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Mudanças nos padrões epidemiológicos das úlceras pépticas nos últimos 20 anos (página 2)

Lucyr J. Antunes

Casuística e método

O presente estudo retrospectivo e aleatório foi realizado com base em prontuários seguidos do Serviço de Gastroenterologia, Nutrição e Cirurgia do Aparelho Digestivo (GEN-CAD) do Hospital das Clínicas da UFMG, em que se registrou o diagnóstico de úlcera péptica, na década de 1970 (n=171), grupo 1, e na década de 1990 (n=186), grupo 2. Não houve qualquer seleção desses prontuários. Os diagnósticos foram confirmados por dados da história clínica associados a radiografia contrastada de esôfago, estômago e duodeno, bem como endoscopia digestiva.

Pesquisou-se a identificação dos doentes por sexo, cor da pele (leucodérmicos, feodérmicos, melanodérmicos), profissão e localização da úlcera péptica (gástrica, duodenal).

Foram excluídos os pacientes que não se enquadraram perfeitamente nesse protocolo ou quando houve qualquer dúvida relativa aos parâmetros estudados. Os resultados foram comparados por meio do teste quiquadrado. O desvio padrão foi calculado para todas as variáveis em estudo. As diferenças foram consideradas significativas para valores maiores aos correspondentes a P< 0,05.

Resultados

Foram encontrados no grupo 1, 134 homens (78,3%) e 37 mulheres (21,7%) em uma proporção homem/mulher de 3,6:1. Já no grupo 2 houve 119 homens (63,9%) e 67 mulheres (36,1%), perfazendo uma proporção homem/mulher de 1,8:1. A diferença entre os dados comparativos das duas décadas é significativa (P<0,05), constituindo um aumento real de mulheres com úlcera péptica.

Quanto à cor da pele, o grupo 1 foi constituído por 98 (57,3%) doentes leucodérmicos, 59 (34,5%) feodérmicos e 14 (8,2%) melanodérmicos em uma proporção de 7,0: 4,2: 1,0. No grupo 2, 88 (47,3%) doentes eram leucodérmicos, 45 (24,1%), feodérmicos e 53 (28,6) melanodérmicos, em uma proporção de 2,0: 1,0: 1,2. Percebe-se um significativo aumento (P<0,01) dos melanodérmicos em relação às demais cores da pele.

A Tabela 1 indica as profissões encontradas nos dois grupos em estudo. Observou-se uma diminuição significativa do número de lavradores. Por outro lado, os aposentados predominaram entre os homens do grupo 2.

No grupo 1 houve 137 úlceras duodenais e 34 úlceras gástricas, em uma proporção de 4:1. Já no grupo 2, 129 doentes eram portadores de úlcera duodenal e 57 de úlceras gástricas, em uma proporção de 2,3:1. O aumento da proporção de úlceras gástricas também foi significativo (P<0,05).

 

Discussão

A despeito do grande número de trabalhos voltados para a úlcera péptica, essa doença continua sendo um desafio médico-científico e ainda há muitos fatores relacionados a essa afecção que precisam ser melhor compreendidos(2,5,10,11,13,14,15).

A diminuição na proporção entre homens e mulheres com úlcera péptica talvez não se deva a um declínio na incidência dessa afecção em homens. Por causa da similaridade dos hábitos entre ambos os sexos e sua atividade social e profissional cada vez mais parecida, pode-se pressupor que as mulheres incorram nos mesmos riscos de desenvolver úlceras pépticas que os homens. Segundo Wang e col.(15), há uma elevada prevalência de tabagismo (80%) em pacientes portadores de úlceras pépticas, porém sua morbidade se reduz após a suspensão do vício. Como o número de mulheres que passaram a fumar foi maior do que o dos homens nas últimas duas décadas, é possível que esse fato, aliado a tensões emocionais, contribua para o aumento de mulheres ulcerosas. Essa mudança de comportamento feminino ocorreu ao mesmo tempo que aumentou seu ingresso no mercado de trabalho, submetendo-se, assim, à dupla jornada de trabalho: profissional e doméstica. Entretanto, no presente trabalho, não há subsídios para sustentar essa última afirmação, já que a maior parte das mulheres com úlcera em ambos os grupos estudados foi de profissionais do lar.

