Nova fórmula láctea infantil: papel na prevenção da anemia carencial

Enviado por Mauro Fisberg


1. Resumo

Objetivo:

Este estudo duplo-cego teve por objetivo avaliar a eficácia de uma nova fórmula infantil fortificada com ferro e enriquecida com nucleótidos, na prevenção da anemia ferropriva e no crescimento e desenvolvimento, em lactentes.

Casuística e método:

Foram estudadas 111 crianças, com idade entre 4 e 7 meses ao início do trabalho, divididas em dois grupos: grupo fórmula (GF) com 68 crianças, que recebeu a fórmula com ferro e nucleótidos e grupo controle (GC) com 43 crianças, que recebeu leite de vaca integral em pó, tradicionalmente utilizado nas creches do Município de São Paulo. A avaliação da intervenção consistiu na análise do estado nutricional, por antropometria e dosagens bioquímicas dos níveis séricos de hemoglobina, ferro e ferritina, antes e após a intervenção até o décimo segundo mês de vida das crianças.

Resultados:

Não houve modificação no estado nutricional das crianças durante o estudo em relação ao peso/idade, estatura, peso/estatura, baseados na distribuição média do escore-Z entre os dois grupos de crianças estudadas. Os valores médios de hemoglobina, antes e após a intervenção nutricional, mostraram aumento significante no GF em relação ao GC. Ao final do projeto observou-se que, enquanto as crianças do GF aumentaram em média 0,66 g/dl de hemoglobina, o GC apresentou diminuição significante (-0,46 g/dl, p<0,001). De maneira clara, verificou-se que o uso da fórmula de intervenção foi suficiente para prevenir e melhorar o estado de anemia em geral da população em estudo, o que não ocorreu com o grupo controle, o qual teve piora evidente do estado nutricional de ferro. No pré-tratamento, aproximadamente 34% das crianças do GF apresentavam depleção de ferro, avaliada pela ferritina abaixo dos valores de normalidade, contra 28% do GC. Após intervenção, o GF mostou prevalência de 23,5% de lactentes com ferritina abaixo da normalidade (sem significância estatística); porém, o GC mostrou um aumento significante de casos com ferritina baixa após a intervenção (58%, p<0,001). O volume de ingestão no GF teve um discreto aumento ao longo do estudo em relação ao GC. A fórmula enriquecida com ferro e nucleótidos e o leite controle foram bem aceitos e tolerados pelas crianças. As pajens e mães referiram que as evacuações das crianças do GF apresentavam características explosivas e mais amolecidas, parecidas com as do leite materno. Apesar do ferro enriquecendo a fórmula no GF, não se observou comportamento obstipante, fezes endurecidas ou escuras. Pode-se verificar uma tendência diversa à observada na utilização de fórmulas tradicionais enriquecidas com ferro.

Conclusão:

Concluímos que o uso de alimentos fortificados com ferro (e nesta fase da vida, o uso de fórmula láctea) é a medida mais efetiva para combater a deficiência deste elemento em uma população, melhorando os índices de anemia e os valores de ferro sérico e ferritina.

Unitermos: Fórmula láctea infantil, anemia carencial, fortificação com ferro.

2. Summary

Background:

The objective of this blind study was to evaluate the efficacy of a new iron/nucleotides fortified infant formula, on the prevention of iron deficiency anemia and on the growth and development of infants.

Patients and methods:

Studied sample was 111 children, ages between 4 to 7 monthold at the admission, divided into two arms: a formula group (FG) with 68 children, receiving the iron/nucleotides fortified formula, and a control group (CG) with 43 children, receiving powder whole cow milk, regularly used in the day care centers of São Paulo city. Evaluation of the intervention consisted of the analysis of the nutritional status, by means of anthropometry and serum levels of hemoglobin, iron and ferritin, before and after intervention, up to the 12th month of children's life.

Results:

No changes were seen throughout the study in the nutritional status of the children, regardind weight/age, height/age and weight/height, with basis on the average distribution of Z-score between the two studied groups. Mean values of hemoglobine before and after nutritional intervention showed significant increase in FG compared to CG. At the end the project it was observed that while children of GF had a mean increase of 0.66 g/dl hemoglobin, CG showed a significant decrease (-0.46 g/dL, p < 0.001). It was enough to prevent and improve the general anemia status of the studied sample, but this did not happen with the control group, which had an evident impairment of the iron nutritional status. Approximately 34% of the FG children showed iron depletion in the preteatment, as evaluated by ferritin below the normal range, against 28% of the CG children. After intervention, FG showed a prevalence of 23.5% of infants with ferritin below normal range (without statistical significance); however, CG showed a significant increase of children with low ferritin after intervention (58%, p < 0,001). Ingested volume in FG had a slight increase throughout the study, as compared to CG. Both iron/nucleotides fortified formula and control milk were well accepted and tolerated by children. The baby-sitters and mothers referred that FG children's stools were softened and had explosive characteristic, resembling that ones seen with breastfeeding. Althoug iron fortification of the FG, no obstipation or hardened/dark stools were observed. It can be seen an opposite trend to that observed with traditional iron fortified formulas.

