Avaliação dos critérios de triagem visual de escolares de primeira série do primeiro grau



Artigo original: Rev. Saúde Pública, Jun 1980, vol.14, no.2, p.205-214. ISSN 0034-8910 

1. Resumo

Foram avaliados os resultados de triagem visual realizado por professores em alunos de primeira série do primeiro grau de uma escola estadual, considerando os critérios de encaminhamento a exame especializado preconizados no Plano de Oftalmologia Sanitária Escolar do Estado de São Paulo, Brasil. Entre 411 escolares examinados verificou-se a existência de 48 casos de falsos positivos (encaminhamentos desnecessários) e de 5 casos de falsos negativos (erroneamente não encaminhados). Evidenciaram-se 36 casos (75%) de falsos positivos ocorridos em alunos com acuidade visual acima do limite considerado para encaminhamento, concluindo-se que se faz necessário um reforço periódico na orientação desses aplicadores, visando à diminuição desse número. Foi analisado o critério de encaminhar crianças com acuidade visual igual ou menor do que 0,7, concluindo-se que dentro das limitações de recursos assistenciais, este é um critério conveniente, em se tratando de oftalmologia sanitária.

Unitermos: Visão, testes. Oftalmologia sanitária. Saúde escolar. Acuidade visual.

2. Abstract

An evaluation of the results of a visual screening carried out by teachers of public elementary school children considers the referral criteria for a specialized examination recommended in the plan for Preventive Ophthalmology in schools in the State of S. Paulo (Brazil). Among the 411 school children examined, there were 48 over-referral cases and 5 under-referrals. In analysing the over-referrals, it became evident that 36 cases (75%) occurred in pupils with visual acuity above the referral limit considered and that periodic reinforcement in orientation of testers is needed to lessen the number of errors in referrals. Analysis of the referral criterion of 0.7 or less leads to the conclusion that, within the limitations of the resources of medical assistance, it is a convenient criterion in preventive ophthalmology.

Uniterms: Vision, tests. Sanitary ophthalmology. School health. Visual acuity.

3. Introdução

A preocupação em detectar problemas oculares em crianças é verificada, pelo exame da literatura específica, em várias partes do mundo. Com esta finalidade, observa-se o desenvolvimento de programas de triagem visual, desde o ingresso da criança à escola, no chamado jardim de infância, repetindo-se o processo na pré-escola e na escola primária 3,6,8,12,16.

Os especialistas concordam quanto à importância da descoberta precoce de problemas visuais, como forma decisiva para a correção e minimização de problemas futuros graves.

Ingram citado por Perkins13 (1973) na Inglaterra, ao realizar exame ocular de escolares triados, verificou que aproximadamente metade das crianças com desvios ou problemas de refração associados a estrabismo e ambliopia, estavam com cerca de 7 anos quando o problema foi detectado pela primeira vez. Nesta idade, a maioria das crianças já ultrapassou a fase de melhor resultado terapêutico.

Sabe-se que certos problemas oftalmológicos se não descobertos e tratados precocemente, como por exemplo a ambliopia e o estrabismo, podem ser causa de problemas permanentes e irreversíveis.

Segundo Brik3 (1971) "um paciente amblíope, normalmente, não tem consciência de sua condição, que se desenvolve precocemente na infância; muitas vezes, a ambliopia já está permanentemente estabelecida no início da idade escolar".

Dunlap 4 (1971), afirma que a ambliopia é uma das maiores causas de cegueira prevenível e, como tal, requer nossa atenção.

Estudos realizados por Von Noorden17 (1964) mostraram que o tratamento da ambliopia em crianças de grupo etário mais avançado deixa muito a desejar quanto aos resultados alcançados. Segundo ele, a ambliopia poderia ser eliminada se fosse descoberta e tratada na idade de 4 e 4,5 anos.

Do ponto de vista de saúde pública, é muito dispendioso e mesmo inexequível, pela falta de recursos especializados, a investigação de problemas oculares em crianças, por oftalmologistas, em exame de massa. Conforme afirmam Wick e Ricker18 "o especialista deve trabalhar num grau mais alto de competência, avaliando e corrigindo problemas e não pesquisando os normais".

