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Avaliação dos critérios de triagem visual de escolares de primeira série do primeiro grau (página 2)

Edméa Rita Temporini

 

Considerando que o POSE 14 previa nos seus objetivos a realização de estudos e pesquisas sobre a problemática oftalmológica em nosso meio e o interesse dos técnicos de educação em saúde, que orientavam os professores, em avaliar a aplicação de teste e os encaminhamentos realizados a nível de escola, um grupo de oftalmologistas e educadores de saúde pública propôs-se a estudar tais aspectos na população escolar de uma unidade estadual de I grau.

Considerando os critérios de triagem oftalmológica estabelecidos pelo POSE14 e a atuação do professor como agente triador8,16, o presente trabalho propõe-se a:

— analisar os encaminhamentos desnecessários (falsos positivos) e os encaminhamentos não realizados e que deveriam tê-lo sido (falsos negativos), na população estudada;

— avaliar que nível da acuidade visual (0.9 - 0.8 - 0.7 - 0.6 ou 0.5) deveria ser considerado para encaminhamento a exame especializado, com a ocorrência do menor número de falsos negativos e falsos positivos, na referida população.

4. Material e métodos

O estudo abrangeu população escolar de 411 alunos pertencentes a classes de primeira série da Escola Estadual de I Grau (EEPG) Cel. Domingos Quirino Ferreira, bairro de Vila Guarani, no município de São Paulo. Nessa escola, como preconizava o POSE14, os professores, devidamente orientados, aplicavam de rotina o teste de acuidade visual em seus alunos, utilizando a tabela de Snellen.

O grupo em estudo já havia sido testado e retestado pelos professores por ocasião da pesquisa e os casos considerados suspeitos de problemas visuais, através dos resultados do teste ou da observação de sinais e sintomas pelo professor, já haviam sido encaminhados e atendidos por especialistas.

A pesquisa foi planejada e executada no final do segundo semestre do ano, sendo portanto desconhecida a sua realização pelo pessoal da escola, na época da aplicação do teste e encaminhamento dos escolares.

Considerou-se para o presente trabalho apenas a população escolar sobre a qual se dispunha do registro de dados do professor relativos à medida da acuidade visual (teste e reteste) e aos encaminhamentos por ele realizados.

Conforme procedimentos descritos em pesquisa anterior16, foi constituída uma equipe de quatro oftalmologistas e duas educadoras de saúde pública, e elaborada ficha para registro dos dados necessários. A atuação das educadoras de saúde pública dirigiu-se para o esclarecimento sobre o que se pretendia realizar às autoridades de ensino da região e da escola, orientação aos professores quanto à natureza do exame, ao fichamento dos alunos, ao preparo do escolar e dos pais e providêncais relativas à organização funcional da escola, visando a não interrupção das suas atividades rotineiras.

Os escolares foram testados pelos oftalmologistas integrantes da equipe, dentro da própria escola, utilizando-se estes, da mesma forma que os professores, da técnica de aplicação do teste de acuidade visual preconizada pelo POSE14.

O exame oftalmológico foi realizado utilizando-se a mesma técnica descrita em trabalho anterior15, ou seja, após exame de acuidade visual com a tabela optométrica de Snellen, procedeu-se aos exames externo e da motilidade ocular extrínseca ("Cover-test"). Efetuou-se retinoscopia sob cicloplegia (cloridrato de ciclopentolato a 1,0%), seguindo-se teste estático e exame de fundo de olho, tendo-se prescrito tratamento nos casos necessários.

Para a análise dos critérios de encaminhamento utilizados pelo professor, nos casos em que este assim procedeu, tomou-se como ponto de referência os seguintes critérios de prioridade recomendados pelo POSE14:

1. Escolares portadores de menos de 0,3 de visão (ambos os olhos).

2. Escolares portadores de estrabismo.

3. Escolares com 0,3 a 0,5 de visão (ambos os olhos).

4. Escolares que apresentem sinais e sintomas de problemas visuais observados pelo professor, embora com acuidade visual normal quando submetidos à aplicação do teste.

5. Escolares portadores de diferença de 0,2 de visão, ou mais, entre um olho e outro.

6. Escolares portadores de cegueira monocular.

7. Escolares com 0,5 a 0,7 de visão.

8. Demais casos.

Esses critérios foram estabelecidos com a finalidade de orientar os professores quanto ao encaminhamento dos escolares testados, de acordo com a provável gravidade do caso e tendo em vista a limitação de recursos assistenciais existentes. Considerando que, no POSE 14, foi estabelecido como critério para encaminhamento a exame especializado, valor de acuidade visual igual ou menor do que 0,7, procurou-se investigar a validade desse critério em função dos casos falsos positivos e falsos negativos encontrados na população estudada.

5. Resultados

Os dados obtidos neste estudo estão apresentados nas Tabelas 1 a 7.

Verifica-se na Tabela 1 o número de crianças triadas acertadamente pelo professor (358), em confronto com aquelas triadas de forma errônea (53), conforme verificação posterior da equipe de oftalmologistas.

