Comparação do desempenho de pré-escolares, mediante teste de desenvolvimento de Denver, antes e após intervenção nutricional

Enviado por M. Fisberg


Artigo original: "Rev. Assoc. Med. Bras., Jun 1997, vol.43, no.2, p.99-104. ISSN 0104-4230" 

1. Resumo

A análise de performance psicomotora de crianças institucionalizadas é de fundamental importância no planejamento de atividades educativas. Estudos anteriores têm mostrado prejuízos desta função em crianças de creches.

Objetivo.

Comparar o desempenho no teste de triagem de Denver em crianças de 2 a 6 anos de idade, de creches conveniadas com a Prefeitura de São Paulo, antes e após seis meses de intervenção nutricional com suplemento alimentar enriquecido com ferro.

Método.

Foram analisadas 130 crianças de 2 a 6 anos de idade, em três creches municipais de São Paulo, aplicando-se o teste de Denver, por psicólogas treinadas, comparando-se os resultados de acordo com o sexo, faixa etária e estado nutricional, antes e após período de suplementação alimentar.

Resultados.

A maior parte das crianças teve desempenho normal, tanto na primeira aplicação (70,80%), como na segunda (80,80%), sem modificação do estado nutricional. Na comparação dos resultados, 76,92% não modificaram o desempenho e 18,46% melhoraram significativamente. Em relação ao sexo, não foram encontradas diferenças significantes, enquanto que, para a faixa etária, houve melhora significante entre as crianças de 4 a 6 anos.

Conclusões.

Além do aspecto nutricional, fatores como prontidão para aprendizagem, organização familiar e orientação psicopedagógica das creches devem estar favorecendo o desenvolvimento, mesmo considerando-se o baixo nível socioeconômico da população estudada.

Unitermos. Desenvolvimento. Teste de Denver. Creche. Suplemento alimentar.

2. Introdução

De um modo geral, as estatísticas de mortalidade e morbidade, embora bastante incompletas, são unânimes em apontar o binômio desnutrição-infecção como o principal responsável pelas condições desfavoráveis de saúde da população brasileira1.

No Brasil morrem, diariamente, por desnutrição cerca de 1.000 crianças nas faixas etárias de 1 a 6 anos. Das que sobrevivem, cerca de 53% sofrem de subnutrição2.

O primeiro ano de vida é o período mais crítico do desenvolvimento; o crescimento é bastante acentuado, o sistema nervoso, de um modo geral, e o cérebro, em particular, são altamente vulneráveis aos efeitos da desnutrição. A criança apresenta altas necessidades nutricionais para prover o crescimento e desenvolvimento adequados3.

Estudos levados a efeito em diferentes países da América Latina têm demonstrado que as anemias nutricionais por carência de ferro, vitamina B12 e ácido fólico assumiram importância crescente a partir da década de 704.

Aukett5, em estudo que examinou a performance de crianças em teste de desenvolvimento, após terapia com suplementação de ferro durante 2 a 3 meses, teve como resultado estabilidade dos escores no teste, embora apresentassem boa resposta hematológica à terapia.

Um fato amplamente reconhecido é que a maior parte dos problemas que afetam o crescimento e desenvolvimento da criança e, até mesmo, sua sobrevivência decorre de situação sócio-econômica desfavorável; ou seja, a desnutrição é uma doença social6.

A realidade brasileira mostra-nos que o atendimento às crianças, do primeiro ano de vida até a idade de seis anos, é realizado, na maioria das vezes, por creches, que têm por objetivo proteger e propiciar cuidados integrais de higiene, alimentação, educação e saúde, em um clima afetivo, estimulante e seguro a essas crianças7.

No Brasil, as creches passaram, desde sua criação, de um caráter filantrópico de atendimento a uma preocupação educacional, buscando suprir, além das necessidades alimentares e de higiene, aspectos mais abrangentes do desenvolvimento, como socialização, autonomia e segurança8.

Do ponto de vista psicológico, o atendimento em creche tem sido, muitas vezes, apontado como prejudicial ao desenvolvimento mental e, sobretudo, emocional da criança, por fugir ao modelo de cuidado materno afetivo, individualizado e estável, preconizado como garantia do desenvolvimento sadio, durante os primeiros meses de vida da criança9.

Por outro lado, Prugh & Harlow10 referem que a separação, nos três primeiros meses de vida, raramente transtorna a criança, quando uma adequada mãe substituta proporciona-lhe cuidado. Parece que, entretanto, o segundo semestre de vida é um período muito vulnerável da criança, pois, nessa idade, ela começa a se diferenciar como ser independente da mãe e a formar uma imagem corporal primitiva, apesar de ainda existirem relações de grande dependência.

Assim, buscando investigar essas relações, o presente trabalho teve por objetivo comparar o desempenho, no teste de desenvolvimento de Denver, de crianças entre 2 e 6 anos de idade que freqüentam três creches conveniadas com a Prefeitura de São Paulo, antes e após intervenção nutricional com suplemento alimentar completo.

3. Material e método

Participaram deste estudo 144 crianças, entre 2 e 6 anos de idade, sendo 76 do sexo masculino e 68 do feminino. As crianças da amostra eram provenientes de três creches conveniadas com a Prefeitura Municipal de São Paulo, com atendimento em período integral, priorizando famílias de baixa renda (0 a 3 salários-mínimos), cujas mães trabalhavam fora de casa. Além disto, todas as crianças faziam parte de um programa desenvolvido pela Disciplina de Nutrição e Metabolismo da Universidade Federal de São Paulo. Nesse programa, a intervenção nutricional era feita com alimento protéico-calórico enriquecido com ferro, alcançando 100% das recomendações de ferro e proteína e 25% das recomendações energéticas, para a faixa etária pré-escolar. A análise desses dados, do ponto de vista nutricional, será fruto de outra publicação.

No presente estudo, as crianças foram avaliadas por meio do teste de triagem de desenvolvimento de Denver11, por profissionais previamente treinados. A avaliação foi realizada antes e após período de seis meses da intervenção nutricional.

O teste de Denver é um teste de triagem que leva em consideração o avanço da idade e avalia quatro áreas do desenvolvimento: motor-grosso, motor adaptativo, pessoal-social e linguagem, permitindo que sejam atribuídas, de acordo com os critérios de avaliação previstos no Manual do teste11, as categorias diagnósticas — normal, não-normal, questionável e não-testável. Segundo esses critérios de avaliação, foram considerados normais aqueles protocolos nos quais ocorreu, no máximo, uma falha de execução por área investigada. O protocolo foi considerado não-normal quando ocorreram duas ou mais falhas em, pelo menos, duas áreas, ou, ainda, uma área com uma ou mais falhas e outra área com uma falha e nenhum outro item de avaliação executado pela criança. Em situações intermediárias, foi atribuído como diagnóstico a categoria de questionável. Foram, ainda, considerados não-testáveis os protocolos em que a criança recusava executar tantos itens, que impedia a apreciação de seu desempenho em uma ou mais áreas.

O diagnóstico não-testável foi desconsiderado da análise dos resultados por não avaliar o desempenho das crianças, resultando em uma amostra final de 130 crianças, sendo 63 do sexo masculino e 67 do feminino.


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