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Estudo dos prejuízos cognitivos na dependência do álcool (página 2)

Marcelo Ribeiro

 

MÉTODO

Participantes A amostra foi composta por um total de 152 participantes do sexo masculino, escolhidos aleatoriamente, internados em unidades especializadas no tratamento de dependência química, com idades entre 26 e 60 anos, sendo a idade média de M=40,61 anos (DP=7,76). Todos os participantes, no momento da coleta de dados, residiam na cidade de Porto Alegre, localizada no sul do Brasil. Dentre o total da amostra (N=152), 73% eram casados, e 21,71% eram solteiros (33,55% estavam separados). Quanto à escolaridade 63,81% tiveram de 5 a 8 anos de estudo, 29,6% tiveram de nove a dez anos de estudo, e somente 6,59% tiveram mais de 11 anos de estudo. Destes indivíduos 36,84% possuía uma renda mensal de 1 a 4 salários mínimos, e 43,42% uma renda de 4 à 10 salários mínimos.

O presente estudo implicou na aplicação do teste das figuras complexas de Rey (Rey, 1999), em dois momentos, com um intervalo de três meses entre as aplicações. No primeiro momento foi aplicado o instrumento no número total de sujeitos. Na reavaliação conseguiu-se aplicar em 58,5% da amostra inicial, constituindo um n=85.

Material Para a avaliação da memória recente utilizou-se a Figura Complexa de Rey forma A. Este instrumento foi desenvolvido por André Rey em 1942 e consiste em um cartão com um desenho geométrico complexo em preto e branco (Rey, 1999).

As Figuras Complexas de Rey (1999) reúnem as seguintes propriedades: ausência de significado evidente; fácil realização gráfica; estrutura de conjunto suficientemente complicada de forma a exigir uma atividade analítica e de organização. A Figura Complexa de Rey é composta de 18 unidades que juntas formam o todo da figura, sendo pontuadas de 0 à 36 pontos.

O objetivo é avaliar o modo como o indivíduo apreende os dados perceptivos que lhe são fornecidos e o que foi conservado espontaneamente pela memória. Observando a forma como o sujeito copia a figura pode-se conhecer até certo ponto, a sua atividade perceptiva. A reprodução efetuada depois de tirado o modelo dá-nos indicação sobre o grau e fidelidade de sua memória visual que, deste modo se pode comparar com o modo de percepção definido.

O instrumento utilizado para a avaliação da severidade da dependência do álcool foi o SADD (Jorge & Masur, 1986). Este consiste em um questionário auto-aplicável, composto por 15 itens, sendo que estes se referem aos fatores relacionados com o consumo de bebidas alcoólicas. Possui 4 alternativas de respostas (0 à 3) e conforme o total de pontos obtidos o paciente é classificado da seguinte forma: 1-9 pontos=baixa dependência; 10-19 pontos=dependência moderada; 20-45 pontos=dependência grave.

Procedimentos Primeiramente entrou-se em contato com as direções de duas instituições especializadas em dependência química, apresentando-se o projeto para as comissões de ética. Após este contato, passou-se a coleta de dados nestes locais.

Todos os pacientes que participaram da pesquisa, receberam informações sobre o que seria avaliado, e que haveria uma segunda avaliação dentro do período de três meses. Os pacientes que decidiam participar da pesquisa, assinavam um termo de consentimento informado, como comprovante de sua participação intencional no estudo. A aplicação do instrumento era feita de forma individual, em sessão única e o pesquisador instruía verbalmente como se desenvolveria a mesma.

RESULTADOS

Com o propósito de verificar uma provável diferença de desempenho no teste da Figura complexa de Rey (1999), entre a primeira e a segunda aplicação, foi utilizado o teste estatístico Wilcoxon (n=85), pois o tipo de delineamento proposto implica que o mesmo indivíduo seja submetido à uma aplicação do teste da figura de Rey em dois momentos, com um período de três meses entre os mesmos (ver Figura 1). No que tange à atividade perceptiva dos participantes, encontrou-se um valor de estatística de teste igual à T=-1,42, que implica num valor (p=0,15), o que permite afirmar que não existe diferença estatisticamente significativa entre a primeira e a segunda aplicação do teste da figura de Rey, no que se refere à esta variável.

