Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 

Bases anatômicas para o bloqueio anestésico do plexo braquial por via infraclavicular (página 2)

Luiz Carlos Buarque de Gusmão; Jacqueline Silva Brito Lima; José Carlos Pra

 

3. Introdução

O bloqueio anestésico do plexo braquial apresenta uma série de complicações e bloqueios incompletos quando são utilizadas as vias axilar 1,2, supraclavicular 3,4 e interescalênica 4-6. Como alternativa, alguns anestesiologistas 7-9, voltaram a utilizar a via infraclavicular, tendo relativo sucesso, além de um menor número de complicações. Todavia, as descrições de punções vasculares e da parede torácica com conseqüente pneumotórax, eram ainda relatadas.

Revisando as várias técnicas das vias infraclavicular, verificamos o seguinte:

Hirschel 10 (1913) foi o primeiro a utilizar a via infraclavicular, sendo que, na verdade introduzia a agulha por via axilar e depositava o anestésico acima da primeira costela.

Bazy 11 (1917) localizava o processo coracóide e o tubérculo anterior da sexta vértebra cervical, e traçava uma "linha anestésica" entre os dois pontos. Uma agulha de 9 cm era introduzida abaixo da clavícula e dirigida ao tubérculo da vértebra. O anestésico era depositado após a agulha ultrapassar a margem posterior da clavícula.

Babitsky 12 (1918) introduzia uma agulha entre o ângulo formado pela 2ª costela com a clavícula, sendo o anestésico depositado neste local.

Labat 13 (1922) utilizava a mesma "linha anestésica" de Bazy, porém o anestésico era injetado com uma agulha de 8 cm e em duas etapas. Na primeira etapa o anestésico era depositado no mesmo ponto preconizado por Bazy. Posteriormente flexiona-se o braço em direção ao tórax e realiza-se outra injeção da mesma solução sem mexer a agulha.

Balog 14 (1924) modificou a técnica de Bazy, utilizando o mesmo ponto, porém a agulha era introduzida no sentido do gradil costal até chocar-se com a segunda costela, recuava um pouco a agulha e depositava o anestésico.

Raj e col. 7 (1973) determinaram que a agulha deveria ser introduzida em um ponto médio da clavícula. A agulha longa era dirigida lateralmente, evitando a punção da parede torácica.

Sims 8 (1977) modificou a técnica de RAJ e col., que a classificou "como uma técnica difícil de dominar, por causa de pontos de referências não muito claros e da espessura dos músculos peitorais". Em sua técnica, utiliza uma agulha padrão de 3,8 cm que, dirigida para baixo, para fora e para trás, atingindo o plexo braquial 2 a 3 cm após ter ultrapassado a pele.

Whiffler 10 (1981) propõe a marcação da artéria subclávia e da artéria axilar. Os dois pontos são unidos por uma linha. A partir do processo coracóide traça-se uma linha perpendicular à primeira. No encontro das duas é realizada a punção. Relata punção arterial em 50% dos casos.

Imbelloni e col. 15 (2001) determinam que seja marcado um ponto 1,5 cm abaixo do ponto de união entre o terço lateral e os dois terços mediais da clavícula, sendo este ponto 1,5 a 2 cm medial ao processo coracóide. Utiliza o neuroestimulador e faz a injeção de 50 ml de lidocaína com epinefrina à 1,6%.

Verificando que o plexo se encontra, na maioria das vezes, no interior da fossa infraclavicular, nos propusemos provar que a fossa é um espaço encontrado na maioria dos indivíduos, bem como verificar a relação topográfica dos fascículos com os vasos axilares a este nível. Finalmente, baseados nestes dados, propor uma nova via infraclavicular para bloqueio anestésico, baseada em preceitos anatômicos bens definidos e pontos de reparos facilmente identificáveis, possibilitando que esta via possa novamente ser utilizada com segurança e com um mínimo de falhas e de complicações.

4. Método

Cumprindo o que determina a Lei Federal nº 8.501, de 30 de novembro de 1992, e após aprovação institucional, foram utilizadas 100 regiões infraclaviculares, de cadáveres fixados, de ambos os sexos e pertencentes aos Departamentos de Morfologia da Escola Paulista de Medicina e da Universidade Federal de Alagoas.

Após a identificação da fossa infraclavicular, que ocorreu em 96% dos casos, foi feita a dissecção e identificação dos fascículos do plexo braquial em seu interior. A seguir foi medida a distância da face anterior da clavícula até o encontro dos fascículos do plexo braquial e do ângulo formado pelo músculo deltóide com a clavícula até atingir a projeção dos fascículos sobre a pele. Foi verificada a posição dos vasos axilares em relação ao assoalho da fossa.

