Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 

Prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes das regiões Sudeste e Nordeste (página 2)

Joel Alves Lamounier; Anna Luiza Gervásio da Fonseca Torga; Gisele Lemos Fe

 

5. Resultados

Do total de 17.184 pessoas avaliadas, 2.683 (15,7%) eram crianças (idade menor que 10 anos), 3.943 (23%) adolescentes (idade entre 10 anos e menor que 20 anos) e 10.522 (61,3%) adultos (acima de 20 anos).

A distribuição entre os dois sexos foi: 8.063 (46,9%) do sexo masculino e 9.121 (53,1%) do sexo feminino. A média de idade foi de 29 anos e 5 meses (desvio padrão de ± 20 anos), a mediana foi de 25 anos e 6 meses. A prevalência de crianças, adolescentes e adultos com sobrepeso e obesos, agrupadas por idade e sexo estão nas Tabelas 2, 3 e 4. Observou-se um aumento gradativo da prevalência de sobrepeso e obesidade desde a infância até a idade adulta, com declínio entre os idosos (Figura 1).

6. Discussão

A OMS defende que a definição de obesidade em crianças e adolescentes tenha uma relação com a definição em adultos: "como as doenças no período da adolescência são escassas, é particularmente importante o quanto a antropometria na adolescência pode predizer fatores de risco ou doenças na idade adulta", citando ainda que "pouco é conhecido sobre níveis específicos de IMC na adolescência e sua relação com risco futuro ou concomitante e resposta a intervenções"1. Diversos autores também têm manifestado preferência por tentar definir o ponto de corte baseado em critérios estatísticos de mortalidade e de continuidade com a idade adulta9,10,11,20. Cole et al. foram um dos primeiros autores a apresentar valores de IMC concordantes com esta tendência20. No entanto, ainda não está determinado se a continuidade de critério entre infância e idade adulta é acompanhada pelo mesmo risco de morbi-mortalidade23.

Apesar desta tendência, existem outras publicações com valores limítrofes de IMC que também são utilizados para identificar crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade14-19. Por isso alguns autores consideram que uma estimativa internacional da prevalência de obesidade pediátrica e comparação de prevalência e tendência secular de obesidade pediátrica não são possíveis devido a diversidade de critérios usados24,25. No presente estudo utilizou-se os valores propostos por Cole et al. porque eles permitem uma continuidade de definição de obesidade na infância, adolescência20.

Dados brasileiros com relação à obesidade na infância e adolescência são ainda limitados e a maioria dos estudos nacionais são baseados em amostras de estudantes, e alguns estudaram somente as escolas privadas. Além disso a diversidade de critérios utilizados na definição de obesidade infantil acarreta dificuldades na comparação dos resultados do presente estudo com publicações nacionais e internacionais26.

No presente estudo, a prevalência de sobrepeso e obesidade entre 2 e 10 anos de idade foi semelhante nos dois sexos. Nos adolescentes, a prevalência de sobrepeso e obesidade foi maior no sexo feminino, exceto aos 16 anos de idade, o que já foi descrito por alguns autores6,27. Outros autores descrevem o oposto: prevalência maior de sobrepeso em adolescentes do sexo masculino28. Alguns autores citam prevalência de obesidade superior (14% para adolescentes masculinos entre 17 e 19 anos) à encontrada no presente estudo29.

Alguns autores descrevem que a prevalência de sobrepeso começa cedo, por volta dos 5-6 anos de idade, especialmente em meninas6, o que não foi encontrado no presente estudo; pelo contrário, nesta faixa etária foi encontrada a menor prevalência de sobrepeso em toda a infância. Na China, a maior prevalência de sobrepeso e obesidade entre adolescentes é relatada entre 11 e 12 anos30 que também não foi observada neste estudo.

