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Fatores relacionados a hospitalizações por injúrias em crianças e adolescentes (página 2)

Joel Alves Lamounier; Anna Luiza Gervásio da Fonseca Torga; Gisele Lemos Fe

 

4. Resultados

O paciente mais jovem tinha 16 dias de vida, e o mais velho, 19 anos, 10 meses e 29 dias. A média de idade foi de 9,8±6,2 anos; 485 (69,7%) pacientes eram do gênero masculino e 211 (30,3%) do feminino, o que corresponde a uma relação de 2,3:1. A respeito do local de ocorrência das injúrias, 272 (39,1%) aconteceram na residência e 424 (60,9%) fora da residência (Tabela 1). Os resultados obtidos ao se perguntar aos informantes suas opiniões acerca das causas das injúrias encontram-se na Tabela 2.

Ao serem indagados se, anteriormente, já haviam recebido orientações sobre prevenção de injúrias, 161 (23,1%) informantes responderam afirmativamente, sendo que 120 receberam orientações de mais de uma fonte, totalizando 209 fontes de informações, distribuídas de acordo com a Tabela 2.

Os dados referentes à distribuição das hospitalizações quanto aos tipos de injúrias estão apresentados na Tabela 3.

Entre os 240 pacientes vítimas de acidentes de transporte, 103 (42,9%) tinham entre 15 e 19 anos, sendo que esta faixa etária predominou entre todas as modalidades desse tipo de acidente, com exceção dos pedestres, que foram os mais freqüentes na faixa etária de 5 a 9 anos, com 22 (47,8%) eventos. Dos pacientes vítimas de acidentes de transporte, 107 (44,6%) eram ciclistas, sendo 84 (78,5%) condutores e 23 (21,5%), passageiros. Dos condutores, 10 (11,9%) transportavam outros passageiros na bicicleta. Assim sendo, totalizaram-se 33 (30,8%) acidentes em que a bicicleta transportava mais de uma pessoa no momento do acidente. Nenhum dos ciclistas usava capacete.

Em relação às quedas, 79 (34,2%) ocorreram no mesmo nível e 20 (8,6%) eram crianças que caíram da cama; destas, 13 (65%) tinham idade inferior a 1 ano.

Observou-se que, dentre os acidentes relacionados à exposição a forças mecânicas inanimadas, 25 (39,7%) ocorreram durante o trabalho.

Dos seis pacientes vítimas de picadas por serpente, cinco foram picados nos pés; quatro estavam descalços e um usava chinelo.

Contato com uma fonte de calor ou com substâncias quentes e exposição a fogo e chamas totalizaram 34 (4,9%) hospitalizações; destas, 31 (91,2%) aconteceram em casa, sendo que 19 (61,3%) ocorreram na cozinha.

Quanto aos 16 pacientes vítimas de intoxicações, nove (56,3%) eram do gênero feminino; seis (37,%) ocorreram na faixa etária de 1 a 4 anos e foram acidentais; cinco (31,3%) aconteceram na faixa etária entre 15 e 19 anos, sendo que todas foram do gênero feminino e intencionais.

A distribuição dos pacientes por tipo de injúria e segundo a faixa etária e o gênero encontra-se na Tabela 4.

Na Tabela 5, o resultado do qui-quadrado de tendência linear mostra que, tomando-se a faixa etária "menor de 1 ano" como padrão, a chance de ocorrência de acidentes de transporte, exposição a forças mecânicas inanimadas e "outros tipos de injúrias" aumenta de forma contínua e diretamente proporcional à idade. Já as injúrias envolvendo exposição a forças mecânicas animadas e agressões diminuem até a idade de 9 anos, com aumento nas faixas etárias seguintes. Comportamento inverso é observado em relação aos acidentes envolvendo queimaduras, com aumento na faixa etária de 1 a 4 anos e diminuição nas seguintes. Quanto às injúrias envolvendo quedas, contato com animais e intoxicações, elas apresentam chance menor de ocorrência com o aumento da idade.

