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Reabertura do piloro gastroduodenal após sua cerclagem, em ratos (página 2)

Lucyr J. Antunes

MÉTODO

Este trabalho seguiu as normas do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal e foi aprovado pela Comissão de Ética do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG.

Foram estudados trinta ratos da raça Holtzman, que permaneceram confinados em gaiolas apropriadas com cinco animais por gaiola 16 e livre acesso à água e ração.

Os animais foram distribuídos aleatoriamente em três grupos (n = 10), de acordo com o material do fio 4-0 utilizado para o fechamento do piloro e confecção da anastomose gastrojejunal:

Grupo 1 - polipropileno (Prolene, Ethicon),
Grupo 2 - ácido poliglicólico (Dexon, Ethicon),
Grupo 3 - categute simples. (Ethicon).

Cada grupo foi dividido em dois subgrupos (n = 5):

A – sem vagotomia troncular,
B – com vagotomia troncular.

As operações foram conduzidas sob anestesia com éter sulfúrico. As cirurgias foram realizadas através de laparotomia mediana.

Nos animais submetidos à vagotomia, foi realizada inicialmente a secção troncular do vago ao nível da junção esofagogástrica14. Em seguida, todos os animais foram submetidos à confecção da anastomose gastrojejunal pré-cólica isoperistáltica látero-lateral com um centímetro de comprimento e sutura contínua em plano único, utilizando o fio proposto para o grupo a que o rato pertencia. O piloro foi ocluído com um ponto transfixante, utilizando o mesmo fio da anastomose (Figura 1).

Os animais foram submetidos a estudos radioscópicos contrastados, sob anestesia com éter sulfúrico, a cada sete dias, até a constatação de trânsito pilórico. O estudo radiográfico constou de injeção de 8 ml de sulfato de bário diluído a 50% (Bariogel®), através de cateter orogástrico 6 Fr. Observou-se, à radioscopia, o trânsito digestório por até dois minutos17, 18. Em seguida, ele era registrado em radiografia.

Decorrido o período de acompanhamento, os animais foram mortos com dose excessiva de éter sulfúrico. As regiões pilórica e da anastomose foram retiradas e processadas para cortes histológicos, corados com hematoxilina e eosina. A análise histológica foi feita sem o conhecimento prévio do grupo a que a peça operatória pertencia. A intensidade do processo inflamatório foi avaliada por método semiquantitativo sob luz comum e polarizada. 19

Os parâmetros estudados foram comparados por meio dos testes de Kruskal- Wallis, qui-quadrado, análise de variância e Kaplan-Meier. As comparações entre os tipos de fios com relação ao tempo de abertura do piloro, intensidade da fibrose e infiltrados mono e polimorfonucleares foram realizadas pelo teste de Kruskal-Wallis. O teste de qui-quadrado e análise de variância foram utilizados para avaliar a relação entre os tipos de fio e a presença de células gigantes, identificação microscópica do fio cirúrgico e presença de células mononucleares, polimorfonucleares e atrofia da mucosa gástrica. O teste de Kaplan-Meier também analisou a presença de diferença entre os três tipos de fios em relação ao tempo de reabertura do piloro. Considerou-se o nível de significância para diferenças superiores a 95%. (p<0,05).

RESULTADOS

Os animais apresentaram boa evolução pós-operatória, sem alterações dos hábitos alimentares e de comportamento. A cavidade abdominal apresentou aderências entre a região pilórica e a face ínfero-medial do fígado, e entre a anastomose gastrojejunal, o omento maior e o cólon transverso.

De acordo com o método do presente trabalho, o fio inabsorvível de polipropileno manteve o piloro fechado por tempo superior ao dos fios absorvível de categute simples (p = 0,003) e o fio hidrolisável de ácido poliglicólico (p = 0,047). Não houve diferença entre os fios de categute simples e de ácido poliglicólico, em relação ao tempo de reabertura pilórica ( p = 0,113 ) (Tabela 1).

Houve a probabilidade de 40% e 60% de os animais dos grupos de ácido poliglicólico e categute simples, respectivamente, estarem com o piloro aberto após 11 a 20 dias da cerclagem, contra apenas 10% dos ratos do grupo com fio de polipropileno. O piloro permaneceu fechado após 30 dias em cinco animais do Grupo 1, com fio de polipropileno, um no Grupo 2, com fio de ácido poliglicólico, e nenhum no Grupo 3, com fio de categute simples.

Os fios foram vistos ao estudo histológico no Grupo 2, com ácido poliglicólico e Grupo 3, com categute simples, nas proporções de 80% e 50%, respectivamente. Ao exame com luz polarizada encontraram-se mais fios no Grupo 2, com ácido poliglicólico (90%), seguido pelo Grupo 3, com categute simples (50%) e Grupo 1, com polipropileno (20%), (p = 0,007).

A intensidade da fibrose na parede da região pilórica foi maior nos ratos operados com fio (hidrolisável) de ácido poliglicólico, em relação aos fios de categute simples (absorvível) e de polipropileno (inabsorvível) (p = 0,011). Também a intensidade do infiltrado inflamatório na parede da região pilórica foi maior nos ratos operados com fio (hidrolisável) de ácido poliglicólico, em relação aos fios de categute simples (absorvível) e de polipropileno (inabsorvível) (p < 0,05). Na região pilórica, a presença de células gigantes foi maior no Grupo 2, seguida pelo Grupo 3 e Grupo1.