Usando outros valores de IMC12,1 em crianças de 6 a 19 anos de uma escola particular em Recife, encontrou-se uma prevalência de 26,2% de sobrepeso e 8,5% de obesidade, sendo maior em crianças do que nos adolescentes: 34,3% contra 14,2% e 20% contra 4,2%, respectivamente2). No presente estudo a prevalência de obesidade foi maior em crianças do que em adolescentes enquanto a prevalência de sobrepeso foi praticamente igual nas duas faixas etárias. (Tabela 1 e 2). A prevalência de sobrepeso e obesidade em estudos populacionais baseados em valores de IMC propostos por Cole et al20 e Must, Dallal e Dietz12,13 podem ser comparadas31.

Ao contrário do que ocorre na infância e adolescência, a comparação de estudos de prevalência de sobrepeso e obesidade em adultos e idosos é facilitada pela uniformidade de critérios (valores de IMC).

No presente estudo a prevalência de obesidade foi maior em mulheres do que em homens adultos (>20 anos). Resultados semelhantes são descritos por outros autores6,27,32-36. Um estudo nacional, envolvendo 224 indígenas de duas comunidades Xavante no Estado de Mato Grosso, mostrou distribuição igualitária de sobrepeso e obesidade entre homens e mulheres em uma comunidade e maior no sexo feminino, em outra37. Em bancários, a prevalência de sobrepeso e obesidade (IMC>25) é maior em pessoas do sexo masculino do que feminino, atingindo 68,7% em homens com 40 anos ou mais38. Quando se estuda a estratificação por renda, verifica-se um incremento da prevalência de sobrepeso/obesidade com o aumento de renda para homens, mas não para mulheres36,38,39. Na Arábia Saudita, foi descrita a influência do estado marital: pessoas casadas apresentaram prevalência de sobrepeso e obesidade maior que pessoas solteiras (35,4% x 19,3% e 25,1% x 8,9% para mulheres e homens, respectivamente) 6.

Considerando sobrepeso e obesidade conjuntamente (IMC >25), mais da metade das mulheres da Tunísia e Marrocos estão neste intervalo27. Isto também foi encontrado no presente estudo na faixa etária entre 50 e 79 anos, de idade (Tabela 3). Esta elevada prevalência de sobrepeso e obesidade (mais da metade), também foi descrita em indígenas brasileiros do sexo masculino37.

No presente estudo a prevalência de obesidade mantém-se praticamente estável entre os homens com idade entre 30 e 59 anos, diminuindo a partir desta idade, enquanto nas mulheres ocorre aumento progressivo da prevalência de obesidade até a idade de 70 anos quando começa a declinar. Achado semelhante foi descrito na Arábia Saudita6. Esta diferença na prevalência de obesidade entre o sexo masculino e feminino também foi descrita em outro estudo nacional, mas com faixa etária um pouco diferente: no sexo masculino a prevalência estabilizou por volta dos 40 anos de idade enquanto no sexo feminino a prevalência dobrou a partir desta idade36. Na Arábia Saudita, a maior prevalência de obesidade (33,7%) foi descrita na quinta década de vida e a menor entre 18 e 29 anos de idade (10,6%)6.

A prevalência de obesidade em adultos varia entre 10% e 25% na maioria dos países do Oeste Europeu e entre 20% e 25% em alguns países da América6. No presente estudo a prevalência de obesidade em adultos (>20 anos) foi de 6,7% e de sobrepeso foi de 30%.

O aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade na idade adulta e sua diminuição entre os idosos também já foi descrito por outros autores1,32,36. (Figura. 1)

7. Conclusões

Conclui-se que a prevalência conjunta de sobrepeso e obesidade na população brasileira é maior no sexo feminino, atingindo índices preocupantes, uma vez que mais da metade das mulheres das regiões Nordeste e Sudeste do Brasil, com idade entre 40 e 79 anos, têm sobrepeso (IMC>25).

A prevalência de obesidade no sexo masculino estabiliza-se mais precocemente que no sexo feminino.