Ocorreram 16 (2,3%) óbitos entre os pacientes hospitalizados por injúrias; 12 foram devidos a acidentes de transporte, três a quedas e um a agressões.

5. Discussão

Nesta pesquisa, as hospitalizações por injúrias representaram 9,9% do total de internações de crianças e adolescentes. Esta proporção reflete a importância deste tema, ainda freqüentemente menosprezado em nosso meio6.

Quanto ao gênero, houve predomínio do masculino (2,3:1), o que está de acordo com diversos outros estudos1,3,9. Para esta diferença, uma possível explicação é que as pessoas do gênero masculino têm comportamento de maior risco9.

Apesar de, hoje em dia, as injúrias serem vistas como acontecimentos preveníveis2, essa visão ainda não alcançou um percentual significativo dos informantes dessa pesquisa, já que 18% acreditavam que as injúrias se devem ao destino, sendo, portanto, inevitáveis. Os que desconhecem as causas dos eventos precisam ser orientados quanto aos fatores de risco. Por outro lado, o percentual de informantes que já havia recebido orientação sobre prevenção de injúrias também foi muito baixo, bem menor que o de outro estudo brasileiro10. Para prevenir injúrias na infância, uma das estratégias é educar a população11. Segundo Brent & Weitzman12, os pediatras precisam exercer essa atividade, fornecendo orientação aos pais sobre os riscos ambientais.

Os acidentes de transporte, representados pelas várias modalidades, foram os mais freqüentes. A visão atual acerca das injúrias relacionadas ao trânsito é de que estas são, em grande parte, preveníveis e previsíveis, e que deve-se buscar proteção igual para todos os usuários, incluindo os de veículos não-motorizados, já que representam uma parcela importante das vítimas do trânsito5.

Na atual pesquisa, dentre os acidentes de transporte, o maior número ocorreu com ciclistas, e, em 30,8% dos casos, a bicicleta transportava mais de uma pessoa no momento do acidente, o que constitui fator de risco, por comprometer a estabilidade do veículo e aumentar o tempo necessário para que seja freado13. Embora muitos traumatismos cranianos possam ser evitados pelo uso de capacete14,15, nenhum dos pacientes fazia uso dele no momento do acidente, o que também foi observado por Pereira et al.16. Já Ortega et al.17, em Ohio, nos Estados Unidos, relataram que 26,1% dos ciclistas usavam capacetes.

As quedas ficaram em segundo lugar como causa de hospitalização. Segundo a Organização Mundial da Saúde2, elas ocupam o quinto lugar como causa de sobrecarga de doenças na faixa etária de 5 a 14 anos. Entre as crianças menores de 1 ano, as quedas foram o principal tipo de injúria, o que também foi observado em outras publicações18-20. Segundo Pickett et al.21, as quedas, nessa faixa etária, poderiam ser evitadas se os pais ou responsáveis tivessem percebido os riscos antecipadamente e tomado providências para evitá-las.

Entre as injúrias relacionadas à exposição a forças mecânicas inanimadas, 39,7% ocorreram durante o trabalho. O adolescente, inexperiente no manejo de máquinas, corre maior risco de acidentar-se; desta forma, é importante que ele seja ensinado a como lidar com os equipamentos e que haja supervisão22.

Quanto aos acidentes ofídicos, as picadas nos pés poderiam ser prevenidas com o uso de calçados adequados, medida preventiva já amplamente conhecida e eficaz. Gikas23 sugere o uso de botas de cano alto para a prevenção desse tipo de injúria.

A respeito das agressões por arma de fogo, ocorreram principalmente entre os adolescentes do gênero masculino, na faixa etária de 15 a 19 anos. Ressalta-se que a inexistência de armas de fogo nos ambientes doméstico e comunitário é o principal recurso para a prevenção desse tipo de injúria em crianças e adolescentes24.

As escaldaduras, causadas por contato com alimentos e água quente, ocorreram principalmente em casa, na cozinha, que é um local de risco reconhecido por outros autores12,25,26. De acordo com Agran et al.19, o pico da incidência de escaldaduras é entre 12 e 14 meses.

