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Da escolha dos membros do Judiciário Superior pelo Executivo: controle ou ingerência? (página 2)

Marília Andrade Dos Santos

No dizer de Dallari, "(…) quando se pretende desconcentrar o poder, atribuindo o seu exercício a vários órgãos, a preocupação maior é a defesa da liberdade dos indivíduos, pois, quanto maior for a concentração do poder, maior será o risco de um governo ditatorial".

Também defendendo a necessidade de não cumulação das funções em uma mesma pessoa ou órgão encontra-se Madison que, em um dos artigos de O Federalista, afirmou que "a cumulação de todos os poderes, legislativos, executivos e judiciais, nas mesmas mãos, sejam estas de um, de poucos ou de muitos, hereditárias, autonomeadas ou eletivas, pode-se dizer com exatidão que constitui a própria definição de tirania".

É também em razão desta necessidade da não cumulação das funções que surge, na doutrina americana, o sistema dos freios e contrapesos, sempre ligado à idéia de divisão das funções estatais. Tal sistema determina que um poder sofrerá o controle dos outros dois, a fim de que sejam evitados abusos, garantido, assim, a liberdade individual e afastando a possibilidade de ditadura/tirania.

No entanto, com o passar do tempo verificou-se ser impossível e pouco eficiente que uma função fosse exercida exclusivamente por uma pessoa ou órgão do Estado. Em razão disto, as Constituições abriram espaço à transferência constitucional de poderes, mediante a qual as pessoas ou órgãos que exercem funções no Estado exercem, de forma complementar, subsidiária, as outras duas funções.

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Visto o funcionamento da doutrina da separação dos poderes do Estado, parte-se para uma análise do fato de serem os membros dos órgãos judiciais superiores escolhidos pelo Executivo.

Primeiramente, é importante explicitar que a definição dos membros do Judiciário Superior é feita pelo chefe do Executivo que, após receber uma lista com três nomes apresentada pelo pleno do Tribunal, escolhe o nome daquele que preencherá a vaga aberta deste órgão.

A questão que se coloca é se esta escolha realmente representa o controle de um Poder sobre o outro ou se ela seria uma forma mascarada de ingerência sobre o Judiciário (relembre-se que o princípio da separação dos poderes foi consagrado para evitar abusos e garantir as liberdades individuais).

Acreditamos que, efetivamente, se trata de ingerência de um Poder sobre o outro. Senão, vejamos.

O controle é conduzido por um Poder a fim de forçar o outro se conduzir de forma a observar os princípios do Estado elencados na Constituição e assegurar aos indivíduos as garantias e prerrogativas determinadas pela Carta Magna.

Como exemplos de controle encontramos, na própria Constituição Federal, o controle exercido pelo Legislativo sobre os outros dois Poderes através do Tribunal de Contas, ou aquele exercido pelo Judiciário sobre o Legislativo através do julgamento de Ações Diretas de Inconstitucionalidade.

Entretanto, quando analisamos a relação existente entre o Executivo e o Judiciário Superior, vemos claramente a vinculação entre ambos, sendo que o Judiciário, em vários casos que envolvem interesses políticos, tende a posicionar-se de forma a proteger aqueles ligados a tais interesses.

Esta vinculação acaba por configurar verdadeira ingerência entre os Poderes, o que é vedado nas Constituições. De não esquecermos a posição defendida por Madison, em O Federalista, que dizia ser inviável à democracia a união de funções em uma mesma pessoa ou órgão, tanto que a Constituição dos Estados Unidos não admite sequer interferências entre os Poderes.

Salientamos, no entanto, que não acreditamos que todas as decisões tomadas sejam vinculadas. Tanto é assim que nem sempre o interesse político é protegido nas instâncias superiores.

Mas, mesmo tendo esta realidade em vista, não é possível olvidar-se que várias decisões deixam de obedecer as diretrizes determinadas pela lei, importando menos no julgamento dos ministros a realidade do povo do que a satisfação de interesses daqueles que detém o poder.

Com efeito, podemos ver que nas Cortes Superiores, em especial no STF, as decisões tomadas privilegiam certos grupos sociais, e não o povo, que deveria ser o destinatário precípuo das normas concretas lançadas pelo Judiciário.

Como exemplo podemos citar o clássico caso da ADIN n° 04, julgada pelo STF, que decidiu ser livre a incidência de juros nos contratos de mútuo, não sendo auto-aplicável o art. 192, §3° da CF. Certamente não pensaram os Ministros nas conseqüências práticas para a população da decisão tomada.

Este caso, mais do que qualquer outro, evidencia o comprometimento das Cortes Superiores com aqueles que detém o poder.

Outrossim, tem-se o ocorrido mais recentemente nas CPIs, como já citado, ocasião em que vários acusados de participar de esquemas corruptos com a cúpula do Governo Federal foram beneficiados por HCs.

Há tanta preocupação com esta realidade que existe um Projeto de Emenda Constitucional – PEC n° 068/05, de autoria do senador Jefferson Peres, para ser alterada a forma de composição do STF. Como justificativa ao projeto foi afirmado que

Efetivamente, não nos parece exagerado dizer que a atual sistemática de composição da nossa mais alta Corte de Justiça, formada por membros escolhidos, todos, pelo Presidente da República sem critérios outros que a convivência política dessa autoridade não contribui para o equilíbrio e a serenidade do órgão máximo do Poder Judiciário.

Ao contrário, temos assistido a politização exagerada do Supremo Tribunal Federal com o risco que isso traz para estabilidade das instituições democráticas, para o equilíbrio dos Poderes e para a própria legitimidade daquela Corte.

Sendo como é a escolha dos judicantes, e com o histórico de decisões pró minorias fortes, estas decisões concessórias do writ são vistas pelo povo como "venda" de decisões, o que gera um descrédito incomensurável do Poder Judiciário e das decisões dele emanadas.

Esta situação vivida pelas Cortes Superiores acaba por trazer graves prejuízos a todo o Poder Judiciário, inclusive no que atine aos Juízes de primeiro grau que, ao contrário dos demais, são submetidos a provas para que ingressem em sua função, o que os torna desvinculados dos interesses acima referidos.

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Com base nisto, talvez a solução para minimizar esta realidade seja que os membros do Judiciário Superior sejam submetidos a uma espécie de prova, como os juízes de primeiro grau, ao menos para torna-los menos vulneráveis às ingerências externas, pois terão certeza que sua presença nas Cortes Superiores será devida à sua capacidade, e não decorrentes de interferências políticas, o que lhes deixará mais livres para decidirem de acordo com a lei, minimizando os efeitos das influências externas.

Um passo para a transformação já foi tomado, através do PEC n° 068/05. Que este projeto seja aprovado e que o exemplo seja seguido pelas demais Cortes Superiores.

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BRASIL. Projeto de Emenda à Constituição n° 068/05. Disponível: <http://www.ajuris.org.br/texto/PEC68-05.doc>. Acesso em: 14 jun. 2006.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 3.367-1/DF. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/34172,1>. Acesso em: 14 jun. 2006.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2001.

 

Marília Andrade Dos Santos

austriaandrade[arroba]hotmail.com



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