A comparação de estudos de prevalência de sobrepeso e obesidade na infância e adolescência é dificultada pela escassez de estudos populacionais nacionais e diversidade de critérios utilizados na avaliação nutricional.

Os valores propostos por Cole et al permitem uma continuidade na definição de sobrepeso e obesidade na infância, adolescência e idade adulta, mas ainda não está determinado se esta continuidade é acompanhada pelo risco de morbi-mortalidade23. Outros estudos ainda são necessários para se saber qual o melhor valor para definir sobrepeso e obesidade na infância e adolescência.

8. Referências

1. World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Geneva: WHO; 1995.

2. Uauy R, Albala C, Kain J. Obesity trends in Latin America: transiting from under- to overweight. J Nutr 2001; 131:893S-99S.        [ Medline ]

3. Caballero B. Symposium: obesity in developing countries: biological and ecological factors. J Nutr 2001; 131:866S-70S.        [ Medline ]

4. Vischer TL, Seidell JC. The public health impact of obesity. Annu Rev Publ Health 2001; 22:355-75.

5. Eckersley RM. Losing the battle of the bulge: causes and consequences of increasing obesity. Med J Aust 2001; 174:590-2.        [ Medline ]

6. Al-Shammari SA, Khoja T, Gad A. Community-based study of obesity among children and adults in Ryadh, Saudi Arabia. Food Nutr Bull 2001; 22:178-83.

7. Quetelet A. Physique sociale: ou, essai sur le développement des facultés de l´homme. Brussels, Belgium: C. Muquardt; 1869.

8. Rozowski J, Arteaga A. The problem of obesity and its shocking characteristics in Chile. Rev Med Chile 1997; 125:1217-24.

9. Belizzi MC, Dietz WH. Workshop on childhood obesity: summary of the discussion. Am J Clin Nutr 1999; 70:S173-5.

10. Willett WC, Dietz WH, Colditz GA. Guidelines for health weight. N Engl J Med. 1999; 341:427-34.

11. Stevens J. Impact of age on associations between weight and mortality. Nutr Rev 2000; 58:129-37.        [ Medline ]

12. Must A, Dallal GE, Dietz WH. Reference data for obesity: 85th and 95th percentiles of body mass index (wt/ht2) and triceps skinfold thickness. Am J Clin Nutr 1991; 53:839-46.        [ Medline ]

13. Must A, Dallal GE, Dietz WH. Reference data for obesity: 85th and 95th percentiles of body mass index (wt/ht2) and triceps skinfold thickness – a correction. Am J Clin Nutr 1991; 54:773.

14. Cole TJ, Freeman JV, Preece MA. Body mass index reference curves for the UK, 1990. Arch Dis Child 1995; 73:25-9.

15. Lindgren G, Strandell A, Cole T, Healy M, Tanner J. Swedish population reference standards for height, weight and body mass index attained at 6 to 16 years (girls) or 19 yeras (boys). Acta Paediatr1995; 84:1019-28.

16. Sichieri R, Allam VLC. Avaliação do estado nutricional de adolescentes brasileiros através do índice de massa corporal. J Pediatr1996; 72:80-4.

17. Luciano A, Bressan F, Zoppi G. Body mass index reference curves for children aged 3-19 years from Verona, Italy. Eur J Clin Nutr1997; 51:6-10.        [ Medline ]

18. Rosner B, Prineas R, Loggie J, Daniels SR. Percentiles for body mass index in U.S. children 5 to 17 years of age. J Pediatr 1998; 132:211-21.        [ Medline ]

19. Anjos LA, Veiga GV, Castro IRR. Distribuição dos valores do índice de massa corporal da população brasileira até 25 anos. Rev Panam Salud Publica/Am J Public Health 1998; 36:3.

20. Cole TJ, Bellizzi MC, Flegal KM, Dietz WH. Establishing a standard definition for child overweight and obesity worldwide: international survey. BMJ 2000; 320:1-6.

21. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. pesquisa sobre padrões de vida 1996-1997. Rio de Janeiro: IBGE; 1999.

22. Dean AG, Dean JA, Coloumbier D, Burton AH, Brendei KA, Smith DC. Epi Info, version 6.04: a word processing, database, and statistics program for public health on microcomputers. Genebra: Centers for Disease Control and Prevention/World Health Organization; 1996.

23. Roberts SB, Dallal GE. The new childhood growth charts. Nutr Rev 2001; 59:31-6.        [ Medline ]

24. Guillaume M. Defining obesity in childhood: current practice. Am J Clin Nutr 1999; 7:126S-30S.

25. Livingstone MB. Childhood obesity in Europe: a growing concern. Public Health Nutr 2001; 4:109-16.

26. Abrantes MM, Lamounier JA, Colosimo EA. Índice de Massa Corporal para identificar obesidade na infância e adolescência: indicações e controvérsias. Rev Méd Minas Gerais 2002; 12(3): 150-4.

27. Mokhtar N, Elati J, Chabir R, Bour A, Elkari K, Schlossman NP, Caballero B, Aguenaou H. Diet culture and obesity in northern Africa. J Nutr 2001; 131:887S-92S.        [ Medline ]

28. Balaban G, Silva GAP. Prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes de uma escola da rede privada de Recife. J Pediatria 2001; 77:96-100.

29. Alves SS, Silva SS, Silva SRC, Ribeiro RS, Vertematti AS, Fisberg M. Avaliação de atividade física, estado nutricional e condição social em adolescente. Folha Méd 2000; 119:26-33.        [ Lilacs ]        [ Adolec ]

30. Chunning C. Fat intake and nutritional status of children in China. Am J Clin Nutr; 2000; 72:1368S-72S.

31. Abrantes MM, Lamounier JA, Colosimo EA. Recommendations for the use of body mass index for the classification of overweight and obese children and adolescents. Food Nutr Bull 2002; 23(3): 262-6.        [ Medline ]

32. Coitinho DC, Leão MM, Recine E, Sichieri R. Condições Nutricionais da população brasileira: adultos e idosos: Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição. Brasília: INAN/Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição; 1991.

33. Lolio CA, Latorre MRDO. Prevalência de obesidade em localidade do Estado de São Paulo, Brasil, 1987. Rev Saúde Publica 1991; 23:33-6.

34. Sichieri R, Coitinho DC, Leão MM, Recine E, Everhart JE. High temporal, geographic, and income variation in body mass index among adults in Brazil. Am J Public Health 1994; 84:793-8.        [ Medline ]

35. Monteiro CA, Mondini L, Souza ALM, Popkin BM. Da desnutrição para a obesidade: a transição nutricional no Brasil. In: Monteiro CA. Velhos e novos males da saúde no Brasil: a evolução do país e de suas doenças. São Paulo: Editora Hucitec; 1995. p.247-55.

36. Gigante DP, Barros FC, Post CLA, Olinto MTA. Prevalência de obesidade em adultos e seus fatores de risco. Rev Saúde Publica 1997; 31:236-46.

37. Gugelmin SA, Santos RV. Ecologia humana e antropometria nutricional de adultos Xavánte, Mato Grosso, Brasil. Cad Saúde Publica 2001; 17:313-22.

38. Ell E, Camacho LAB, Chor D. Perfil antropométrico de funcionários de banco estatal no Estado do Rio de Janeiro/Brasil: I Índice de massa corporal e fatores sócio-demográficos. Cad Saúde Pública 1999; 15:113-21.

39. Anjos LA. Valores antropométricos da população adulta brasileira: resultados da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (tese prof. titular). Rio de Janeiro: Departamento de Nutrição Social, Universidade Federal Fluminense; 1993.

Marcelo Militão Abrantes; Joel Alves Lamounier; Enrico Antônio Colosimo - jalamo[arroba]medicina.ufmg.br



 Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.