A vagotomia não influenciou no tempo de reabertura do piloro. Entretanto, os animais vagotomizados tiveram menor reação inflamatória na mucosa gástrica da região pilórica, principalmente no grupo com fio de polipropileno. Entre os animais não vagotomizados houve maior reação inflamatória na parede da região pilórica principalmente naqueles operados com fio de ácido poliglicólico. Não foram encontradas outras diferenças em relação aos achados histológicos entre os dois subgrupos de cada grupo estudado.

DISCUSSÃO

Na literatura, há controvérsias sobre o tratamento do trauma duodenal com fechamento pilórico e desvio de trânsito digestório 5-7,10, 20, 21. O local onde é feita a anastomose 22 pode alterar a dinâmica do esvaziamento gástrico. Anastomoses próximas ao fundo do estômago dificultam o esvaziamento gástrico, aumentando a estase, quando houver oclusão piloroduodenal.

Contrariamente ao relato de outros autores, 10, 21 na presente pesquisa não se encontrou diferença entre os fios de ácido poliglicólico e categute simples, apesar de a média de permanência do fio de ácido poliglicólico ter sido maior. É possível que a diferença entre esses fios seja significativa com um número maior de animais. De qualquer maneira, com ambos os fios, o piloro manteve-se fechado durante períodos inferiores ao tempo de oclusão com o fio de polipropileno. Portanto, é preferível, conforme já ressaltado previamente 10, o uso de fio inabsorvível, que proporciona maior segurança ao tratamento da lesão duodenal, principalmente quando ocorrer fístula lateral10, 20 .

Os mecanismos de desaparecimento dos fios cirúrgicos e recanalização pilórica ainda não foram esclarecidos. Entretanto, os achados macro e microscópicos mostraram que o piloro reabre mesmo quando ocluído por fio inabsorvível. O local em que o piloro é suturado torna-se espessado, podendo englobar o fio em um processo de reação a corpo estranho, reduzindo sua resistência e iniciando a recanalização pilórica do centro da obstrução para a periferia, conforme foi observado em alguns animais deste trabalho e é relatado na literatura19. É possível também que o fio migre até a luz do duodeno e seja eliminado pelo trânsito digestório junto com as fezes. Neste estudo, não foi encontrado fio na luz gástrica ou duodenal.

As alterações da motilidade gástrica após vagotomia, descritas em outros estudos 18, não foram pesquisadas no presente trabalho, que visou apenas ao estudo da repercussão da denervação parassimpática na mucosa gastroduodenal perianastomótica.

Úlcera anastomótica não foi evidenciada no presente estudo, corroborando publicações 12 que indicavam que o pico de ulceração ocorria anos após a cirurgia em seres humanos 21. Entretanto, um trabalho experimental prévio,23 que analisou as alterações da mucosa gástrica na gastrojejunostomia após o fechamento pilórico, encontrou úlceras anastomóticas em um período inferior a trinta dias, tanto em anastomoses isoperistálticas como anisoperistálticas, sendo as alterações da mucosa gástrica mais intensas na região da anastomose e no grupo anisoperistáltico. É possível que o refluxo biliopancreático para o estômago seja responsável pelas alterações encontradas na mucosa perianastomótica e que estas não tenham sido influenciadas pela vagotomia.

Podemos concluir com este estudo que, na cerclagem do piloro gastroduodenal de ratos, não houve diferença entre os fios absorvíveis quanto ao tempo de sua reabertura, que ocorreu em um tempo menor ao verificado com o fio inabsorvível. O fio inabsorvível parece ser mais adequado para a manutenção do piloro fechado por um tempo mais prolongado, e não leva à oclusão pilórica permanente. A vagotomia não influencia no tempo de reabertura pilórica, mas acompanha-se de menor reação inflamatória perianastomótica.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Dra. Ana Paula Coutinho Bello pelo desenho esquemático. À Dra. Ana Cláudia Máximo de Almeida pela tradução do resumo para a língua inglesa. Somos gratos também ao CNPq e à FAPEMIG pelo auxílio finaceiro que possibilitou a realização deste trabalho.

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 Jorge Miguel Schettino CésarI; Andy Petroianu, TCBC-MGII; Agostinho Pinto GouvêaIII; Dierre Roberto AlvinIV
petroian[arroba]medicina.ufmg.br

Endereço para correspondência
Dr. Andy Petroianu
Av. Afonso Pena, 1626 – ap. 1901
30130-005 – Belo Horizonte, MG
Notas
I Cirurgião Geral; Cirurgião Torácico; Mestre em Cirurgia pela Faculdade de Medicina da UFMG
II Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG; Livre-Docente da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP; Livre-Docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP; Doutor em Fisiologia e Farmacologia – ICB–UFMG; Pesquisador 1A do CNPq
III Médico Patologista do Hospital das Clínicas da UFMG; Doutor em Patologia
IV Médico Radiologista do Hospital das Clínicas da UFMG; Membro do Colégio Brasileiro de Radiologia



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