Esclarecimentos e indagações em torno do artigo 28 do CPP



1º) Se o Ministério Público é o dominus litis, se ele pode e deve apreciar a viabilidade da ação penal, por que, ao pedir o arquivamento do inquérito, pode o Juiz discordar o Promotor? Não deveria o Juiz, sempre que houvesse um pedido de arquivamento, com ele concordar, mesmo divergindo da apreciação feita pelo órgão do Ministério Público?

Se o Juiz devesse acatar o pedido de arquivamento mesmo entendendo que nenhuma razão assistisse ao Promotor para formular tal pedido, estaria sancionado o arbítrio deste. Este, de órgão da lei e fiscal da sua execução, passaria a ser fiscal das suas conveniências pessoais. Por sentimentalismo piegas ou por injunções políticas, o Promotor pediria o arquivamento e ruiria por terra o princípio da obrigatoriedade da ação penal, ficando, o que é mais grave, a repressão do crime na dependência da conveniência e oportunidade do Promotor, sendo tal situação de um absurdo manifesto, como observa o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho[2].

Por outro lado, dissentindo da apreciação feita pelo Promotor, que se recusa a oferecer a denúncia, não pode o Juiz obrigá-lo a apresentá-la, sob pena de violar, como lembra o Profº Hélio Bastos Tornaghi[3], ainda que por via oblíqua, o princípio do ne procedat judex ex officio, dogma do sistema acusatório. 

Neste caso deve, então, o Juiz obedecer ao disposto no artigo 28 do Código Procedimental, remetendo os autos ao Procurador-Geral de Justiça, que poderá adotar uma daquelas providências anteriormente esposadas. No que concerne especificamente a uma dessas providências, qual seja, a do ato de designação de um Promotor de Justiça, para que este ofereça denúncia, há uma acirrada discussão doutrinária.  Senão vejamos.

Para a grande maioria da doutrina, a exemplo dos professores Vicente Greco Filho[4], Fernando da Costa Tourinho Filho[5], Eduardo Espínola Filho[6], Julio Fabbrini Mirabete[7], Damásio Evangelista de Jesus[8], Edgard Magalhães Noronha[9], Hélio Bastos Tornaghi[10], e José Frederico Marques[11], não pode o Promotor designado pelo Procurador-Geral de Justiça recusar-se a oferecer a denúncia por este determinada em razão de um imperativo de hierarquia previsto em lei (Lei nº8.625/93, art. 10, inciso IX, d), bem como porque não há qualquer ofensa á consciência do Promotor, vez que o mesmo age por delegação do Chefe do Ministério Público.

Contudo, para alguns doutrinadores, a exemplo dos professores Paulo Cláudio Tovo[12] e José Paganella Bosh[13], o Promotor, apesar de designado pelo Procurador de Justiça, não deve está obrigado a oferecer a denúncia, pois tal exigência, além de ofender o princípio da independência funcional (CF, art. 127, § 1º), é de todo desnecessária, vez que, se o Procurador-Geral de Justiça está tão convicto do oferecimento da denúncia, nada impede que ele mesmo o faça.

Com efeito, releva notar que a própria denúncia fica, em muito comprometida, se o Promotor que deve, em tese, oferecer a denúncia, não está convicto disso, pois, se o próprio está em dúvida acerca dos elementos que devem compor a exordial acusatória, como, por exemplo, a justa causa, em obediência ao princípio constitucional do in dubio pro reo (CF, art. 5º, LVII), como quer o professor Afrânio Silva Jardim[14], não deve ser oferecida denúncia, vez que, em razão do aludido princípio, cabe ao Ministério Público o ônus da prova, ou seja, o ônus de demonstrar que o acusado realmente é o autor de um determinado delito (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade).

Ademais, acrescenta os citados doutrinadores, que não há que se justificar tal exigência com base na hierarquia, vez que o Promotor, no desempenho de sua função ministerial, não está submetido a qualquer ingerência do Procurador-Geral de Justiça, pois, se assim fosse, força é convir que poderiam ocorrer situações que distorceriam a atividade do Promotor, como, por exemplo, a de este membro do Parquet, para conseguir gratificação ou remoção para uma comarca mais próxima da Capital, promover uma determinada ação penal para agradar o Procurador-Geral de Justiça, que, seja por seu excesso de trabalho, seja por seu interesse pessoal no desfecho da ação penal, não queria promover, pessoalmente, a mesma.

Note-se, ainda, como ressaltam os mencionados professores, que só há falar em hierarquia, no que concerne ao desempenho das atividades do Promotor na esfera interno-administrativista do Ministério Público, ou seja, interna corporis. Caso contrário, toda vez que o Promotor fosse oferecer alguma denúncia, teria a "obrigação institucional" de consultar o Procurador-Geral de Justiça, para obter desse a sua opinio delicti.

Por fim, ainda segundo os aludidos professores, não assiste razão áqueles que defendem o posicionamento contrário sob o argumento de que se viesse a se permitir que o Promotor designado pudesse divergir da instrução do Procurador-Geral de Justiça, demorar-se-ia demasiadamente para se oferecer a denúncia, correndo-se, desta forma, o risco de vim a prescrever o delito. Contudo, isto não é verdade, pois, como já foi destacado, o próprio Procurador-Geral de Justiça pode oferecer a denúncia, evitando, assim, uma possível prescrição.

2º) O Tribunal, apreciando recurso, anula todo o processo a partir da denúncia. Pergunta-se: pode, nessa hipótese, o Promotor requerer o arquivamento em vez de oferecer nova denúncia?

Se ele entender deva ser apresentada nova denúncia, poderá apresentá-la, e, se entender, apreciando novamente a espécie, de requerer o arquivamento, nada impedirá também, conforme o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho[15].


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