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Influência da esplenectomia na capacidade física em ratos (página 2)

Lucyr J. Antunes

Método

O presente trabalho foi realizado de acordo com as recomendações das Normas Internacionais de Proteção aos Animais e do Código Brasileiro de Experimentação Animal (1988) e foi aprovado pela Comissão de Ética do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Foram utilizados 36 ratos Wistar adultos, de ambos os sexos, com peso inicial entre 150 e 250 gramas, procedentes do Biotério do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG e acondicionados no Biotério da Faculdade de Medicina da UFMG.

Os animais foram alocados em gaiolas apropriadas, com até cinco animais por gaiola, à temperatura ambiente de 25°C e fotoperíodo de 12 horas de claro e 12 horas de escuro, e foram acompanhados diariamente. Eles receberam água e ração balanceada padrão para ratos, à vontade. Os animais foram distribuídos aleatoriamente nos seguintes grupos:

Grupo 1 (n = 8) - fêmeas esplenectomizadas
Grupo 2 (n = 8) - fêmeas controle
Grupo 3 (n = 10) - machos esplenectomizados
Grupo 4 (n = 10) - machos controle

Os procedimentos operatórios foram conduzidos sob anestesia com éter etílico. As operações foram realizadas por meio de laparotomia mediana de aproximadamente quatro centímetros de comprimento. Os animais dos Grupos 1 e 3 foram submetidos a esplenectomia total, com a retirada do baço, após ligadura de seu pedículo vascular. Nos Grupos 2 e 4, o procedimento cirúrgico limitou-se a laparotomia mediana, nas mesmas condições dos Grupos 1 e 3, com a mobilização, mas sem a remoção do baço. A cavidade abdominal dos ratos foi fechada em dois planos de sutura contínua, utilizando-se fio de náilon 4-0.

Após o período de recuperação cirúrgica, de aproximadamente 120 dias, avaliou-se a capacidade física dos ratos, mediante corrida em esteira elétrica à velocidade de 24 metros por minuto e 12° de inclinação, até a exaustão do animal.

Antes da corrida definitiva, os ratos foram submetidos a um processo de adaptação ao exercício e ao ambiente, durante três dias. Esse treinamento consistiu em corridas diárias de três minutos, com velocidade variável, que era aumentada a cada 30 segundos, até atingir a velocidade máxima de 24 metros por minuto. A inclinação da esteira não foi alterada. A corrida definitiva foi realizada a partir do quarto dia, durante o período da tarde, seguindo a velocidade e a inclinação adotadas no treinamento. O exercício foi cronometrado até a exaustão do animal. Após o período de acompanhamento e a avaliação do desempenho físico, os animais foram mortos com dose letal de éter.

Utilizou-se o coeficiente de correlação linear de Pearson, para avaliar a influência da elevação progressiva do peso dos ratos no tempo de atividade física. Posteriormente, o tempo de corrida nos diferentes grupos foi avaliado pelo teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov (KS) para testar a distribuição gaussiana dos dados. Para comparação dos tempos de corrida até a exaustão entre o Grupo controle e esplenectomizado e entre os sexos, utilizou-se o teste t de Student. Valores correspondentes a p < 0,05 foram considerados significativos.

Resultados

Todos os animais sobreviveram durante o período do treinamento e do experimento, sem intercorrências. Não foram verificadas adversidades durante a mensuração da capacidade física que era levada até a exaustão. Os animais recuperavam-se rapidamente após um período de descanso.

O peso e o tempo médio de corrida de cada grupo, encontram-se na Tabela 1. Todos os grupos apresentaram valores com distribuição de tempo dentro da curva normal (p > 0,10) (distância KS: 0,1696 para Grupo 1; 0,2152 para Grupo 2; 0,1131 para Grupo 3 e 0,3724 para Grupo 4). Observou-se que os machos esplenectomizados correram por mais tempo que os machos do grupo controle (p = 0,032). Não houve diferença entre as fêmeas esplenectomizadas e as do Grupo controle (p = 0,664). A diferença entre os tempos não foi significativa entre os sexos, apesar de as fêmeas terem apresentado uma tendência a maior resistência física que os machos (p = 0,259), no Grupo controle, e o inverso ter acontecido no grupo de animais esplenectomizados (p = 0,1548).

A avaliação estatística mostrou que não houve influência do peso dos ratos no tempo de atividade física (p = 0,359 para o Grupo 1, p = 0,432 para o Grupo 2, p = 0,381 para o Grupo 3 e p = 0,425 e p = 0,6469 para o Grupo 4, segundo coeficiente de Pearson).

Discussão

A esplenectomia tem como pior conseqüência a sepse fulminante, que pode levar à morte em poucas horas, até pessoas jovens e previamente hígidas.7,8 No entanto, a atuação do baço não se restringe ao sistema de defesa, mas também atua em outros processos fisiológicos, como o metabolismo lipídico e de bilirrubinas.9 Esse órgão é também importante no controle dos elementos sangüíneos, em especial leucócitos e plaquetas, que são armazenados em seu parênquima.

