumas teorias para explicar os possíveis mecanismos implicados na regulação dos lípides plasmáticos pelo baço1,3,5,6,7. Schmidt et al. (1997) compararam o baço a um reservatório lipídico, que se eleva em situações de hiperesplenismo. Os macrófagos esplênicos acumulariam grande quantidade de gordura, mediante aumento da fagocitose com conseqüente hipolipidemia1. Outra explicação para a redução lipídica seria o efeito imunitário do sistema mononuclear fagocitário contra estruturas encontradas nas lipoproteínas HDL e LDL, resultando em sua depuração plasmática3,6.

Com base nessas teorias, após a esplenectomia total, o efeito inverso provocaria o aumento dos níveis séricos dos lípides plasmáticos. Entretanto, há necessidade de prosseguir a investigação desse fenômeno para comprovar a veracidade dessas hipóteses e aprofundar suas explicações.

O presente trabalho também encontrou a elevação do colesterol total e de sua fração LDL. Por outro lado, a fração HDL apresentou concentração menor. Já os níveis de triglicérides e de VLDL foram inalterados, assim como havia sido descrito por Aviram et al. 7 (1986) e contradizendo outros autores2,4,5.

É importante ressaltar que as cirurgias conservadoras do baço mantiveram o lipidograma em seus níveis normais. Portanto, a presença de tecido esplênico, mesmo em quantidade menor e até ectópico, é capaz de manter funções do órgão relacionadas à regulação do metabolismo lipídico. Além disso, considerando-se a hipótese de que a irrigação sangüínea do omento seria menos propícia que a irrigação própria do baço, diminuindo a funcionalidade do órgão, não houve diferenças no lipidograma do Grupo 4 em relação aos grupos 1 e 3.

CONCLUSÕES

É provável que o baço desempenhe um papel de destaque no metabolismo lipídico de ratas e que a esplenectomia total se relacione com alterações no controle do colesterol. É possível que a preservação de tecido esplênico previna tais distúrbios metabólicos.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o auxílio da Dra. Renata Figueiredo Rocha pela apresentação deste trabalho e ao CNPq e à FAPEMIG pelos auxílios financeiros.

Conflito de interesse: não há.

REFERÊNCIAS

1. Schmidt HH, Wagner S, Manns M. The spleen as a storage pool in lipid metabolism. Am J Gastroenterol 1997; 92: 1072-2.

2. Fatouros M, Bourantas K, Bairaktari E, Elisaf M, Tsolas O, Cassioumis D. Role of the spleen in lipid metabolism. Br J Surg 1995; 82: 1675-7.
        [
Medline ]

3. Goldfarb AW, Rachmilewitz EA, Eisenberg S. Abnormal low and high density lipoproteins in homozygous beta-thalassaemia. Br J Haematol 1991; 79: 481-6.

4. Asai K, Hayashi T, Kuzuya M, Funaki C, Naito M, Kuzuya F. Delayed clearance of beta-very low density lipoprotein after feeding cholesterol to splenectomized rabbits. Artery 1990; 18: 32-46.

5. Asai K, Kuzuya M, Naito M, Funaki C, Kuzuya F. Effects of splenectomy on serum lipids and experimental atherosclerosis. Angiology 1988; 39: 497-504.

6. Le NA, Gibson JC, Rubinstein A, Grabowski GA, Ginsberg HN. Abnormalities in lipoprotein metabolism in Gaucher type 1 disease. Metabolism 1988; 3: 240-5.
        [
Medline ]

7. Aviram M, Brook JG, Tatarsky I, Levy Y, Carter A. Increased low-density lipoprotein levels after splenectomy: a role for the spleen in cholesterol metabolism in myeloproliferative disorders. Am J Med Sci 1986; 291: 25-8.

8. Gilbert HS, Ginsberg H, Fargerstrom R, Brown WV. Characterization of hypocholesterolemia in myeloproliferative disease. Relation to disease manifestations and activity. Am J Med 1981; 71: 595-602.

9. Bednarik T, Cajthamlova H. Serum proteins after splenectomy in dog, the rabbit and the rat. Physiol Bohemoslov 1968; 17: 249-52.

10. Viana MB, Oliveira BM, Oliveira MCLA. O Baço em doenças metabólicas. In: Petroianu A, editor. O Baço. 1 ed. São Paulo: CLR Baliero Editores; 2003, p. 197-205.

11. Constantopoulos A, Najar VA, Wisch JB, Necheles TH, Stolbach LL: Defective phagocytosis due to tuftsin deficiency in splenectomized subjects. Am J Dis Child 1973; 125: 663-5.

12. Petroianu A. Estudos experimentais sobre o baço. In: Petroianu A, editor. O Baço. 1 ed. São Paulo: CLR Baliero Editores; 2003, p.414-26.

13. Sugihara T, Yawata Y. Observations on plasma and red cell lipids in hereditary spherocytosis. Clin Chim Acta 1984; 137: 227-32.

14. Paulo DNS, Lázaro da Silva A. Lipídeos plasmáticos após esplenectomia total e parcial em cães. Rev Col Bras Cir 2001; 28: 264-70.

15. King JH. Studies in the pathology of the spleen. Arch Intern Med 1914; 14: 145-67.

16. Cooper JE. Ethics and laboratory animals. Vet Rec 1985; 116: 594-5.

17. Petroianu ª Pesquisa experimental. In: Petroianu A, editor. Ética, Moral e Deontologia Médicas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000, p. 185-90.

18. Petroianu A. Cirurgia do baço. In: Petroianu A, editor. Clínica Cirúrgica. Rio de Janeiro: Revinter; 2001, p.429-42.

19. Morris DH, Bullock FD. The importance of the spleen in resistance to infection. Ann Surg 1919; 70: 513-21.

20. Morgenstern L. Evolution of splenic surgery. Contemp Surg 1986; 29: 15-8.

21. Morgenstern L. Techniques of splenic conservation. Arch Surg 1979; 114: 449-54.

22. Traub A, Giebink GS, Smith C. Splenic reticuloendothelial function after splenectomy, spleen repair and spleen autotransplantation. N Engl J Med 1987; 317:1559-64.

23. Times W, Leemans R: Splenic autotransplantation and the immune system. Ann Surg 1992; 215: 256-60.

24. Albrecht RM, Schermer CR, Morris A. Nonoperative management of blunt splenic injuries: Factors influencing success in age >55 years. Am Surg 2002; 68: 227-31.

25. Witztum JL, Steinberg D: As hiperlipoproteinemias. In: Cecil, editor. Tratado de Medicina Interna. 21ª Edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001, p.1212-24.

26. Mahley RW, Weisgraber KH, Farese RV. Disorders of lipid metabolism. In: Williams, editor. 9th edition. United States: W.B.Saunders Company; 1998, p. 1099-153.

27. Assmann G, Schulte H. Relation of high-density lipoprotein cholesterol and triglycerides to incidence of atherosclerotic coronary artery disease. Am J Cardiol 1992; 70: 733-7.

28. Gordon DJ, Rifkind BM. High-density lipoprotein. The clinical implications of recent studies. N Engl J Med 1989; 321: 1311-6.

29. Kinosian B, Glick H, Garland G. Cholesterol and coronary heart disease: predicting risks by levels and ratios. Ann Intern Med 1994; 121: 641-7.

Andy Petroianu*; Denny Fabrício Magalhães Veloso; Gustavo Rocha Costa; Luiz Ronaldo Alberti
petroian[arroba]medicina.ufmg.br



 Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.