Com base nos achados anatômicos foi proposta uma técnica de abordagem do plexo braquial por via infraclavicular, que poderá servir como uma alternativa de técnica ao anestesiologista.

5. Resultados

Nas 100 regiões analisadas a fossa infraclavicular estava presente em 96 delas (Figura 1). Os 4 casos restantes, em que não havia fossa, pertenciam a indivíduos que apresentavam a musculatura hipertrofiada, só existindo nestes casos um sulco deltopeitoral que se estendia superiormente até a clavícula.

Posição do Plexo Braquial na Fossa Infraclavicular

Identificamos a presença dos fascículos do plexo braquial no interior da fossa infraclavicular, sendo computados para o estudo os 96 casos, que eram os possuidores de fossa infraclavicular, pois a proposta de nosso trabalho se baseia no bloqueio anestésico através dela.

Em 41 casos (42,7%) os fascículos do plexo braquial se encontravam totalmente no assoalho da fossa infraclavicular.

Em 53 casos (55,2%) os fascículos estavam situados parte na fossa infraclavicular e parte encobertos pela porção clavicular do músculo peitoral maior.

Em apenas 2 casos (2,1%) todos os fascículos ficavam ocultos pelo músculo peitoral maior.

Posição da Artéria Axilar

Como a artéria axilar é o vaso mais lateral, a posição da veia é irrelevante para o presente trabalho. Em 79 casos (82,3%), a artéria axilar encontrava-se totalmente encoberta pelo feixe clavicular do músculo peitoral maior. Em 13 casos (13,5%), a artéria apresentava-se em parte na fossa infraclavicular. Apenas em quatro casos (4,2%), a artéria situava-se totalmente na fossa.

Via Anestésica pela Fossa Infraclavicular

Procuramos determinar com exatidão o local de acesso ao plexo braquial que tenha como ponto de entrada a fossa infraclavicular. Neste acesso os pontos de referência são de fácil localização (face anterior da clavícula e ângulo deltoclavicular), permitindo determinar com precisão o local por onde passam os fascículos do plexo braquial no interior da fossa infraclavicular e a que profundidade se encontram. A média das medidas realizadas nas 96 fossas, a partir do ângulo deltoclavicular, em direção ao centro da fossa, até alcançar a projeção superficial do plexo foi de 2,21 cm. Por outro lado, a média das aferições tomadas, no sentido ântero-posterior, a partir da face anterior da clavícula, até o encontro dos fascículos do plexo braquial, foi de 2,49 cm.

Técnica Proposta

Inicialmente deve-se localizar o ângulo formado pela junção da margem anterior do músculo deltóide com a clavícula, a seguir, traça-se uma bissetriz do ângulo para o centro da fossa medindo em torno de 2,21 cm. Este ponto corresponde à projeção superficial do plexo braquial, e no qual deverá ser introduzida a agulha, perpendicular à pele (Figura 2). Para evitar tração sobre o plexo braquial, o membro superior deverá ficar pendente ao lado do corpo ou em discreta abdução. A cabeça não precisa ser rodada para o lado oposto, pois não interfere na posição dos fascículos do plexo. Por outro lado, a profundidade com que a agulha deverá ser introduzida perpendicular à pele até alcançar os fascículos do plexo é avaliada a partir da face anterior da clavícula até a agulha alcançar a profundidade de 2,5 cm (valor aproximado) (Figura 3). Como esta profundidade foi obtida até a agulha atingir a primeiro fascículo do plexo, aconselhamos que a agulha seja introduzida na profundidade de 3 a 3,5 cm, pois corre-se o risco da injeção não atingir a bainha axilar ou atingir apenas o fascículo lateral, que neste local é o que se encontra mais anterior.

 

6. Discussão

As técnicas citadas na literatura utilizam vários pontos abaixo da clavícula, que ora são sobre a musculatura do peitoral maior, ora ao lado do processo coracóide ou ainda sobre a fossa infraclavicular, sendo que neste caso, a mesma raramente era citada. Apenas Imbelloni e col. fazem referências à importância da fossa infraclavicular para o bloqueio anestésico do plexo braquial. Porém, a união do terço lateral com os dois terços mediais da clavícula, citada em sua técnica, nem sempre corresponde à fossa infraclavicular e, quando corresponde, esta técnica não especifica o local na fossa por onde transitam os fascículos do plexo. Por outro lado, esta técnica utiliza o estimulador elétrico, nem sempre disponível em nossos serviços de anestesia

Neste trabalho, interessa-nos apenas a via de acesso a ser utilizada, bem como os dados para a localização dos fascículos do plexo braquial. Manobras anestésicas, tipo de anestésico, bem como sua quantidade e concentração não são assuntos a serem discutidos nesta pesquisa.