No que se refere ao desempenho físico, a maior parte dos estudos é realizada em cães e eqüinos. A influência da contração esplênica na hemodinâmica, durante o exercício, é mediada por receptores alfa-adrenérgicos. Dessa forma, os antagonistas desses mediadores e a esplenectomia fazem com que não haja aumento da hemoglobina circulante e do aporte de oxigênio aos tecidos (VO2), durante o exercício físico.10-14 Tal situação contribui ou não previne o desvio do metabolismo aeróbico para anaeróbico, provocando acidose metabólica.10,15,16 Outras alterações hemodinâmicas, em cães esplenectomizados submetidos a teste de natação, incluem o aumento do ritmo de filtração glomerular,17 maior resposta adrenérgica com vasoconstrição e elevação do débito cardíaco e da pressão arterial.18,19

Alguns estudos realizados em eqüinos mostraram que o baço corrobora para o aumento do aporte de oxigênio ao metabolismo aeróbico.20,21 Esse fenômeno aumenta o hematócrito de cavalos não-esplenectomizados.22 Kunugiyama et al (1997) observaram em cavalos não submetidos a esplenectomia decréscimo no volume plasmático, provavelmente por falta de liberação do sangue esplênico.23,24 Por outro lado, há um reduzido número de trabalhos que avaliaram a influência da esplenectomia no desempenho físico em animais ou seres humanos.

Em oposição ao que se poderia esperar, no presente estudo, os ratos machos esplenectomizados tiveram um desempenho físico melhor do que os machos normais. Nas ratas, a diferença não foi significativa, apesar de as esplenectomizadas também terem corrido por mais tempo. As alterações fisiológicas circulatórias após a esplenectomia em ratos são pouco estudadas. Kaufman e Deng (1993) observaram, em resposta à expansão do espaço intravascular, um aumento da filtração sangüínea esplênica.25 Entretanto, não foram encontrados trabalhos que correlacionassem a esplenectomia e a atividade física a parâmetros, como o hematócrito ou a concentração arterial de oxigênio.

Pela diferença observada na atividade física entre os sexos, pode-se pressupor que haja influência dos hormônios sexuais no papel exercido pelo baço no desempenho físico. Nesse sentido, há trabalhos que mostram as ações dos hormônios androgênicos principalmente na parte imunitária do baço. Aparentemente, a testosterona tem um efeito imunodepressor após trauma e choque hemorrágico.26,27,28 Skarda (2003) observou que o peso do baço diminui após a injeção do antagonista androgênico ciproterona.29 Contudo, Sfikakis et al (1998) observaram que alterações nos níveis circulantes de testosterona não interferem no peso ou no crescimento do baço.30 Esteróides anabolizantes estimulam a ação hematopoética de células-tronco e aumentam a atividade de linfócitos e macrófagos esplênicos.31,32 Esses efeitos são, em geral, mediados por citocinas secretadas pelas células esplênicas, que também podem atuar na atividade física.

Em seres humanos, os estudos com radiofármacos mostraram que a contração esplênica durante o exercício físico era responsável pela liberação de plaquetas e hemácias para a circulação.33,34 Todavia, o baço é apenas parcialmente responsável por esses efeitos. Não obstante, Baum et al (1996) observaram que os indivíduos normais corriam mais e apresentavam níveis de ácido lático e de catecolaminas maiores que os indivíduos esplenectomizados.3 Schagatay et al (2001) verificaram que pacientes não-esplenectomizados tiveram aumento de seu hematócrito e suportaram maior tempo em apnéia, corroborando para um possível papel da contração esplênica.35

Pelo exposto, o baço possui importante papel na hemodinâmica durante o exercício físico para animais, como cão e cavalo. As alterações induzidas pela esplenectomia em ratos e em humanos, com relação ao desempenho físico, não estão totalmente elucidadas. No presente trabalho, observou-se que a esplenectomia aumentou a resistência física dos ratos.

Conclusão

A retirada do tecido esplênico melhorou o desempenho físico de ratos machos, possivelmente por um mecanismo relacionado ao metabolismo esplênico e mediadores endócrinos sexuais.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq e à Fapemig pelos auxílios financeiros que permitiram a realização deste trabalho.

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Departamento de Cirurgia, Faculdade de Medicina. Universidade Federal de Minas Gerais

Daniel A. M. CaldeiraI; Renata F. RochaII; Luiz R. AlbertiIII; Andy PetroianuIV
petroian[arroba]medicina.ufmg.br
I Residente de Cirurgia do Hospital do Instituto de Previdência Social de Minas Gerais
II Acadêmica da Faculdade de Medicina da UFMG, bolsista de Iniciação Científica da Fapemig
III Cirurgião geral, Mestre em Medicina pelo Depto. de Cirurgia - UFMG, Residente de Cirurgia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG
IV Professor titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina,UFMG, Docente-livre de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da Escola Paulista de Medicina, Unifesp, Docente-livre de Gastroenterologia Cirúrgica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP, Doutor em Fisiologia e Farmacologia pelo Instituto de Ciências Biológicas, UFMG, Pesquisador IA do CNPq
Endereço para correspondência
Dr. Andy Petroianu
Av. Afonso Pena, 1626 – ap. 1901
30130-005 – Belo Horizonte, MG



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