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Incidência sazonal de perfuração e sangramento grave por úlcera péptica (página 2)

Lucyr J. Antunes

CASUÍSTICA E MÉTODO

Este trabalho retrospectivo foi realizado em prontuários de 735 pacientes seguidos, que receberam tratamento em peritônio livre para hemorragia grave e perfuração decorrentes de úlcera péptica, no Hospital das Clínicas da UFMG e no Hospital João XXIII da FHEMIG, em Belo Horizonte, no período de 1980 a 1990. Todos os pacientes foram identificados de acordo com a idade, o sexo e a cor da pele. Foram consideradas as úlceras pépticas localizadas no estômago e no duodeno. Essas complicações foram comparadas separadamente, de acordo com sua incidência durante os quatro trimestres do ano.

Foram excluídos os pacientes que não se enquadravam perfeitamente nesse protocolo ou quando houve dúvida relativa aos parâmetros estudados.

Os resultados foram comparados por meio do teste quiquadrado. As diferenças foram consideradas significativas para valores correspondentes a p<0,05.

RESULTADOS

A maioria das complicações ocorreu em homens, 621 (84,5%), em comparação com as 114 (15,5%) em mulheres (p<0,001). A idade média dos homens, 38,6 ± 16,2 anos, foi menor do que os 48,4 ± 19,9 anos das mulheres (p<0,001).

A Tabela 1 apresenta a identificação dos pacientes e a localização das úlceras de acordo com as adversidades estudadas. As perfurações, 558 (75,8%) casos, foram complicações mais freqüentes do que as hemorragias graves, 194 (26,5%) casos (p<0,01). Tratamento concomitante para ambas as complicações foram registradas em 17 (2,3%) dos pacientes. A idade média dos pacientes com perfurações (37,9 ± 16,0) foi menor do que aquela dos pacientes com hemorragia (47,7 ± 19,0) (p<0,001). As perfurações ocorreram predominantemente em pacientes feodérmicos (p<0,001), em comparação com a incidência dos grupos étnicos na população do Estado de Minas Gerais (Tabela 1)(8). Os pacientes que complicaram com hemorragia eram predominantemente leucodérmicos.

A Tabela 2 apresenta a incidência das complicações durante os quatro trimestres de um período de dez anos. As perfurações ocorreram mais no terceiro trimestre, especialmente em agosto (10,6%), e em menor número no segundo trimestre, com a menor incidência em maio (6,1%). As hemorragias têm prevalência no segundo trimestre, principalmente em abril (13,4%), sendo mais raras no primeiro trimestre, com a menor incidência em fevereiro (5,7%).

Tiveram perfuração e hemorragia, 17 pacientes.

A localização das úlceras não foi registrada em 52 casos.

* p < 0,001.

DISCUSSÃO

As controvérsias na literatura relacionadas à avaliação da periodicidade das complicações de úlceras pépticas são devido à sua especificidade, ao avaliarem apenas dor(1,2,7,9), sangramento(3,6) ou perfuração(4). Entretanto, de acordo com o presente estudo, a incidência de sangramentos graves e perfurações em cavidade livre foi diferente de acordo com as estações do ano. É importante ressaltar que o Estado de Minas Gerais não apresenta grandes variações climáticas, com temperaturas que variam em média entre 15 e 33oC. Portanto, mudanças climáticas, tendo o frio por base, não foram confirmadas como fator relacionado a complicações agudas graves da úlcera péptica. Também não se encontrou influência de festas ou comemorações populares em que há abuso alimentar e etílico nas adversidades decorrentes dessa doença.

A periodicidade das úlceras não é bem compreendida, apesar de ser um evento conhecido por suas repercussões clínicas e operatórias(10-12). Outro fato relevante relacionado à úlcera péptica concerne à secreção ácida e ao pepsinogênio sérico que são também sazonais(9). Nesse sentido, ressalta-se que a hipersecreção ácida associada a fatores genéticos, psicossomáticos e de diminuição da resistência da mucosa constituem a síndrome da úlcera péptica.

Acredita-se que a menor incidência de complicações em mulheres seja devido ao provável efeito protetor exercido pelos hormônios femininos(21). Por outro lado, quando ocorrem adversidades da doença ou de seu tratamento cirúrgico, elas são muito mais graves no sexo feminino.

Quanto à cor da pele e idade, não foi possível explicar as prevalências encontradas, considerando que a literatura não traz subsídios sobre esse assunto.

Concluindo, a perfuração ocorre mais freqüentemente do que a hemorragia grave, sendo ambas mais comuns em homens. As características epidemiológicas dessas afecções são diferentes e cada uma delas está mais relacionada a determinadas estações do ano. As perfurações ocorreram mais no terceiro trimestre e em menor número no segundo trimestre, enquanto as hemorragias têm prevalência no segundo trimestre, sendo mais raras no primeiro trimestre.

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Andy Petroianu; Marcelo de Souza Marques; Renata Indelicato Zac
petroian[arroba]medicina.ufmg.br

Andy Petroianu
Professor titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais (UFMG). Docente livre da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Docente livre da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-EPM). Doutor em Fisiologia e Farmacologia ICB, UFMG. Pesquisador IA do CNPq.

Marcelo de Souza Marques
Renata Indelicato Zac

Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.

Trabalho realizado no Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
Av. Alfredo Balena, 110 - CEP 30130-100 - Belo Horizonte - MG.

Recebido para publicação em 03/2003. Aprovado em 10/2003.

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