A distribuição dos casos por cor da pele mostrou o predomínio de úlceras pépticas entre os leucodérmicos tanto para o grupo 1 quanto para o grupo 2, e uma incidência crescente entre os melanodérmicos. Ao se compararem esses dados com os da população de Minas Gerais (leucodérmicos 57%, feodérmicos 34% e melanodérmicos 8%)(11,12), verifica-se a possibilidade de existirem fatores quanto à cor da pele que se relacionem a esse aumento verificado entre os melanodérmicos. As diferenças entre as cores não podem ser atribuídas à amostragem do hospital em estudo, já que se trata de um hospital de referência para todas as classes sociais e seu atendimento se faz na mesma proporção de cor da pele encontrada na população do Estado de Minas Gerais, conforme resultado de pesquisa anterior (12). Percebe-se que o predomínio dos pacientes leucodérmicos se deve à maior proporção dessa cor da pele na população mineira. Já a elevação dos melanodérmicos é significativa e supera em muito a proporção populacional. Entre as hipóteses para essa situação, está a progressiva inclusão de pessoas melanodérmicas no mesmo mercado de trabalho, antigamente mais restrito aos leucodérmicos. Tal posição pode eventualmente elevar também fatores ulcerogênicos(4,5).

A diminuição dos casos de úlcera péptica entre os lavradores está provavelmente relacionada ao processo de urbanização social. Sabe-se que, principalmente a partir da década de 1970, houve um aumento significativo nas taxas de êxodo rural. Um outro ponto interessante foi o aumento de aposentados no grupo atual de ulcerosos. O Brasil, em seu processo de envelhecimento populacional, vem aumentando a proporção de aposentados. Em contrapartida, a situação econômica das pessoas aposentadas piorou consideravelmente nos últimos anos, obrigando os idosos a permanecer ou voltar ao trabalho(2,8,13).

O aumento de úlceras gástricas registradas no presente trabalho está de acordo com os dados da literatura que apresenta declínio das úlceras duodenais e elevação na incidência das gástricas, tanto para o sexo masculino quanto para o feminino. Não encontramos explicações para esse fenômeno.

Concluindo, nos últimos 20 anos, houve mudanças nas características epidemiológicas da úlcera péptica tanto sob aspecto de sexo, cor da pele e profissão quanto na localização da úlcera.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq e Fapemig pelos auxílios financeiros que permitiram a realização deste trabalho.

Bibliografia

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2. Petroianu A., Lázaro da Silva A., Vieira da Silva S. - Resultados tardios da vagotomia, antrectomia e anastomose gastroduodenal na curvatura gástrica menor para tratamento da úlcera péptica. Rev Col Bras Cir 1997; 34: 305-9.

3. Lázaro da Silva A., Petroianu A. - Estudo comparativo entre os controles radiológicos de trânsito gastrointestinal com contraste iodado e baritado, em pacientes submetidos a vagotomia, antrectomia e anastomose gastroduodenal em nível da curvatura menor, por úlcera cloridropéptica. An Fac Med Univ Fed Minas Gerais 1985; 34: 13-20.

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13. Lázaro da Silva A., Petroianu A. - Alterações radiológicas pós-operatórias da vagotomia troncular, antrectomia parcial e anastomose gastroduodenal na pequena curvatura devido a defeitos de técnica. Rev Col Bras Cir 1979; 6: 61-6.

14. Petroianu A., Lázaro da Silva A., Silva S.V. - Estudo crítico da vagotomia, antrectomia e anastomose gastroduodenal na curvatura menor para tratamento da úlcera péptica. GED 1995; 14: 223-4.

15. Wang J.Y., Liu S.B., Chen S.Y. -Risk factors for peptic ulcer in Shanghai. Int J Epidemiol 1996; 25: 638-43.

Andy Petroianu; Sara Vieira da Silva; Luiz Ronaldo Alberti
petroian[arroba]medicina.ufmg.br

Andy Petroianu
Professor titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Livre-docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo (USP). Livre-docente da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM). Doutor em Fisiologia e Farmacologia, pesquisador IA do CNPq.

Sara Vieira da Silva
Residente de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.

Luiz Ronaldo Alberti
Acadêmico de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - Av. Alfredo Balena, 190
CEP 30130-100 - Belo Horizonte - MG.
Endereço para correspondência:
Professor Andy Petroianu - Av. Afonso Pena, 1626
apto. 1901 - Telefax: (31) 3274-7744
CEP 30130-005 - Belo Horizonte - MG.



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