Com relação às intoxicações, apesar do pequeno número de casos, observou-se que foram o único tipo de injúria no qual houve maior número de pacientes do gênero feminino, devido às tentativas de suicídio ocorridas entre as adolescentes. A faixa etária de 1 a 4 anos foi a de maior risco para intoxicações acidentais.

A faixa etária de 15 a 19 anos apresentou a maior freqüência de injúrias, o que também foi observado nos dados do Datasus1.

A análise dos dados referentes aos tipos de injúria por faixa etária mostrou que o percentual de acidentes de transporte aumentou com a idade; inversamente, o percentual de quedas diminuiu.

O conhecimento da distribuição dos principais tipos de injúrias que levaram à hospitalização, de acordo com a faixa etária, contribui para que se possa fornecer orientação preventiva. Assim, recomenda-se: alertar os pais de crianças menores de 1 ano sobre os riscos de queimaduras e quedas, principalmente da cama; despertar a atenção dos pais de crianças de 1 a 4 anos para o perigo de quedas, queimaduras e acidentes de transportes; realçar, na faixa etária de 5 a 9 anos, o risco de quedas, acidentes de transporte, principalmente como pedestres, e injúrias relacionadas à exposição a forças mecânicas inanimadas; orientar os adolescentes de 10 a 14 anos sobre a prevenção de acidentes de transporte, de quedas e injúrias relacionadas a contato com animais venenosos; enfatizar, entre os adolescentes de 15 a 19 anos de idade, os riscos dos acidentes de transporte, das injúrias relacionadas à exposição a forças mecânicas inanimadas e agressões.

As limitações do estudo decorreram das características do HMC, que podem ter influenciado o perfil dos pacientes hospitalizados, uma vez que, para esse hospital, são encaminhados pacientes mais graves, que precisam de atendimento por especialistas, de recursos de diagnóstico por imagem e ou de terapia intensiva. Também não foram incluídos os pacientes que chegaram sem vida ao hospital, que faleceram no pronto-socorro ou que necessitaram de atendimento sem hospitalização.

Ressalta-se, assim, que não se trata de estudo epidemiológico. No entanto, os achados e o conhecimento da freqüência das injúrias que requerem hospitalização, bem como de alguns fatores relacionados a injúrias em crianças e adolescentes, poderá contribuir para ações preventivas.

Agradecimentos

Aos médicos Márcio Neves Franco e Fabrício Bride Soares, pela colaboração na realização das entrevistas, e a Marcelo Militão Abrantes, pela análise estatística.

6. Referências

1. Ministério da Saúde [site na Internet]. Sistema de Informações sobre Mortalidade. Óbitos por ocorrência segundo faixa etária. Capítulo CID-10:XX. Causas externas de morbidade e mortalidade Brasil; 2001 [citado 19 de abril de 2004]. [aproximadamente 3 telas]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/obtuf.def

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24. Committee on Injury and Poison Prevention American Academy of Pediatrics. Firearm-Related injuries affecting the pediatric population. Pediatrics. 2000;105:888-95.

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26. Razzak JA, Luby SP, Laflamme L, Chotani H. Injuries among children in Karachi, Pakistan - what, where and how. Public Health. 2004;118:114-20.

Vera L. V. GasparI; Joel A. LamounierII; Fernando M. CunhaIII; José C. GasparIV - jalamo[arroba]medicina.ufmg.br

IMestre. Pediatra, Hospital Márcio Cunha. Professora de Pediatria, Faculdade de Medicina do Vale do Aço, Ipatinga, MG.

IIDoutor. Professor titular de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Orientador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde – Saúde da Criança e do Adolescente, Belo Horizonte

IIIDoutor. Professor adjunto, Departamento do Aparelho Locomotor, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG .

IVPediatra, Hospital Márcio Cunha. Professor de Pediatria, Faculdade de Medicina do Vale do Aço, Ipatinga, MG.



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