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Conhecimentos sobre prevenção e tratamento de glaucoma entre pacientes de unidade hospitalar (página 2)

Edméa Rita Temporini

 

4. Métodos

Realizou-se pesquisa de corte transversal entre 405 indivíduos portadores de glaucoma, atendidos no ambulatório do Setor de Glaucoma do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE), no município de São Paulo. A amostra foi obtida a partir dos seguintes critérios: idade de 18 anos ou mais, presença a retorno no ambulatório no período estabelecido para a coleta de dados e concordância em participar deste estudo.

Foi elaborado questionário com base em estudo preliminar da realidade - denominado estudo exploratório. Esse recurso metodológico apresenta a finalidade de obter informações a respeito de terminologia, expressões verbais e variáveis, presentes em população similar. O conhecimento assim obtido permite introduzir no questionário da pesquisa elementos que integram aquela realidade, o que facilita a comunicação com os sujeitos da amostra e a compreensão das questões do instrumento. O estudo exploratório leva o pesquisador, freqüentemente, a descobertas de enfoques, percepções e terminologias novas para ele, contribuindo para que, paulatinamente, seu próprio modo de pensar seja modificado(13).

Este estudo foi realizado em duas fases, nas quais as infor-mações foram obtidas de forma gradual, por meio de entrevistas e aplicação de roteiro de perguntas.

Da primeira fase participaram 100 pacientes que forneceram elementos esclarecedores a respeito da relevância dos aspectos indagados, dúvidas quanto às perguntas formuladas e termos difíceis de serem compreendidos. Na segunda fase, foi aplicado questionário semi-estruturado a 20 pacientes, construído a partir dos subsídios obtidos na fase anterior. Após análise dessas entrevistas, elaborou-se o questionário definitivo.

O questionário assim construído foi submetido a teste prévio, mediante a aplicação por entrevista a 120 sujeitos, como prova de validade e confiança. Os pacientes que participaram do teste prévio foram excluídos da amostra do estudo.

O presente estudo apresenta as seguintes variáveis: sexo, idade, escolaridade, recebimento de explicações sobre glaucoma e auto-avaliação de conhecimentos em relação ao glaucoma. A variável "auto-avaliação do conhecimento" foi mensurada por meio de escala ordinal, incluindo as categorias: sabe bem, sabe mais ou menos, sabe mal e nada sabe. Desse modo procurou-se aumentar a precisão da medida. A adequação dessa escala confirmou-se nas fases exploratória e do teste prévio do instrumento.

A coleta de dados foi realizada no período de dezembro de 2001 a maio de 2002, mediante a aplicação do questionário por entrevista, considerando possíveis limitações da população de estudo decorrentes de baixa escolaridade. As entrevistas foram realizadas por auxiliar de pesquisa previamente treinada. Foram assegurados anonimato e sigilo dos dados aos respondentes.

A análise estatística foi realizada por meio do teste qui-quadrado, estabelecido o nível de significância de 0,05.

5. Resultados

A amostra foi composta por 405 pacientes de idades entre 20 e 92 anos.

Na tabela 1 apresentam-se as características pessoais. Observa-se que a maioria era do sexo feminino (72,6%) e que a idade média foi de 66,17 anos e desvio padrão ±10,85 anos. Quanto à escolaridade, 54,3% cursaram até o ensino fundamental.

A tabela 2 mostra a relação entre a escolaridade e a auto-avaliação do conhecimento sobre glaucoma. Os resultados mostraram que uma maior porcentagem dos pacientes entrevistados (46,9%) acreditavam "saber mais ou menos", entretanto, observou-se que entre aqueles com maior escolaridade referiram conhecer mais do que os com menor escolaridade (p < 0,000).

A tabela 3 apresenta o cruzamento das respostas dadas pelos pacientes quando indagados sobre as explicações recebidas e a auto-avaliação do conhecimento sobre glaucoma. Nota-se que há maior proporção de entrevistados que responderam afirmativamente em relação ao recebimento de explicações, entre aqueles que declaram saber bem o que é glaucoma do que entre os demais grupos (p < 0,05%). Em relação ao conhecimento do controle do glaucoma, entre os que declaram conhecer bem a doença, 95, 8% declaram terem recebido explicações (p < 0,000); entre os que declaram ter recebido tais explicações também afirmam conhecer a finalidade do colírio, o conceito e razão do exame de campo visual (p < 0,000).

