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Atividade ocupacional e catarata senil. Opinião de pacientes de Hospital Universitário (página 2)

Edméa Rita Temporini

3. Resultados

A amostra foi constituída por 110 sujeitos de ambos os sexos (34,5% homens; 65,5% mulheres), com idade entre 43 e 89 anos; a média de idade foi de 69,0 anos e desvio padrão de 10,3 anos. Quanto à escolaridade, 26,4% nunca freqüentaram a escola, os demais se distribuem entre a 1ª e a 8ª série do 1º grau (59,1%), 2º grau (10,9%) e ensino superior (3,6%). (Tabela I).

A maior proporção dos entrevistados não exercia atividade remunerada (87,3%). Desses, 55,2% afirmaram ser aposentados; 17,7%, receberem pensão; 17,7% não terem possibilidade de trabalhar; 7,3%, exercerem atividades do lar e 2,1% não conseguirem emprego. Para os que exerciam atividade remunerada (12,7%), aplicou-se a classificação de níveis ocupacionais 13, obtendo-se os seguintes resultados: 57,2% exerciam ocupações manuais especializadas; 21,4%, ocupações manuais semi-especializadas ou não especializadas, 14,3%, ocupações não manuais de rotina e assemelhadas e 7,1%, profissionais liberais e outros de níveis equivalentes (Tabela II).

Dentre as opiniões acerca das causas da catarata, destacaram-se a velhice (69,1%), o uso excessivo dos olhos (57,3%) e a exposição ao calor nos olhos (40,9%). (Tabela III).

Quanto à opinião sobre relação entre atividades profissionais exercidas e catarata, 56,4% não acreditavam que o trabalho tivesse influído, enquanto 43,6% atribuíram às atividades ocupacionais essa afecção ocular (Tabela IV).

Atribuíram ao cansaço visual por atividades profissionais como causa de catarata 37,5%, como resposta única. Dentre as 28 respostas que incluíram o cansaço visual, 8,3% dos sujeitos citaram também o uso de produto químico no trabalho, fator considerado isoladamente por 10,3%; 8,3% forneceram as respostas cansaço dos olhos e exposição ao sol e 4,2% mencionaram o cansaço visual e o contato com fagulhas decorrentes de equipamentos profissionais. Dos respondentes, 12,5% apontaram o contato com o calor nas atividades ocupacionais como causa única da catarata, assim como 4,2% atribuíram à poluição decorrente de atividades laborais como causa da afecção ocular (Tabela V).

4. Discussão

Os levantamentos de base populacional constituem importantes meios para identificar comportamentos associados a riscos de doenças oculares, grupos expostos a maior risco e implementação de intervenções preventivas que visem à saúde ocular. Entre as variáveis que se destacam nesse processo, situam-se aquelas que se originam das ações humanas de busca da qualidade de vida e da sobrevivência, como se configuram as atividades ocupacionais. Fatores socioeconômicos, culturais, valores, conhecimentos, crenças e percepções, via de regra, constituem elementos motivadores do indivíduo, responsáveis por indiferença, busca ou recusa de tratamentos oculares 3,8.

Várias pesquisas têm mostrado proporção significativa de pessoas cegas no mundo, o que revela a importância de programas de prevenção e educação em saúde, no intuito de diminuir essa prevalência. No Brasil, algumas estratégias de prevenção estão sendo desenvolvidas. No entanto, o que tem sido observado é que a gratuidade do atendimento médico não significa que o tratamento seja realizado, pois não constitui fator propulsionador suficiente para a sua busca6,12,15.

O diagnóstico precoce da catarata, acompanhado do tratamento efetivo por meio da correção cirúrgica, atualmente realizada com eficácia e segurança, graças ao progresso tecnológico e ao preparo e habilidade dos cirurgiões, permite que o indivíduo não restrinja sua atividade laborativa e se mantenha integrado ao processo social.

Neste estudo observou-se preponderância da proporção de mulheres em relação à de homens (Tabela I). Este fato torna-se importante na medida em que se analisa a questão gênero e saúde: seriam os homens menos interessados ou mais resistentes à busca do tratamento cirúrgico de catarata? Um estudo realizado com mulheres analistas de sistema mostrou que, dentre os sintomas referidos predominantemente pelas entrevistadas incluíam-se os sintomas visuais. Outro estudo com operadores de terminal de vídeo também já havia comprovado esse mesmo fato, as operadoras associaram a sintomas visuais a permanência diária no trabalho com o computador 2, 16.