Considera-se válido o exame oftalmológico de massa, apenas com finalidade de pesquisa, seja para levantamento de dados epidemiológicos, seja para controle das condições de atendimento de determinada população.

Dessa maneira, a solução ainda é a da aplicação de triagem oftalmológica por pessoal não-médico, treinado e supervisionado, em populações aglutinadas em escola, ou clientela que procura serviços pediátricos do Estado, dentro do grupo etário onde os problemas visuais se apresentam como prioridade1. Nesse enfoque, Temporini e col.16 (1977) afirmam que a aplicação de teste de acuidade visual e a observação de sinais e sintomas indicativos de problemas pelo professor em classe, apresentam-se como as formas mais aconselháveis para a detecção de problemas visuais, considerando a realidade do nosso meio.

Os estudiosos concordam em que a maioria dos métodos usados por leigos não são ainda suficientemente precisos, ocorrendo, em todos eles, uma percentagem de identificações incorretas, ou seja, de falsos positivos (crianças encaminhadas desnecessariamente ao oftalmologista) e de falsos negativos (crianças erroneamente não encaminhadas ao oftalmologista) 2,3,5,12,18.

North11 (1974) afirma que não há evidência suficiente para julgamento quanto ao custo aceitável de falsos positivos, num programa de triagem visual.

A "National Society for the Prevention of Blindness"10, em 1966, faz a seguinte recomendação: "Considerando as grandes diferenças de opinião sobre os testes que se deveriam utilizar num programa escolar, tanto a decisão como o método devem ser estabelecidos em nível local, fazendo valer o conhecimento e a experiência do administrador escolar, médico escolar, enfermeira escolar, educador em saúde, oftalmologista e outros profissionais ligados ao assunto".

Em nosso meio, José e col.8 (1977) enfatizaram constituirem-se os problemas oftalmológicos, na idade escolar, uma das prioridades que devem ser consideradas num programa de Saúde Escolar.

Atentando para esse aspecto, o Serviço de Saúde Escolar (atual Departamento de Assistência ao Escolar-DAE) — órgão da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo — vinha promovendo orientação educativa ao pessoal de ensino e assistência médica especializada aos escolares com problemas de visão, desde a década de 1950 8.

Em 1971, o Serviço de Ensino Primário, associado ao Serviço de Saúde Escolar e a Serviços da Secretaria de Saúde, propiciou aos orientadores pedagógicos de saúde, com atuação nas escolas de primeiro grau do Estado, um Seminário sobre oftalmologia sanitária escolar 8.

A partir desse embasamento dos técnicos visando à orientação de professores da rede de ensino e, conseqüentemente, dos alunos e pais, foi sentida a necessidade da sistematização das ações de oftalmologia sanitária nas escolas.

Um grupo de técnicos das Secretarias da Educação e da Saúde, constituído por médicos, enfermeiros, pedagogos e educadores de saúde pública, elaborou o Plano de Oftalmologia Sanitária Escolar (POSE) 14, que se desenvolveu no Estado de São Paulo, no período de 1973 a 1976.

O referido Plano atingiu as unidades escolares estaduais de primeiro grau das 18 Divisões Regionais de Ensino do Estado através da atuação dos técnicos do DAE.

A população-alvo da programação constituia-se de escolares de pré-escola, classes especiais e de primeira série do I grau.

Como primeira etapa do trabalho, em nivel de escola, era medida a acuidade visual dos alunos pelo professor, utilizando-se da tabela optométrica de Snellen. Após reteste e/ou mediante a observação de sinais e sintomas indicativos de problemas visuais, o professor encaminhava os casos identificados à assistência médica-oftalmológica existente na comunidade, representada por recursos oficiais ou particulares.

Verifica-se, portanto, que a atuação do professor se constituia em ponto-chave do POSE, desde a sua etapa inicial, contribuindo fundamentalmente para a detecção de problemas oftalmológicos do escolar.


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