Cirurgia de catarata: o porquê dos excluídos



Artigo original: "Rev Panam Salud Publica, Oct. 1999, vol.6, no.4, p.242-248. ISSN 1020-4989"

1. Resumo

A catarata é a principal causa de cegueira no mundo, embora seja passível de recuperação por intervenção cirúrgica relativamente simples e de baixo custo. O presente estudo, realizado em 1997 e 1998 em cinco municípios do Estado de São Paulo, Brasil, teve o propósito de identificar as razões para a falta de acesso ao tratamento cirúrgico por parte dos deficientes visuais por catarata senil. Foram entrevistados pacientes atendidos em um projeto comunitário de reabilitação da cegueira por catarata, o Projeto Zona Livre de Catarata. Obteve-se uma amostra prontamente acessível, composta por 776 sujeitos que procuraram a assistência do projeto e que apresentavam acuidade visual menor do que 0,2 no olho melhor (média de idade = 70 anos). Foi aplicado um questionário por entrevista. Dentre os pacientes, 683 haviam procurado atendimento oftalmológico antes do Projeto Catarata; o tipo mais comum de atendimento procurado foi o serviço público de saúde (27%). Dificuldades financeiras (69%) e ainda enxergar bem (69%) foram as razões predominantes alegadas pelos pacientes para não terem se submetido à cirurgia de catarata. Dentre os que manifestaram receio da cirurgia, a principal alegação foi medo de ficar cego. Todos os pacientes que receberam indicação cirúrgica no período do estudo concordaram em se submeter à cirurgia. Aparentemente, existe uma lacuna entre a busca de serviços oftalmológicos e a resolução cirúrgica da catarata. Os fatores predominantes para a não realização da cirurgia foram econômicos e logísticos. É necessário facilitar o acesso da população à cirurgia de catarata por meio de modelos assistenciais descentralizados e de projetos e campanhas comunitárias de prevenção da cegueira por catarata.

2. Abstract

Reasons for not having cataract surgery

Cataracts are the main cause of blindness in the world, although they can be treated with relatively simple and inexpensive surgery. This study was carried out in 1997 and 1998 in five cities in the state of São Paulo, Brazil, to identify the reasons for persons not having cataract surgery. The population studied were patients seen at a community project for the rehabilitation of cataract-caused blindness, Projeto Zona Livre de Catarata (the Cataract-free-Zone Project). A questionnaire was used to interview 776 individuals with cataracts who sought assistance at the project and who had a visual acuity of 20/100 or less in the better eye. Six hundred and eighty-three patients had previously sought ophthalmic care, most frequently (27%) at public health services. The main reasons for subjects not having had cataract surgery were financial (69% of respondents) and the feeling of "still having good eyesight" (69% of respondents). Among patients who said they were afraid of surgery, the main reason was concern about being left blind. All the subjects whom the project deemed suitable for surgery agreed to undergo the procedure. Apparently, there is a gap between searching for ophthalmic services and the surgical resolution of cataracts. The predominant reasons for not having surgery were financial and logistical. There is a need to facilitate access to cataract surgery by decentralizing social services and by developing community projects to prevent cataract-caused blindness.

3. Introdução

A perda da capacidade visual acarreta conseqüências adversas, em nível individual e coletivo. A cegueira dá origem a problemas psicológicos, sociais, econômicos e de qualidade de vida, pois implica em perda de auto-estima, de status, em restrições ocupacionais e em conseqüente diminuição de renda, que, por sua vez, produz dificuldades de sobrevivência. Para a sociedade, representa encargo oneroso e perda de força de trabalho (1, 2).

A catarata, reconhecidamente, constitui a principal causa de cegueira no mundo, passível de recuperação por intervenção cirúrgica apropriada (2, 3). As técnicas de remoção da opacidade lenticular, na atualidade, apresentam-se relativamente simples, têm baixo custo e têm sido praticadas com segurança há muitos anos (4). Entretanto, freqüentemente observam-se limitações no acesso à cirurgia ocular, por dificuldades diversas referentes ao paciente (5, 6) ou por obstáculos impostos pelo próprio sistema de saúde e que impedem a utilização do recurso cirúrgico em sua plena potencialidade (7). A deficiência na prestação de assistência à saúde inclui a dificuldade de acesso à cirurgia ocular.

Os resultados de estudos sobre aspectos sociais da realização da cirurgia de catarata senil conduzidos em Campinas, Brasil, e Chimbote, Peru, revelaram que 50% dos casos de cegueira por catarata se deviam à ausência da intervenção cirúrgica específica (8).

Desde 1987, desenvolveu-se no Estado de São Paulo um programa de prevenção da cegueira por catarata, composto por projetos denominados Zona Livre de Catarata, ou, abreviadamente, Projeto Catarata. O Projeto Catarata procura eliminar obstáculos logísticos para que o indivíduo deficiente visual por catarata receba o tratamento necessário mediante a facilitação do acesso ao exame oftalmológico e à cirurgia, assim como através de processo educativo da população. Esse projeto é realizado em dias de final de semana ¾ em geral, um sábado e um domingo ¾ em local que privilegia critério geográfico de proximidade das residências. Faz-se divulgação prévia intensa do projeto, local e datas para o atendimento da comunidade.

Inicialmente, a iniciativa para executar o projeto foi da disciplina de oftalmologia, através do Núcleo de Prevenção da Cegueira da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), tendo recebido, posteriormente, apoio internacional do National Eye Institute (EUA), Helen Keller International, Associação Pan-Americana de Oftalmologia e Lyons International Foundation. Esse programa baseia-se nas recomendações da Associação Pan-Americana de Oftalmologia (1985) (9), segundo as quais deve-se unir esforços para identificar, em populações definidas e em tempo determinado, indivíduos de mais de 50 anos de idade, portadores de cegueira por catarata, a fim de proporcionar-lhes o tratamento cirúrgico necessário. Confere-se prioridade às intervenções direcionadas a populações de baixa renda e que apresentem dificuldade de acesso a serviços especializados (10).

Kara-José et al. (11) ressaltam a necessidade de vencer o desafio da cegueira por catarata na população idosa brasileira, por meio do aumento significativo do número de cirurgias de catarata realizadas nas instituições públicas que prestam serviços ao sistema público de saúde. Reiteram, ainda, a importância da participação dos oftalmologistas nesse processo e em programas comunitários de reabilitação visual.

A ação preventiva em saúde, no entanto, exige participação consciente do indivíduo afetado no sentido de adotar ou mudar comportamentos (1). É, portanto, necessário criar condições que motivem os indivíduos afetados, facilitar seu acesso aos serviços de saúde e organizar estes serviços adequadamente (7).

O conhecimento sobre o que as pessoas sabem, desejam, percebem e fazem em relação à prevenção e assistência de problemas oculares é um pré-requisito importante para a realização do planejamento de ações e programas de prevenção da cegueira, bem como para a organização de serviços assistenciais. Esse conhecimento deve ser obtido por meio da pesquisa de variáveis sócio-comportamentais, com a intenção de identificar percepções e conduta de adultos portadores de catarata senil em relação à doença e ao tratamento cirúrgico (1). Nesta pesquisa procurou-se identificar razões de deficientes visuais por catarata senil para explicar a ausência de acesso anterior ao tratamento cirúrgico, a fim de ampliar o conhecimento de aspectos sociais relacionados à reabilitação visual.


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