Os dados deste estudo evidenciaram a predominância acentuada de idosos de baixa escolaridade, não mais exercendo atividade remunerada e inativos no mercado de trabalho. Ainda que em proporção reduzida, mas que não deve ser desconsiderada, alguns dos entrevistados referiram não ter possibilidade de trabalhar, podendo ser essa incapacidade ao exercício laboral conseqüência das limitações impostas por perda visual (Tabela II).

Em relação aos entrevistados que declararam exercer atividade remunerada, observou-se ter a maioria referido atividades que requerem baixa especialização e/ou qualificação. Esses resultados trazem indícios de predominância de nível socioeconômico que apresenta baixo poder aquisitivo, fator que atua como barreira para o acesso ao tratamento oftalmológico, retardando a sua busca15.

Além disso, por ser a catarata uma doença que atinge, na sua maioria, indivíduos com mais de 60 anos de idade, as pessoas idosas costumam apresentar dificuldades de locomoção, limitando o deslocamento para a assistência específica15.

Os entrevistados atribuíram como causas do comprometimento visual situações como uso excessivo dos olhos e a exposição destes ao calor nas atividades laborais. Esse fato já havia sido evidenciado por Temporini, Kara-José e Kara-José Jr (1997)7, como conhecimento errôneo de pacientes, também observado por oftalmologistas em sua prática diária. E, di-ante desses conhecimentos equivocados, não é difícil supor sua interferência na possibilidade de reabilitação visual.

Pesquisa realizada entre profissionais atuantes em hospital universitário a respeito de afecções oculares identificou conhecimento superficial ou ausente em relação à catarata, alertando para a possibilidade do provimento de orientação imperfeita de pacientes e pessoas do seu convívio 17.

Na opinião de entrevistados, as atividades profissionais foram responsáveis por causar-lhes prejuízos oftalmológicos, inclusive alguns referiram mais do que um fator como responsável pelo agravo ocular (Tabela V).

Segundo Uchida (1998) 18, apesar de ser o trabalho uma das fontes de satisfação de diversas necessidades humanas, como auto-realização, manutenção de relações interpessoais e sobrevivência, também pode ser fonte de adoecimento quando contém fatores de risco para a saúde e o trabalhador não dispõe de instrumental suficiente para se proteger destes riscos. Múltiplos fatores de risco podem causar doenças ocupacionais, sejam físicos (excesso de ruídos), químicos (gases poluentes), biológicos (vírus), ergonômicos (postura inadequada) ou psicossociais (falta de suporte de supervisores)19. Admite-se, assim, que esses fatores exerçam influência na busca de trata-mento de saúde.

As doenças ocupacionais têm apresentado altas incidências e levado à diminuição de produtividade, ao aumento de indenizações e demandas judiciais contra empregadores, além de prejuízos para a qualidade de vida do trabalhador 20.

Estudo de saúde ocupacional para analisar a associação entre comportamentos de risco à saúde e nível de saúde de trabalhadores da indústria revelou que fatores educacionais e econômicos se associaram significativamente à prevalência de comportamentos de risco 21.

Observa-se que as doenças ocupacionais existem e causam danos à saúde do trabalhador, a ponto de trazer-lhe prejuízos à saúde e vitais. No entanto, opiniões emitidas pelos entrevistados denotam carência de informações e atribuições indevidas a determinados fatores (Tabelas IV e V).

Tudo indica que concepções populares acerca da doença e suas conseqüências são fatores que interferem na busca da assistência oftalmológica. Ao se pensar que a catarata é responsável pelo maior número de cegos no mundo e, ao mesmo tempo, é uma doença passível de recuperação por tratamento cirúrgico, percebe-se que é uma questão considerável de saúde pública. Nesse sentido, profissionais da área oftalmológica têm realizado campanhas e mutirões, no intuito de atender essa demanda populacional. Entretanto, vale ressaltar que a magnitude do problema apresenta dimensões e facetas que requerem ações de cunho interdisciplinar.

Necessária se faz a realização de outros estudos, transversais e longitudinais, que aprofundem o conhecimento acerca das relações entre a atividade laboral e a catarata, da forma pela qual são percebidas pelos indivíduos, a fim de propor estratégias de educação em saúde com vistas à prevenção do agravamento da afecção e à promoção da saúde ocular.