Em relação às fontes de informação a respeito de glaucoma, 49,9% dos entrevistados mencionam unicamente o médico oftalmologista. De forma associada, mencionam médico e material impresso, sob a forma de jornais, revistas e livros (7,2%) (Tabela 4).

6. Discussão

O glaucoma é a segunda maior causa de cegueira no mundo. Estimou-se que no ano de 2000, 67 milhões de pessoas seriam portadoras de glaucoma primário de ângulo aberto ou fechado e que 10% destas seriam bilateralmente cegas(14).

Sabe-se que aproximadamente metade dos casos de cegueira é previsível ou reversível, tanto nos EUA(15) como no Brasil(16). Estudos apontaram que um ano de cegueira em um indivíduo adulto produtivo custava ao governo norte-americano cerca de U$12.000, em 1990(17). Além disso, o custo da prevenção da cegueira é muito menor que o custo social causado pela cegueira(18).

No presente estudo, investigaram-se informações recebidas em relação ao glaucoma e o grau de auto-avaliação de conhecimentos, na percepção de pacientes portadores dessa afecção, com a finalidade de obter subsídios para auxiliar a relação médico-paciente e estimular a observância do tratamento.

Observou-se, um maior valor percentual de pacientes que afirmaram "saber mais ou menos" em relação ao glaucoma, porém, entre aqueles com maior escolaridade referiram "saber mais", ou seja, pacientes com menor escolaridade confirmam seu desconhecimento a respeito de sua afecção.

Estudos observaram que pacientes mais bem informados apresentaram melhor comprometimento com o tratamento(19), e que em tratamento prolongado, sem compreensão da sua finalidade e importância pelos pacientes, tornava-se difícil a participação no tratamento(2). Os glaucomatosos ao serem questionados sobre a freqüência com que usavam os medicamentos, tendiam a repetir os intervalos dos horários indicados pelo médico. Entretanto, ao serem interrogados sobre os horários, percebeu-se que esses intervalos não eram respeitados. Apesar disso, muitos confiavam que, com o uso dos colírios, poderia haver melhora da acuidade visual. Como tal fato não ocorre, também contribui para reduzir a adesão ao tratamento.

Outros fatores podem estar também relacionados à irregularidade do tratamento, como: dificuldades econômicas, esquecimento do horário dos medicamentos, ausência de melhora da visão, efeitos colaterais e dificuldade da auto-instilação dos colírios(2).

Ley observou que os pacientes tendem a esquecer de um terço à metade das informações, minutos após o recebimento(20). Outros autores investigaram o efeito de um vídeo de 6 minutos sobre o conhecimento a respeito do glaucoma. Apesar de ter sido observado melhor conhecimento imediatamente após a apresentação do vídeo, após seis meses houve queda importante do nível de conhecimento(21). Kim et al. demonstraram que um vídeo de 12 minutos produzido pela Academia Americana de Oftalmologia promoveu melhora do conhecimento sobre glaucoma após uma semana, mas não após três meses(22).

Esses fatos reforçam a necessidade da manutenção de orientações e divulgação continuada de informação sobre prevenção e tratamento de glaucoma nos consultórios e na comunidade.

A aquisição do conhecimento sobre a importância da hereditariedade é muito importante para alertar descendentes sobre o risco de desenvolver o glaucoma.

A relação médico-paciente mostrou-se a mais expressiva fonte de informações, associado a jornais, revistas ou livros. É interessante observar que campanhas em televisão, rádio, meios de comunicação em massa, não se mostraram importantes na transmissão de conhecimentos para os entrevistados.

Admite-se que para realização de ações de saúde pública que dependem do comportamento das pessoas a que se destinam, torna-se de extrema importância conhecer previamente as maneiras de agir, sentir e pensar da comunidade-alvo dessas ações e o contexto onde se insere essa comunidade(23). Esse conhecimento possibilita direcionar o conteúdo e forma de campanhas educativas visando à prevenção e controle do glaucoma com objetivo, no caso, de maior compreensão e aceitação dos pacientes glaucomatosos da importância da adesão ao tratamento e controle adequado da doença.

Partindo do pressuposto que o conhecimento não corresponde a um acúmulo gradual de informações transmitidas, mas sim, a um processo construído na interação entre o sujeito e o outro, Cintra et al.(2) sugeriram que a orientação dos portadores de glaucoma deve ser feita de forma contínua e progressiva, levando-se em conta as concepções e significados que atribuem a sua doença e tratamento.

