A função judicante do Estado e a real utilidade do instrumento processual



Para iniciarmos qualquer trabalho que tenha por objetivo falar da Função Judicante, alcança concomitantemente uma natureza teleológica que se atenha a comentar a utilidade social do processo, é sempre preciso, que façamos um retrocesso no tempo, até o ponto em que o Estado avocou para si a incumbência de decidir os conflitos e pacificar as questões sociais. Assim, pondo fim á vingança privada, assumiu o Estado, primeiramente, na pessoa do Monarca, pois, sabidamente, os primeiros "juízes" foram os Reis e Imperadores, e, só posteriormente, deu-nos a conhecer o que hoje denominamos: magistrado. Que no Brasil, nada mais que é, senão, um funcionário público em função diferenciada, com capacidade técnica proporcional, investido através da jurisdição1 , á esfera delimitada pela competência, ao encargo de "dizer o direito", e o faz em nome e no desempenho de um papel, ou seja, como personificação física do estado. Portanto, falamos de homens que representam uma instituição político-jurídica abstrata, e não de Deuses ou Semideuses dotados ou imbuídos de qualquer atributo através do qual se possa supor ou evidenciar o sobrenatural, sobrenatural tão comum e adscrito á figura mítica das divindades.

E a primeira consideração a ser feita, é a visualização do juiz como um homem comum, e o desempenho de sua função não extrai de sua pessoa as singularidades atinentes e inerentes a qualquer cidadão. Sabidamente, seu julgamento expressa, além daquilo que "está nos autos, por conseguinte, no mundo"; expressa também, suas máximas experiências. Donde, suas decisões vão além do fundamento jurídico e motivações normativas obrigatórias, estarão sempre impregnadas por seu subjetivismo pessoal, o que afirmativamente não significa um descompromisso social. Todavia, esta é a real essência que pretende expressar nosso trabalho, que é o de descortinar de um sentido "humanizador" que deve permear a jurisdição e o processo.

No que toca á nossa questão, é condição primaz, conceber o direito como uma ciência eminentemente social, de tal maneira, que qualquer análise do homem como um ser individual irá deparar-se novamente com a subjetividade, desta feita, com o universo cognitivo exclusivo do cientista que o tem sob seu foco o objeto humano. E, neste sentido, é que nos preleciona Lévi-Strauss, dizendo-nos que com relação ao indivíduo, existe sempre uma coincidente identificação entre o sujeito (investigador) e o objeto (investigado): "Numa ciência, onde o observador é da mesma natureza que o objeto, o observador, ele mesmo, é uma parte de sua observação".2 Atente-se, todavia, que a assertiva de Lévi-Strauss é pertinente ao desempenho dos juízes em seu papel de "conhecer o direito e dize-lo á sociedade".

Aqui, fazemos incisivamente nossa primeira inserção ao tema, lembrando-nos de Franz Kafka, em "O Processo", escrito no início do século XX, onde traz ao foco a questão de que mesmo o Estado Democrático de Direito é passível distorções3 , quando as instituições já não guardam a razão de ser na prestação de serviço público essencialmente eficiente, mas sim, na submissão ao poder e ás camadas dominantes. Pois, para Kafka as funções exercidas pelo Estado só se justificam em prol da sociedade, conseqüentemente, incabível um processo desumaniza o indivíduo. Sob este primeiro enfoque, percebemos que Kafka sublinha com bastante destaque a tríade: necessidade, finalidade e utilidade, presentes na instrumentalidade jurisdicional, como expressão de uma razão processual, e, sugere que, a ausência de qualquer destes elementos, romperia o nexo necessário á sua propositura ou desempenho.

De fato, nos primórdios do direito ou das normas de conduta, não havia uma distinção entre direito adjetivo ou substantivo, ou seja, não havia uma separação ou uma normatização específica para uma regra de fundo e outra para as de forma.

Com a evolução histórica, a teoria geral do direito galgou caminhos que aos poucos foram focando tais institutos como objetos distintos que são. Notadamente, tal divisão deu-se tão-somente com a codificação napoleônica. Todavia, antes disto, encontramos institutos tipicamente processuais contemplados em legislações milenares, tais como, no antigo Código de Hamurabi, nas antigas Leis de Manú. Como também na antiga Roma, berço do sistema jurídico ocidental. E, porque não dizer, até mesmo na Bíblia é possível encontrar preceitos e diretrizes de ordem puramente processual, haja vista o comentado julgamento do Rei Salomão, onde buscou encontrar a cognição da verdade real, e de posse dela, fazer justiça.

Fazer "Justiça", esta tem sido uma questão delicada dentro da universalidade jurídica de hoje ou de antes. Tanto que, os campus acadêmicos doutrinam-nos a uma postura que traduz um clara diferença entre: Pacificar as questões sociais e fazer justiça. Como se ambos fossem objetivos distintos, e que ao Estado, o único exercitável, seria o de solucionar conflitos, já que não há na seara da jurisdição o encargo ou o ônus de ser justa.

Conquanto, jurisdição e processo são elementos culturais, frutos de uma sociedade civilizada, pois, se descreve como parte de um processo evolutivo, através do qual foi possível constatar a necessidade de incidência das normas jurídicas na vida do indivíduo, daí porque o sistema de regramento de conduta se expandiu. Noutras palavras, a sociedade humana aprendeu a lidar com a necessidade de regrar e regulamentar seu convívio social; observando que o resultado deste acúmulo cultural se encarta numa teoria geral de direito, mas, não um direito estático ou enegrecido em sua estrutura. Porquanto, falar-se em um direito mutante e ágil em sua adaptação á realidade, consiste na aceitação de um procedimento flexível e célere, tanto quanto, á natureza do aprimoramento do elemento humano em função do qual existe e para o qual se destina. Todavia, quando falamos em um direito mutante ou modulável, sabemos que a mutação tange-se á relatividade da performance, jamais, alcança ou altera os valores humanos, porque estes são absolutos.

E o processo, como elemento estrutural da jurisdição; instrumento de exercício de cidadania nos faz crer que, há no contrato social do Estado-Juiz um compromisso, ainda que, implícito ou tácito, com a sociedade, conseqüentemente, há também uma obrigatoriedade e um comprometimento com a justiça, com a eficácia processual, com a eficiência das instituições por ele erigidas.

E no cenário atual, o processo clama por uma justiça mais ampla, mais acessível, executável e também abrangente. Vivemos tempos modernos, onde a instantaneidade das informações tornam a evolução social e humana, em similitude proporcional, muito mais dinâmica.

Assim, ao pensar em entrega jurisdicional, temos, necessariamente que pensar na jurisdição como "poder-dever" estatal, uma função inafastável desde o fim da autotutela, apresentando-se dentro da estrutura política como incumbência atribuída ao Poder Judiciário, e, ao mesmo passo, ressalta ser a garantia de existência do Estado Democrático de Direito; permanência e manutenção de suas instituições, bem como segurança e sustentabilidade do ordenamento jurídico, e mais que tudo, defere respeitabilidade á Constituição Federal no que concerne á obediência aos seus princípios, valores e vontades. E, dentro deste contexto, sociedade e estado não se apartam, conseqüentemente, o indivíduo (célula do tecido social) necessita da intersubjetividade da sociedade, e a sociedade intersubjetiva e coesa só subsiste em função do aspecto intrapessoal do Estado.


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