Foi demonstrado que na parte alta da axila, os fascículos do plexo braquial encontram-se, na grande maioria dos casos, no interior da fossa infraclavicular e lateralmente aos vasos axilares, sendo que estes últimos estão normalmente situados posteriormente ao músculo peitoral maior e, portanto, fora da fossa infraclavicular.

Para que haja segurança na execução do bloqueio, é necessário que ao anestesiologista seja dada a informação não só da profundidade onde se encontra o plexo braquial, mas também de sua localização no interior da fossa infraclavicular. O ângulo deltoclavicular é de fácil localização e sua bissetriz de 2,21 cm traçada até o centro da fossa representa, quase sem erros, o local exato da projeção superficial do plexo braquial. A profundidade é mais bem aferida a partir de uma estrutura fixa e estável, que neste caso é a clavícula. Temos, desta maneira, informações sobre o ponto de punção, e a profundidade em que o anestésico deve ser depositado. A agulha dirigida perpendicularmente neste ponto e orientada de anterior para posterior possibilita não só atingir os fascículos do plexo braquial, mas também evita a punção da artéria axilar e da parede torácica.

Acreditamos que trabalhos posteriores dever-se-ão realizar, utilizando os conhecimentos obtidos com nossas observações, para que se procedam a comparações entre este acesso e os já existentes, contribuindo desta maneira para a evolução e o aprimoramento do bloqueio anestésico do plexo braquial.

7. Referências

01. Bosomworth PP, Egbert LD, Hamelberg W - Block of brachial plexus in the axilla: its value and complications. Ann Surg, 1961;154:911-914.

02. Eriksson E - Axillary brachial anesthesia in children with citanest. Acta Anaesthesiol Scand, 1965;16:191-296.

03. De Pablo JS, Diez-Mallo J - Experience with three thousand cases of brachial plexus block; its dangers. Ann Surg, 1948; 128:956-964.

04. Brandão RC, Lerner S, Rangel W et al - Bloqueio do plexo braquial. Rev Bras Anestesiol, 1971;21:420-425.

05. Winnie AP - Interscalene brachial plexus block. Anesth Analg, 1970;49:455-466.        [ Medline ]

06. Edde R, Deutsch S - Cardiac arrest after interscalene brachial plexus block. Anesth Analg, 1977;56:446-447.        [ Medline ]

07. Raj PP, Montgomery SJ, Nettles D et al - Infraclavicular brachial plexus block - A new approach. Anesth Analg, 1973;52: 897-904.        [ Medline ]

08. Sims JK - Modification of landmarks for infraclavicular approach to brachial plexus block. Anesth Analg, 1977;56:554-555.        [ Medline ]

09. Whiffler K - Coracoid block: a safe and easy technique. Br J Anaesth, 1981;53:845-848.        [ Medline ]

10. Hisrchel G - Handbook of Local Anesthesia. Wiesbaden, JF Bergman, 1913.

11. Bazy YL - In L'Anesthesia Regionale. Paris, G Doin, 1917.

12. Babitszky P - A new way of anesthesia the brachial plexus. Zentralbl F Chir, 1918;45:215-217.

13. Labat G - Regional Anesthesia. Philadelphia, WB Saunders, 1922.

14. Balog A - Conduction anesthesia of the infraclavicular portion of the brachial plexus. Zbl Chir, 1924;51:1563-1564.

15. Imbelloni LE, Beato L, Gouveia MA - Bloqueio do plexo braquial por via infraclavicular: abordagem ântero-posterior. Rev Bras Anestesiol, 2001;51:235-243.

Luiz Carlos Buarque de GusmãoI; Jacqueline Silva Brito LimaII; José Carlos PratesIII - silvia.morf[arroba]unifesp.epm.br

IProfessor Adjunto IV do Departamento de Morfologia da Universidade Federal de Alagoas. Mestre e Doutor em Anatomia. Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões

IIProfessora Auxiliar de Ensino da Universidade Federal de Alagoas

IIIProfessor Titular da Disciplina de Anatomia Descritiva e Topográfica da Escola Paulista de Medicina. Mestre e Doutor em Anatomia.



 Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.