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Influência da vitamina c e da hidrocortisona sobre a tensão anastomótica jejunal em ratos (página 2)

Lucyr J. Antunes

MÉTODOS

Foram estudados 40 ratos machos albinos da raça Wistar, pesando entre 200 e 400 gramas. Todo o experimento foi conduzido de acordo com as normas éticas para experimentação animal segundo a Declaração de Helsinki. O trabalho foi aprovado por Comissão de Ética da Faculdade de Medicina da UFMG.

Após anestesia inalatória com éter sulfúrico, foi realizada uma laparotomia mediana (3 cm de extensão). Identificado o segmento jejunal a 10 cm da flexura duodenojejunal, foi realizada sua secção. Confeccionou-se a anastomose jejunal término-terminal com pontos separados de categute 4-0. A parede abdominal foi fechada em dois planos com fio de polipropileno 3-0. Os ratos recuperaram-se espontaneamente da anestesia.

Os animais operados foram divididos aleatoriamente em 4 grupos (n=10):

  • Grupo I: controle, animais submetidos apenas a laparotomia;
  • Grupo II: anastomose jejunal e administração oral de vitamina C na dose de 100 mg/kg/dia;
  • Grupo III: anastomose jejunal e administração intraperitoneal de hidrocortisona na dose de 10 mg/kg/dia;
  • Grupo IV: anastomose jejunal e administração de vitamina C oral (100 mg/kg/dia) e hidrocortisona intraperitoneal (10 mg/kg/dia).

Tanto a vitamina C quanto a hidrocortisona foram iniciadas três dias antes da cirurgia e mantidas durante todo o período de acompanhamento pós-operatório.

Os animais foram avaliados diariamente. A vitamina C foi acrescentada à água oferecida aos animais, de acordo com resultado do projeto-piloto que determinou a quantidade média de água que os ratos ingeriam por dia (80 ml). Os frascos com água e vitamina C foram envolvidos com papel alumínio para evitar a ação da luz sobre a vitamina C. Os animais receberam água e ração para ratos à vontade.

Cada grupo de ratos foi subdividido em 2 subgrupos (n=5) para estudo no 5o e no 21o dias pós-operatórios. Nesses períodos, avaliaram-se as pressões de ruptura anastomótica por meio de um tensiômetro de mercúrio de três vias. A morte dos animais foi induzida com dose letal de éter.

Após desfazerem-se as aderências abdominais, com cuidado, foi retirado um segmento jejunal medindo 10 cm, tendo a anastomose em sua parte média. A parte distal desse segmento foi amarrada com fio de seda 2-0. Em sua parte proximal foi introduzida uma cânula de 1 cm conectada a um equipo de três vias que constituía o tensiômetro. As outras duas vias foram ligadas, a primeira a uma bomba de infusão com fluxo de ar controlável e a outra a uma coluna de mercúrio de 100 cm (Figura 1). O fluxo de ar foi calibrado para 150 bolhas por minuto, borbulhando a cânula em uma cuba com água. O segmento intestinal foi mergulhado 1 cm nessa cuba. Através da cânula introduzida no jejuno infundiu-se ar até a ruptura jejunal ser percebida pela saída de bolhas na água. Nesse momento, registrou-se o nível pressórico da coluna de mercúrio em cmHg.

Figura 1 - Tensiômetro de três vias para medida da ruptura da anastomose jejunal.

Os resultados foram comparados por meio dos testes t Student e qui-quadrado. As diferenças foram consideradas significativas para valores maiores aos correspondentes a P< 0,05.

RESULTADOS

Os animais evoluíram satisfatoriamente. O retorno do trânsito digestório foi confirmado desde o primeiro dia pós-operatório, pela presença de fezes nas gaiolas. Nenhuma deiscência anastomótica foi observada.

A Tabela 1 mostra os valores pressóricos médios da ruptura anastomótica no 5o e no 21o dias pós-operatórios. Observa-se que não houve diferenças entre as pressões encontradas nos grupos, apesar de a vitamina C influenciar favoravelmente a resistência dos grupos II e IV. A falta de diferença estatística pode ser devida ao pequeno número de animais em cada grupo.

Como era de se esperar, a resistência após 21 dias foi maior do que a encontrada após 5 dias nos grupos controle e submetido apenas a hidrocortisona (grupos I e III). Já em presença de vitamina C (grupos II e IV) a resistência anastomótica aos 5 dias aproximou-se daquela registrada após 21 dias.

Por outro lado, a administração de corticóide isolado (Grupo III), acompanhou-se de uma resistência anastomótica do que os grupos II e IV, nos quais houve a administração de vitamina C.

DISCUSSÃO

Fatores que afetam a cicatrização anastomótica vêm sendo pesquisados continuamente(8,12,13,14,15,16). Entretanto, resultados de estudos experimentais que investigam a cicatrização em anastomoses intestinais apresentam resultados conflitantes(8,13). Embora existam estudos com corticosteróides e outras substâncias para avaliar sua influência em fenômenos cicatriciais, pouco se pesquisou sobre o ácido ascórbico(8,9,13,17).

No presente trabalho, as doses de ácido ascórbico e de hidrocortisona foram escolhidas com base em trabalhos anteriores, que verificaram ser essas as concentrações mínimas capazes de afetar a cicatrização de feridas e passíveis de uso em seres humanos sem levar a efeitos tóxicos(18,19,20). O uso do fármaco desde três dias antes do ato cirúrgico e mantido até o dia em que os animais foram mortos(13), seguiu orientações da literatura e teve o objetivo de assegurar e seu efeito farmacológico desde o início das reações tissulares ao trauma(19).