Conclusions:

We concluded that iron fortification of food is the most effective way to oppose this deficiency in a population, improving the anemia and the serum levels of iron and ferritin.

Keywords: Infant milk formula, anemia, iron fortification.

3. Introdução

A anemia ferropriva é a mais freqüente das anemias na infância (DeMAEYER & ADIELS-TEGMAN, 1985). A carência nutricional de ferro tem permanecido elevada em todo o mundo, a despeito dos inúmeros avanços ocorridos na sua detecção e tratamento.

As crianças, em especial os lactentes, encontram-se dentro dos maiores grupos de risco, apresentando altas prevalências de anemia. Este é um dos períodos da vida em que as necessidades de ferro estão aumentadas, aliando-se, em geral, a uma dieta nem sempre adequada em relação à fonte de ferro. A introdução de alimentos de desmame no primeiro ano de vida, em geral cereais que na maior parte das vezes possuem ferro de baixa biodisponibilidade aliada à substituição do aleitamento por leite de vaca sem modificações, podem permitir a instalação da anemia carencial ferropriva (AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS, 1992). Ainda outras vezes, no início da vida, em que a principal fonte alimentar é o leite, a troca do leite materno pelo leite de vaca poderia, em algumas crianças, determinar alergia ao leite de vaca, com conseqüente sangramento intestinal, proporcionando o aparecimento da anemia (LANKOWSKY et al, 1981).

A prevenção da carência de ferro é de fundamental importância, uma vez que estudos realizados demonstraram ocorrer alterações no crescimento, desenvolvimento e alterações da imunidade em crianças acometidas de anemia ferropriva, sobretudo em fases precoces da vida (DALLMAN, 1987; BHATIA & SESHADRI, 1993). As alterações ocorridas no desenvolvimento são de fundamental importância, uma vez que ainda são controversos os estudos quanto à reversibilidade das alterações ocorridas no desenvolvimento, quando se atinge o primeiro ano de vida. Vários estudos têm avaliado o comportamento cognitivo de crianças com anemia e após recuperação nutricional, com resultados controversos (OSKI, 1979; POLLITT et al, 1986). No entanto, estudos mais recentes (LOZZOFF, 1991) mostram que a prevenção é essencial para evitar os efeitos da carência de ferro no nível intelectual.

Em nosso País, a prevalência da anemia ferropriva vem aumentando nas últimas décadas, atingindo índices que variam de 50 a 100% das crianças, dependendo da região e faixa etária estudadas. No Estado de São Paulo, considerado um dos mais desenvolvidos do País, estudo realizado pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, em 1992, em crianças menores de 36 meses de idade, revelou índice de 56% (TORRES, SATO & QUEIROZ, 1994). No países desenvolvidos, essas cifras atingem valores inferiores a 10% para a mesma faixa etária. Acredita-se que uma das razões que diminuíram a prevalência da anemia ferropriva em lactentes em algumas regiões do mundo foi a utilização de fórmulas fortificadas com ferro, após o desmame. No Chile, programas utilizando leite fortificado com ferro na alimentação de lactentes permitiram observar declínio na prevalência de anemia de cerca de 30% para até 2,5% (HERTRAMPF et al, 1990).

Em nosso meio, alguns estudos têm sido realizados para avaliar a eficácia de um programa utilizando alimentos fortificados no combate à anemia ferropriva em crianças. Ainda no Estado de São Paulo, a Secretaria de Saúde (TORRES et al, 1994) avaliou crianças de 6 a 23 meses, submetidas a utilização de leite integral fortificado com 9 mg de ferro e 39 mg de vitamina C, por um período de 6 meses, obtendo ótimos resultados; o mesmo observado em estudo realizado em Bento Gonçalves (TURCONI & TURCONI, 1992).

Fórmulas lácteas modernas têm incorporado à sua composição global os nucleótidos, que são a unidade básica precursora do DNA e RNA. Os nucleótidos têm efeitos descritos na imunidade celular e humoral, na melhora do funcionamento do trato gastrointestinal e na incorporação energética e lipídica (GORDON, 1986; DUBYAK & EL-MOATASSIM, 1993; RUDOLPH, 1994). Fases de crescimento celular rápido, como os dois primeiros anos de vida, são associadas a maiores necessidades de nucleótidos, na maior parte das vezes supridas pelo leite materno (PITA et al, 1988; UAUY, 1989: GIL & UAUY, 1989; SANCHEZ-POZO et al, 1994).

Baseados nesses estudos, resolvemos avaliar a eficácia de uma nova fórmula fortificada com ferro e enriquecida com nucleótidos, na prevenção da anemia ferropriva e na avaliação do crescimento e desenvolvimento, em lactentes.

4. Casuística e método

A população estudada constituiu-se de 111 crianças, com idade entre 4 e 7 meses ao início do trabalho.