Figura 1.
Desempenho no teste da figura de Rey

Quanto à memória, encontrou-se um valor de estatística de teste igual à T=-5,81, que implica num valor (p=0,0001), o que nos permite afirmar que existe diferença significativa entre os resultados da primeira e da segunda aplicação do teste da figura de Rey no que se refere à esta variável.

No que se refere ao grau de severidade da dependência alcoólica demonstrado pelos sujeitos através do instrumento SADD, verificou-se que 72% dos sujeitos apresenta dependência grave do álcool, e 28% apresenta dependência moderada (n=152). Nenhum sujeito pontuou este instrumento na categoria leve. Os sujeitos que, de acordo com o SADD, apresentaram um nível de alcoolismo moderado, não apresentaram melhoras significativas no que se refere ao fator cópia no segundo momento da aplicação do teste Figura Complexa de Rey. Quanto à memória imediata, que foi avaliada por este mesmo instrumento, ocorreram diferenças significativas entre o desempenho dos sujeitos na primeira e na segunda aplicação (p=0,004), indicando uma melhora nesta função cognitiva. Nos sujeitos com dependência alcoólica grave, constatou-se que não houveram diferenças significativas no fator cópia entre as duas aplicações. Entretanto, no que se refere à memória, houveram diferenças significativas (p=0,0001), indicando uma melhora nesta função cognitiva.

No que tange à manutenção da abstinência dos sujeitos durante o intervalo de três meses entre as duas aplicações da Figura de Rey, constatou-se que 66,3% dos sujeitos manteve-se abstinente, e 33,7% recaiu. E os sujeitos que mantiveram-se abstinentes durante o intervalo entre as duas aplicações do teste Figuras Complexas de Rey, apresentaram melhoras significativas tanto no fator cópia (p=0,008) quanto no fator memória (p=0,0001). Os sujeitos que não mantiveram-se abstinentes no mesmo período, não apresentaram melhoras significativas em relação à variável cópia, porém, apresentaram melhoras pouco significativas quanto à variável memória (p=0,02).

DISCUSSÃO

A partir dos resultados encontrados, pôde-se avaliar longitudinalmente as mudanças que ocorreram na memória de alcoolistas em tratamento. Em primeiro lugar, observou-se a existência de uma importante recuperação desta função para toda a amostra estudada. O que vai ao encontro de outros achados, e sugere que mudanças cognitivas estão relacionadas com o decréscimo no uso de álcool (Ackermann, Mann, Gunther, & Stetter, 1999; Swstzwelder, Pyapali, & Turner, 1999).

Constatou-se melhoras significativas na memória imediata dos sujeitos que possuem grau de severidade alcoólica moderado. Porém esta melhora foi mais intensa entre os sujeitos que possuem um grau de severidade alcoólica grave.

Uma possível explicação para este fato, é que no momento da primeira avaliação, os sujeitos com dependência grave, estavam com esta função cognitiva mais prejudicada do que os sujeitos com dependência moderada (Brown & Tapert, 2000; Hohmann, Savage, & Candon, 2000; Marlatt, Blume, & Schmaling, 2000; Pfefferbaum, Sullivan, & Rosenbloon, 2000). E três meses depois, houve uma homogeneização no desempenho desta função para os dois grupos. Isto está de acordo com o que afirmam estudos anteriores, de que a performance cognitiva começa a melhorar durante as três primeiras semanas de abstinência (Ackermann, Mann, Gunther, & Stetter, 1999; Arias, Santin, & Rubio, 2000; Langlais & Ciccia, 2000; Pfefferbaum, Sullivan, & Rosenbloon, 2000), ou por períodos um pouco mais longos (Swstzwelder, Pyapali, & Turner, 1999).

Outro aspecto que prejudicou a memória dos participantes com dependência severa na primeira aplicação do teste, foi a existência de resquícios mais intensos da síndrome de abstinência alcoólica, o que pode ter prejudicado a função cognitiva da memória (Arias, Santin, & Rubio, 2000; Langlais & Ciccia, 2000).