A Tabela 2 apresenta os 358 escolares triados acertadamente, distribuídos em 56 positivos (15,64%), ou seja, aqueles encaminhados corretamente a exame oftalmológico e 302 negativos (84,36%), não encaminhamos corretamente por não terem apresentado problema visual.

Na Tabela 3 são apresentados os casos incorretamente triados. Procurou-se aqui demonstrar a dimensão do erro relativo em cada um dos seus sentidos, falsos positivos e falsos negativos. A proporção de erros resultantes de encaminhamentos desnecessários (falsos positivos) foi de 90,57%, bem superior à decorrente da falta de encaminhamento dos alunos com problemas visuais, ou seja, de 9,43% (falsos negativos). Deve-se ressaltar que tais resultados foram obtidos com base no número total de casos incorretos e não relativamente ao número total de casos estudados resultando daí uma proporção que, à primeira vista, afigura-se muito maior para os casos de encaminhamentos desnecessários.

A Tabela 4 mostra os 48 casos falsos positivos, distribuídos entre os que assim foram considerados, por falhas na aferição da acuidade visual (25%) e aqueles encaminhados por decisão incorreta do professor, uma vez que apresentavam acuidade visual igual ou superior a 0,8 no olho pior e sem diferença maior do que uma linha entre ambos os olhos (75%).

Aplicou-se aos dados apresentados na Tabela 5 o teste de McNemar (citado por Marques 9) por se tratar de populações não independentes, utilizando-se um c2 crítico com um grau de liberdade e ao nível de 0,05, ou seja, 3,84.

O c2 observado com correção para continuidade foi de 34,8 evidenciando uma discordância significativa (ao nível de 0,05) entre as classificações realizadas por professores e oftalmologistas. Admitindo-se que a discordância tenha ocorrido por erro de triagem do professor, procurou-se medir esse erro em termos de proporção de falsos positivos e de falsos negativos.

A Tabela 6 apresenta o número de falsos positivos e de falsos negativos que ocorreriam na população estudada se fossem aplicados pelo professor os critérios de acuidade visual de 0,9 a 0,5, para encaminhamento dos casos à atenção especializada.

Observa-se que em todos os critérios considerados ocorreriam casos de falsos positivos e de falsos negativos.

Todavia, a real situação é evidenciada na Tabela 7, que mostra a freqüência acumulada dos casos falsos positivos e falsos negativos. Assim, se o critério escolhido para determinar o encaminhamento fosse 0,9 apresentar-se-iam 60 falsos positivos e 2 falsos negativos; considerando o critério 0,7 haveria 14 falsos positivos e 11 falsos negativos; se considerado o critério 0,5 apareceriam apenas 3 falsos positivos, porém grande número de falsos negativos (32 casos).

As freqfreqüências apresentadas na Tabela 7 estão acumuladas, uma vez que os indivíduos falsos positivos, por exemplo, no critério de 0,5, somar-se-ão aos falsos positivos em 0,6 que, por sua vez, serão somados à freqüência em 0,7 e assim por diante. O mesmo raciocínio, porém em sentido inverso, aplica-se aos falsos negativos, ou seja, o número deles encontrado em 0,9 deverá ser somado aos falsos negativos detectados em 0,8 e assim cumulativamente.

6. Discussão

A aferição da acuidade visual de escolares pelo professor foi sistematizada no Estado de São Paulo através do POSE14, que estabeleceu, ainda, critérios de encaminhamento do aluno para exame oftalmológico.

Temporini e col.16 (1977) encontraram uma concordância de resultados de 80,86% entre o professor e o oftalmologista, no que se refere à medida da acuidade visual.

Estudos têm demonstrado que idealmente toda criança deveria ser submetida a exame oftalmológico aos 4, 7 e 13 anos12. No Estado de Michigan, USA, desde 1968 é obrigatório por lei, a toda criança um exame oftalmológico quando do ingresso a qualquer escola pública, privada ou paroquial 7.

Do ponto de vista de Saúde Publica, em oftalmologia sanitária, é necessário que se considere a limitação de recursos assistenciais especializados existentes em nosso meio, estabelecendo critérios de prioridade para encaminhamento.

O exame da Tabela 1 indica que a triagem realizada pelos professores da unidade escolar estudada apresenta considerável percentual de acertos (87,10%). O resultado de 12,90% de casos triados incorretamente, considerando a já referida limitação de recursos para atendimento oftalmológico, traz alguma inquietação.

Tal fato é confirmado através do teste de McNemar (citado por Marques 9) aplicado aos dados da Tabela 5, onde se obteve uma discordância significativa entre as classificações realizadas por professores e olftalmologistas. Tendo em vista que 90,57% da triagem incorreta foi representada por falsos positivos (Tabela 3), a programação pode-se tornar dispendiosa em se tratando de saúde pública, embora do ponto de vista clínico, deva ser ressaltada a importância de evitar-se os falsos negativos.