Todas foram selecionadas em creches diretas (mantidas pela Prefeitura Municipal de São Paulo) ou conveniadas com a Secretaria Municipal da Família e do Bem-Estar Social, FABES. As crianças permaneciam, em média, 10 horas na creche, durante cinco dias úteis da semana, recebendo cinco refeições por dia. As famílias das crianças atendidas pelas creches recebem no máximo 3 salários mínimos por mês, como norma de ingresso da criança na instituição.

As crianças foram selecionadas consecutivamente em cada uma das instituições, sendo o critério de ingresso o da faixa etária, não apresentar doença em seguimento, estar freqüentando assiduamente a creche e já haver sido desmamada integralmente.

Foi realizado um estudo do tipo antes-depois,em que foram analisados o estado nutricional por antropometria e dosagens bioquímicas dos níveis de hemoglobina, ferro sérico e ferritina, antes e após a intervenção.

O programa de suplementação foi duplo-cego e definido por auditor externo, que foi o único a saber o tipo de fórmula fornecida a cada instituição. No presente estudo foram formados dois grupos: grupo-fórmula (GF) com 68 crianças, que recebeu a fórmula com ferro e nucleótidos1 e grupo-controle (GC), que recebeu leite integral, tradicionalmente já utilizado na instituição, com 43 crianças. A intervenção consistiu em análise das crianças até o décimo-segundo mês de vida.

Foram oferecidos diariamente 400 ml da fórmula ou do leite-controle,conforme o grupo ao qual pertenciam as crianças. A ingestão foi anotada diariamente em formulário próprio pela responsável pela criança, sendo que também foram anotadas a aceitabilidade, intercorrências durante o período e faltas. Todas as crianças receberam a dieta usual da creche e não feita qualquer modificação no cardápio durante o período de intervenção.

A fórmula infantil do estudo tinha as seguintes características: leite em pó integral, à base de leite de vaca, com sulfato ferroso 1,8 mg/100 calorias. A fórmula continha gorduras na seguinte concentração: 20% ácidos graxos saturados, 40% monoinsaturados, 2% de -linolênico e 22% de linolênico. Nucleótidos foram acrescidos na concentração de 72 mg/l (citidina monofosfato, guanosina monofosfato, adenosina monofosfato e uridina monofosfato). Vitaminas e sais mineiras estavam de acordo com as normas da Academia Americana de Pediatria (1993). O leite-controle era composto de leite em pó integral, sem modificações.

Foram selecionadas para o estudo as crianças que tiveram consentimento prévio dos pais ou responsáveis, após esclarecimento sobre o tipo de intervenção na qual estariam envolvidas. Foram excluídas aquelas que apresentavam doenças genéticas, infecciosas, retardo mental, alergia ao leite de vaca e hemoglobina inferior a 9 g/dl.

Todas as crianças que, ao primeiro exame, apresentaram hemoglobina inferior a 9 g/dl foram tratadas com hidróxido férrico polimaltosado em doses habituais e foram excluídas do estudo. Não foram consideradas, para o resultado final da intervenção, as crianças que abandonaram a creche durante o estudo.

O protocolo do projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão de Ética Médica da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESP).

Avaliação clínica do estado nutricional peso e estatura:

Foram realizadas medidas de peso e estatura mensalmente, sempre pela mesma equipe previamente treinada. As crianças foram pesadas em balança pediátrica eletrônica, digital, marca Filizola, com capacidade de 15 kg e sensibilidade de 1g. As crianças foram pesadas sem roupa, antes do almoço.

Todas as crianças foram medidas sem sapatos, com antropômetro do tipo estadiômetro. Cada criança era deitada sobre uma superfície plana, com os pés em ângulo reto com a mesa, joelhos não fletidos, mantendo a cabeça da criança na parte fixa do antropômetro, não permitindo que se voltasse para os lados, enquanto a parte móvel era deslocada e apoiada no calcanhar da criança. As crianças foram medidas após serem pesadas.

Todos os dados de peso e estatura foram analisados em programa computadorizado Epi-Info e Epi-Nut, do CDC de Atlanta-USA, avaliando-se a distribuição dos valores de peso/idade, peso/estatura e estatura/idade, de acordo com a curva de escore-Z, em relação aos padrões de referência da Organização Mundial de Saúde (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1983; DEAN & et al, 1990).

Avaliação laboratorial do estado nutricional hemoglobina (Hb)

Os níveis de hemoglobina foram avaliados através do método de contagem eletrônica automatizada, pelo aparelho Cell-Dyn 3000 (ABBOTT, 1989). Foram consideradas anêmicas as crianças que apresentaram níveis de Hb < 11 g/dl (DeMAEYER, 1989).

Avaliação laboratorial do estado nutricional ferritina sérica

A dosagem foi realizada através do método de radioimunoensaio (Radioimmunoassay Ferc-Trial) R, sendo consideradas depletadas em ferro as crianças que apresentavam valores inferiores a 10 mcg/dl (DeMAEYER, 1989).

Avaliação laboratorial do estado nutricional ferro sérico

A dosagem do ferro foi realizada através do método colorimétrico, sendo considerada deficiente quando o valor obtido foi inferior a 56 mg/dl (FRANCO, 1980).


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