5. Conclusões

Evidenciou-se predominância acentuada de idosos de baixa escolaridade, não mais exercendo atividade ocupacional e inativos no mercado de trabalho. Entre os que exerciam, prevaleceram as ocupações manuais especializadas. A análise conjunta desses indicadores sugere tratar-se de amostra de reduzido nível socioeconômico e baixo poder aquisitivo. Atribuíram como causas do comprometimento visual situações decorrentes de atividades ocupacionais, como o uso excessivo dos olhos e a exposição ao calor, evidenciando-se conhecimentos errôneos. Referiram que atividades profissionais foram responsáveis por causar-lhes prejuízos oftalmológicos, inclusive alguns citaram mais do que um fator como responsável pelo agravo ocular. Observou-se que opiniões emitidas pelos entrevistados denotam carência de informações e concepções populares acerca da doença.

6. Anexo

7. Referências bibliográficas

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5 - Thylefords B, Négrel AD, Pararajasegaram R, Dadzie KY. Global data on blidness. Bul World Health Org 1995; 73(1): 115-21.

6 - Kara-José N, Arieta CEL, Temporini ER, Kang KM, Ambrósio LE. Tratamento cirúrgico de catarata senil: óbices para o paciente. Arq Bras Oftalmol 1996; 59 (6): 573-7.

7 - Temporini ER, Kara-José N, Kara-José Jr N. Catarata senil: características e percepções de pacientes atendidos em projeto comunitário de reabilitação visual. Arq Bras Oftalmol 1997; 60(1): 79-83.

8 -Temporini ER, Kara-José N. A perda da visão – Estratégias de prevenção. Arq Bras Oftalmol 2004; 67(4): 597-601.

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12 - Kara-José Jr N, Temporini, ER, Kara-José N. Cataract surgery: expectations of patients assisted during a community project in São Paulo, state of São Paulo, Brazil. Rev Hosp Clín Fac Med S Paulo 2001; 56(6): 163-8

13 - Gouveia AJ, Havighurst RJ. Ensino médio e desenvolvimento. São Paulo: Melhoramentos / EDUSP, 1969.

14 - Gould J, Kolb WL, ed. A dictionary of the social sciences. Toronto: Collier-Macmillan, 1964.

15 - Kara-José Jr N, Temporini, ER. Cirurgia de catarata: o porquê dos excluídos? Rev Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health 1999; 6(4): 242-8.

16 -Knave BG, Wibon RI, Voss M, Destrom LD, Bergqvist U. Work with video display terminals among office employees I. Subjective symptoms and discomfort. Scand Work Environ Health 1985; 11: 457-66.

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18 - Uchida S. Trabalho informatizado e sofrimento psíquico. Psicol USP 1998; 9(2):179-84.

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20 - Ong CN. Transtornos musculoesqueléticos de los operadores de terminales de representación visual. Foro Mundial de La Salud. Rev Int Desarro Sanit 1994; 15: 175-9.

21 - Barros MVG, Nahas MV. Comportamentos de risco, autoavaliação do nível de saúde e percepção de estresse entre trabalhadores da indústria. Rev Saúde Pública 2001, 35(6): 554-63.

Recebido em 29/09/2005 // Aprovado em 30/12/2005

Roberta F. Marback1, Edméa R. Temporini2, Otacílio O. Maia Jr.3 ,
Tânia Schaefer4, Newton Kara-José Jr.5, Newton Kara-José2
ertempor[arroba]usp.br

1Psicóloga. Pós-graduanda (Nível Doutorado) Faculdade de Medicina – USP.
2Docente. Departamento de Oftalmologia. Faculdade de Medicina – USP. Faculdade de Ciências Médicas – UNICAMP.
3Médico Oftalmologista. Hospital das Clínicas da FMUSP. Pós-graduando (Nível Doutorado) Faculdade de Medicina – USP.
4Médica Oftalmologista. Hospital de Clínicas da UFPr. , Pós-graduanda (Nível Doutorado) . Faculdade de Medicina – USP.
5Médico Assistente Doutor e Chefe do Setor de Catarata. Hospital das Clínicas da FMUSP. CORRESPONDÊNCIA: Roberta Ferrari Marback. Rua Oscar Freire, 1799 / Ap. 1108. Pinheiros - São Paulo/SP – CEP 05409-011 Tels.: (11) 9128-6504/(11) 3081-1338 E-mail:
robertamarback[arroba]uol.com.br

*Pesquisa realizada no Setor de Catarata do Departamento de Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Trabalho a ser apresentado no Congresso Mundial de Oftalmologia - São Paulo/SP – Fevereiro/2006.



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