Na população estudada, uma criança que apresentou 0,7 de acuidade visual dificilmente deixaria de necessitar de atendimento especializado. Ocorre, porém, que por falha na aplicação do teste de acuidade visual, seja por falha do aplicador, seja porque o indivíduo testado informou mal, crianças foram registradas com medida da acuidade abaixo da realidade, convertendo-se em falsos positivos (Tabela 4). Pelas mesmas razões, crianças tiveram seu resultado falseado para mais, convertendo-se em falsos negativos (Tabela 3).

É importante, no entanto, ressalvar que nenhum dos métodos de triagem usados até hoje é perfeito, aparecendo sempre falsos positivos e falsos negativos.

No estudo em questão, 75% dos falsos positivos ocorreram devido a provável erro de interpretação dos critérios estabelecidos pelo POSE por parte dos professores (Tabela 4), que enviaram para exame, alunos com mais de 0,7 de acuidade visual no olho pior e, principalmente, com acuidade 0,9. Isto parece revelar a preocupação de alguns professores em encaminhar qualquer aluno que não atingisse a linha de 1,0 da tabela de Snellen.

A comparação entre os resultados obtidos pelos professores e os obtidos pelos oftalmologistas mostrou que ocorreram mais erros de falsos positivos do que de falsos negativos. A esse respeito, pode-se levantar a hipótese de que os professores, em caso de dúvida, apresentam mais tendência a encaminhar em excesso do que em deixar de enviar a criança ao médico.

Estes resultados apresentam-se como sumamente importantes, pois mostram a necessidade de reforçar junto aos professores que uma criança com 0,8 de visão, sem diferença de acuidade entre os olhos, superior a duas linhas e sem queixas de astenopia visual, mesmo que necessitada de correção óptica, quase certamente não será prejudicada pela falta de encaminhamento, não se enquadrando dentro daqueles casos que podem ter seu prognóstico prejudicado pelo atraso no atendimento oftalmológico.

Uma melhor orientação nesse sentido pode levar à considerável diminuição do excesso de encaminhamentos e ao aperfeiçoamento do método de triagem, tendo em vista que "é altamente válida a aplicação do teste de acuidade visual em escolares pelo professor devidamente treinado"16.

Daí a necessidade de que o aplicador de teste de acuidade visual deve ser aferido regularmente, ao menos a cada 1 - 2 anos 12.

Um dos critérios de encaminhamento estabelecidos pelo POSE é o de acuidade visual igual ou menor do que 0,7 no olho pior 14. A Tabela 7 mostra que se o critério fosse, por exemplo 0,8, o número de falsos positivos seria maior do que o dobro encontrado no critério 0,7, ou seja, converter-se-ia em dispendioso exagero em programação de saúde pública. Caso o critério fosse 0,5, o número de falsos positivos — que é o principal erro a ser evitado em programas desse tipo — seria aumentado de quase três vezes. Assim, o critério 0,7 parece ser dos mais acertados.

7. Conclusões

— O estudo mostrou a ocorrência de casos falsos positivos e falsos negativos, na aplicação de teste de acuidade visual em escolares, pelos professores, com predominância dos falsos positivos.

— Os professores atuaram corretamente em 87,10% dos casos encaminhados, não obstante ter sido considerada significativa a discordância (ao nível de 0,05) entre as classificações realizadas por professores e por oftalmologistas.

— O critério de encaminhar-se crianças com acuidade visual de 0,7 a exame médico-oftalmológico é conveniente, em se tratando de programação de oftalmologia sanitária.

Face a essas conclusões, recomenda-se:

— O treinamento do professor para realizar triagem visual de escolares.

— O reforço periódico do treinamento desses professores, pelo menos a cada 2 anos.

— A realização periódica de pesquisas para a avaliação das técnicas utilizadas no programa.

Agradecimentos

À equipe de médicos-oftalmologistas formada pelos Drs. Francisco Martins da Silva, João Carlos Rodrigues de Mello, Alberto Taiar, Marinho Jorge Scarpi e à educadora de saúde pública D. Maria de Lourdes Guimarães, a colaboração prestada na fase de execução deste estudo; ao Dr. Oswaldo Galotti, Diretor do Serviço de Oftalmologia Sanitária da Secretaria da Saúde, o apoio e o incentivo; ao Prof. Jair Lício Ferreira Santos, do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP, a assessoria nos aspectos estatísticos do trabalho; à direção e ao corpo docente da E.E.P.G. Cel. Domingos Quirino Ferreira, a colaboração e a compreensão demonstradas.

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* Apresentado ao XX Congresso Brasileiro de Oftalmologia — São Paulo, setembro/1979.

Newton Kara JoséI; Edméa Rita TemporiniII - ertempor[arroba]usp.br

IDo Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da USP — Av. Dr. Arnaldo, 455 — 01246 — São Paulo, SP — Brasil e da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP

IIDo Departamento de Assistência ao Escolar da Secretaria de Estado dos Negócios da Educação — Rua Piratininga, 85 — 03042 — São Paulo, SP — Brasil



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