Os resultados obtidos no presente trabalho sugerem que a vitamina C contribui positivamente para as fases iniciais dos processos cicatriciais. De acordo com estudo piloto deste trabalho, a resistência cicatricial antes do 5o dia é ainda muito tênue, o que dificulta sua mensuração e a análise do efeito do ácido ascórbico. Mesmo assim, observou-se que nos grupos tratados com a vitamina C, a tensão foi maior em relação ao Grupo Controle. Entretanto, nossos dados não permitem explicar a fisiopatologia desses achados.

Um outro aspecto que merece consideração é o fato de a administração de hidrocortisona em presença de vitamina C não ter reduzido a resistência da anastomose jejunal, assim como ocorreu quando o corticóide foi administrado isoladamente. No entanto, são necessárias mais pesquisas antes de se compreender melhor esse fenômeno.

Investigações em anastomoses entéricas em vários animais mostraram mudanças maciças nas concentrações de colágeno, ocorrendo principalmente na primeira semana pós-operatória. Levando-se em conta que a maior parte das complicações (deiscências, fístulas) ocorrem no período pós-operatório imediato e sendo o colágeno de fundamental importância na manutenção de tensão na parede intestinal, julgamos pertinente supor que a administração de vitamina C possa ser benéfica na clínica cirúrgica(12,27).

Segundo Chowcat(22), colagenase é sintetizada sob demanda e controlada por um inibidor tecidual de metaloproteinase. A suplementação de vitamina C mesmo que não tenha influência sobre essas enzimas, oferece um aporte maior de substrato, que poderia ser responsável por reações químicas indutoras de síntese de colágeno(6,8,10,17,23,24,25).

A transposição dos achados experimentais para a clínica deve ser cautelosa(18). Apesar de alguns trabalhos evidenciarem efeito benéfico da vitamina C, outros mostram que mecanismos inflamatórios (células e mediadores químicos) são os responsáveis pela regulação da síntese de colágeno(22,26,27,28).

Um outro fator de destaque, é a influência negativa de microorganismos capazes de produzir enzimas colagenolíticas, que levariam a um desequilíbrio entre a síntese e a degradação de colágeno(16,29). Isso sugere que além da técnica cirúrgica e dos cuidados perioperatórios, a administração suplementar de vitamina C possa ser benéfica no sentido de restabelecer o equilíbrio metabólico. Essa hipótese poderia contribuir para explicar em parte, os valores de tensão maiores encontrados nos grupos em que se administrou a vitamina C.

CONCLUSÃO

Com base nos dados do presente trabalho, a vitamina C teve a tendência de contribuir para uma resistência maior das anastomoses jejunais de ratos durante os primeiros cinco dias pós-operatórios. Além disso, a resistência das anastomoses jejunais murinas foi pouco influenciada pela administração de corticóides por via intraperitoneal. Mesmo em presença de corticóides, a vitamina C elevou precocemente a resistência anastomótica até seus maiores níveis pós-operatórios.

Quanto à hidrocortisona, ela não foi responsável pelo decréscimo de valores pressóricos na tensão anastomótica tanto a curto prazo quanto em tempo mais prolongado.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq e FAPEMIG pelos auxílios financeiros que permitiram a realização deste trabalho.

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ABSTRACT: The effects of vitamin C and hidrocortisone on anastomotic healing process are controversial. In order to compare the jejunal anastomotic tension in different postoperative periods, 40 male rats weighing 200 to 400 grams were submitted to laparotomy. The jejunum was transversally cut 10 cm from the duodenojejunal flexure, and subsequently anastomosed. The rats were divided into four groups (n=10). Group I - control, Group II - oral administration of vitamin C (100 mg/kg), Group III - intraperitoneal administration of hidrocortisone (10 mg/kg), and Group IV - administration of vitamin C and hidrocortisone at the above mentioned doses. The anastomotic resistance was determined by using bursting pressure test on the 5th and 21st postoperative days. The resistances of the groups with vitamin C, isolated or associated to hidrocortisone trend to be higher in both postoperative periods. However, the administration of intraperitoneal steroid did not change the resistance of murine jejunal anastomosis. The results of the present study suggest thart vitamin C enhances the resistance of jejunal anastomosis in the rat.
SUBJECT HEADINGS: Anastomosis surgical. Ascorbic acid. Hydrocortisone.

Andy Petroianu2; Soraya Diniz e Souza3; Silmar Grey Martins4; Luiz Ronaldo Alberti5; Leonardo de Souza Vasconcellos6
petroian[arroba]medicina.ufmg.br

Endereço para correspondência
Dr. Andy Petroianu
Av. Afonso Pena, 1626 – ap. 1901
30130-005 – Belo Horizonte, MG-

Petroianu A, Souza SD, Martins SG, Alberti LR, Vasconcellos. Influência da vitamina C e da hidrocortisona sobre a tensão anastomótica jejunal em ratos. Acta Cir Bras [serial online] 2000 Oct-Dec;15(4). Available from:URL: http://www.scielo.br/acb.

1. Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
2. Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina - UFMG, Docente Livre da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP, Docente Livre da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP, Doutor em Fisiologia e Farmacologia, Pesquisador IA do CNPq.
3. Médica.
4. Médico residente.
5. Acadêmico de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
6. Acadêmico de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.



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