Os participantes que mantiveram-se sem ingerir álcool durante o intervalo entre as duas avaliações, apresentaram melhora em sua atividade perceptiva e de memória. Os participantes que ingeriram álcool, ainda que em pequenas quantidades, demonstraram melhoras somente na função memória, sendo que esta melhora foi mais branda quando comparada com a dos participantes que mantiveram-se em abstinência no mesmo período. Este fato está em consonância com a afirmação de que possíveis disfunções cerebrais ligadas ao álcool são reversíveis, após um período de abstinência (Arias, Santin, & Rubio, 2000; Pfefferbaum, Sullivan, & Rosenbloon, 2000).

Sugere-se como tema para futuros trabalhos, a investigação mais detalhada do padrão de ingestão alcoólica, e a sua influência na recuperação da memória imediata. Propõe-se também que se avalie a recuperação da memória durante períodos mais longos de abstinência, abordando-se de forma mais rigorosa os prejuízos de memória causados pela dependência alcoólica.

REFERÊNCIAS

Ackermann, K., Mann, K., Gunther, A., & Stetter, F. (1999). Rapid recovery from cognitive deficits in abstinent alcoholics: A controlled test-retest study. Alcohol-Alcohol, 34, 567-574.

Arias, J.L., Santin, L.J., & Rubio, S. (2000). Effects of chronic alcohol consumption on spatial reference and working memory tasks. Alcohol, 20,149-159.

Bates, M. (1997). Stability of neuropsychological Assessments Early in Alcoholism Treatment. Journal of studies on alcohol, 58 (6),617-622.

Brown, S., Tapert, S.F., Brown, G.G., et al. (2001). Measurement of brain dysfunction in alcohol-dependent young women. Alcohol Clinical Experimental Research, 25, 236-245.

Brown, S., & Tapert, S.F. (2000). Substance dependence, family history of alcohol dependence and neuropsychological functioning in adolescence. Addiction, 95, 1043-1053.

Evert, D., &Oscar-Berman, M. (1995). Alcohol-related cognitive impairment. Alcohol, Health & Research World, 19 (2), 183-187 Hohmann, H.L., Savage, L.G., & Candon, P.M. (2000). Alcohol-induced brain pathology and behavioral dysfunction: Using na animal model to examine sex differences. Alcohol Clinical Experimental Research, 24, 465-475.

Jorge, M.R., & Masur, J. (1986). Questionários padronizados para a avaliação do grau de severidade da síndrome de dependência do álcool. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 35, 287-292.

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Lezak, M. (1995). Neuropsychological Assessment. New York: Oxford University Press.

Marlatt, G.A., Blume, A.W., & Schmaling, K.B. (2000). Executive cognitive function and heavy drinking behavior among college students. Psychological Addictive Behavior, 14, 299-302.

Pfefferbaum, A., Sullivan, E.V., & Rosenbloon, M.J. (2000). Pattern of motor and cognitive deficits in detoxified alcoholic men. Alcohol Clinical Experimental Research, 25, 611-621.

Rey, A. (1999). Manual: Figuras Complexas de Rey. Casa do Psicólogo: São Paulo.

Swstzwelder, H.S., Pyapali, G.K., Turner, D.A., et al. (1999). Age and dose-dependent effects of ethanol on the induction of hippocampal long-term potentation. Alcohol, 19, 107-111.

Yudofsky, S.C., & Hales R.E. (1996). Compêndio de neuropsiquiatria. Porto Alegre: Artes Médicas.

Zlotnick, C., & Agnew, J. (1997). Neuropsychological function and psychosocial status of alcohol rehabilitation program residents. Addictive Behaviors, 22, 183-194.

Margareth da Silva Oliveira1, Ronaldo Laranjeira2, & Antônio Jaeger1
laranjeira[arroba]uniad.org.br
1. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Pós Graduação em Psicologia Porto Alegre – Brasil.
2. Universal Federal de São Paulo (UNIFESP) São Paulo – Brasil



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