Considera-se, portanto, ser tarefa da equipe de saúde a identificação do repertório de conhecimentos e vocábulos comumente empregados pelas pessoas da comunidade. Este constitui o primeiro passo para uma comunicação eficiente(13).

É sempre importante enfatizar que o modelo biomédico, com ênfase na doença e não na saúde, representa apenas parte das formas possíveis de intervenção social na saúde pública, que incluem também a abordagem educativa, de mudança de comportamento, a abordagem centralizada no cliente e a abordagem societária. Programas de educação em saúde visam desencadear mudanças de comportamento individual e servir de base para a instalação de promoção de saúde, cujo intuito principal é o de promover mudanças no comportamento organizacional(24).

O esforço preventivo é amplamente justificado uma vez que a orientação correta configura-se em medida de prevenção de cegueira e de transtornos visuais. Ressalta-se que a cegueira e a incapacidade visual acarretam conseqüências sociais, psicológicas e econômicas adversas para o indivíduo e para a sociedade(25).

7. Conclusão

Revelou-se insuficiência de conhecimentos em relação ao glaucoma, às formas de prevenção e de tratamento. Esse fato sugere a necessidade de ações educativas visando à divulgação de conhecimentos relativos ao glaucoma, entre os pacientes e a população em geral, como forma de prevenção da perda visual.

8. Referências

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2. Cintra FA, Costa VP, Tonussi JAG, Jose NK. Avaliação de programa educativo para portadores de glaucoma. Rev Saúde Pública. 1998; 32(2):172-7.

3. Van Buskirk EM, Cioffi GA. Glaucomatous optic neuropathy. Am J Ophthalmol. 1992; 113(4):447-52. Review.

4. Drance SM. Bowman Lecture. Glaucoma-changing concepts. Eye. 1992; 6(Pt4): 337-45.

5. Gullo RM, Costa VP, Bernardi L, Kara-José N. Condições visuais de pacientes glaucomatosos em um hospital universitário. Arq Bras Oftalmol. 1996; 59(2):147-50.

6. Ashburn FS Jr, Goldberg I, Kass MA. Compliance with ocular therapy. Surv Ophthalmol. 1980; 24(4):237-48. Review.

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10. Temporini ER, Kara-José N. Níveis de prevenção de problemas oftalmológicos: propostas de investigação. Arq Bras Oftalmol. 1995; 58(3):189-92.

11. Temporini ER, Kara-José N, Gondim EL, Dantas FJ. Conhecimentos sobre saúde ocular entre profissionais de um hospital universitário. Medicina (Ribeirão Preto). 2002; 35(1):53-61.

12. Temporini ER. Ação preventiva em problemas visuais de escolares. Rev Saúde Pública. 1984; 18(3):259-62.

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20. Ley P. Psychology of compliance. Br J Soc Clin Psychol. 1979, 18:254-8.

21. Rosenthal AR, Zimmerman JF, Tanner J. Educating the glaucoma patient. Br J Ophthalmol. 1979; 67(12):814-7.

22. Kim S et al. Glaucoma patient education. Invest Ophthal Vis Sci. 1996; 37(Suppl):S642.

23. Temporini ER. Pesquisa de oftalmologia em saúde pública: considerações metodológicas sobre fatores humanos. Arq Bras Oftalmol. 1991; 54(6):279-81.

24. Candeias NMF. Conceitos de educação e de promoção em saúde: mudanças individuais e mudanças organizacionais. Rev Saúde Pública. 1977;31(2):209-13.

25. World Health Organization. Strategies for the prevention of blindness in national programmes - a primary health care approach. Geneva: WHO; 1984.

Marcelo Jordão Lopes da SilvaI; Edméa Rita TemporiniII; Isaac NeusteinIII; Maria Emília Xavier Santos AraújoIV - ertempor[arroba]usp.br

IMédico Oftalmologista, Mestre em Medicina pelo IASMPE, Chefe do Setor de Glaucoma do Hospital do Servidor Público Estadual, São Paulo

IIProfessora Associada, Livre-docente em Metodologia de Pesquisa em Saúde, Assessora de Pesquisa junto à Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP e da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

IIIMédico Oftalmologista, Chefe do Serviço de Oftalmologia do Hospital do Servidor Público Estadual, São Paulo

IVMédica Oftalmologista, Doutora em Oftalmologia pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP



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