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Esclarecimentos e indagações em torno do artigo 28 do CPP (página 2)

Bernardo Montalvão Varjão de Azevedo

Tal assunto, por sinal, já foi objeto de discussão no Tribunal de Justiça de São Paulo, e, por unanimidade, foi aceito o parecer do festejado Profº Magalhães Noronha, no sentido de que "uma vez que o venerando acórdão anulou a denúncia, anulando também todo o processo, nova oportunidade se oferecia ao órgão da acusação para apreciar a espécie, pois processo, nesse caso, não havia: nulla et non facta paria sunt" (RT, 209/130).

<span style=font-size:10.0pt; font-family:"verdana">3º) Como já vimos, submetido o pedido de arquivamento á apreciação do Procurador-Geral de Justiça, este, caso entenda não haver motivo para o arquivamento, apresentará a denúncia ou designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la. Pergunta-se: poderá o Procurador designar o mesmo Promotor que pediu o arquivamento?

A resposta há de ser negativa. E, por várias: a) Em virtude de expressa proibição legal, pois o artigo 28 fala na designação de outro órgão do Ministério Público, excluindo, assim, a possibilidade de poder ser designado o mesmo órgão que pediu o arquivamento. b) Porque o órgão do Ministério Público tem liberdade de proferir seus pareceres de acordo com a sua consciência. Este é o seu dever: nisto residem sua independência funcional (CF, art. 127, § 1º) e dignidade pessoal. De outro modo, restaria violentada a sua consciência jurídica, obrigando-o a uma constrangedora retratação.

Acontecendo, então, tal situação, deve o Promotor de Justiça declinar da incumbência, não havendo em sua atitude qualquer desrespeito ao poder de direção que o Procurador-Geral tem quanto a todos os membros da Instituição, sendo este o entendimento do Profº Fernando da Costa Tourinho Filho[16]. 

<span style=font-size:10.0pt; font-family:"verdana">4º) Cabe recurso da decisão que acolhe o pedido de arquivamento?

Em regra, não. Mas, exclusivamente naquela hipótese tratada no parágrafo único do artigo 6º, da Lei nº1.508/1951 cabe, in verbis:

"Art. 6º. Quando qualquer do povo provocara iniciativa do Ministério Público, nos termos do artigo 27 do Código de Processo Penal, para o processo tratado nesta lei, a representação, depois do registro pelo distribuidor em Juízo, será por este enviada, incontinenti, ao Promotor público, para os fins legais".

"Parágrafo único: Se a representação for arquivada, poderá o seu autor interpor recurso em sentido estrito" (grifo nosso; CPP, art. 581, I)

A lei em apreço versa sobre o procedimento de contravenções do jogo do bicho e jogo sobre corridas de cavalos, feito fora de hipódromos, e apostas sobre quaisquer outras competições esportivas. 

Interposto o recurso, bem poderá o Juiz, no Juízo de retratação a que se refere o artigo 589 do Código de Processo Penal, entender que o recorrente tem razão. Neste caso, segundo o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho, deverá o Juiz obedecer ao disposto no artigo 28 do Código de Processo Penal, remetendo, a seguir, os autos para apreciação do Procurador-Geral de Justiça.

Contudo, se o Juiz mantiver a sua decisão, os autos do recurso sobem ao Tribunal, e se este não entender não ter sido caso de arquivamento, aplicará o disposto no artigo 28 do Código Procedimental. Do contrário, se a decisão for mantida, a "representação" será arquivada.

<span style=font-size:10.0pt; font-family:"verdana">Atualmente, no entanto, tal situação, face á lei nº9.099/95, poderá ser resolvida por meio de uma transação penal (Lei nº9.099/95, art.76) que venha a ser feita. E, se o Procurador-Geral entender que a razão estava com o Tribunal, ao entender que o caso não era de arquivamento, este deverá remeter os autos ao Promotor de Justiça que funcione junto ao Juizado Especial Criminal.

<span style=font-size:10.0pt; font-family:"verdana">5º) E se, por ventura, tratar-se da competência originária dos Tribunais (Lei nº8.038/90)?

Nesses casos, somente a Procuradoria-Geral da República, segundo o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho[17], nas infrações de competência do STF e do STJ, a Procuradoria da República, nas infrações da alçada dos Tribunais Regionais Federais, e os Procuradores-Gerais da Justiça, nas infrações de competência dos Tribunais de Justiça, é que podem atuar, e, de conseguinte, é que podem denunciar ou pedir o arquivamento.    

<span style=font-size:10.0pt; font-family:"verdana">é óbvio que, se se tratar de crime de alçada privada, cumpre ao ofendido ou ao seu representante legal oferecer a queixa.

Ora, se o Procurador-Geral, recebendo as peças de informação ou o inquérito (se for o caso), entender que descabe a denúncia, requererá o arquivamento. Poderá o Tribunal deixar de atender ao pedido? Embora haja, em sentido contrário, a palavra sempre autorizada dos professores José Frederico Marques[18], Basileu Garcia[19] e Hélio Bastos Tornaghi[20], o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho[21] defende posicionamento diverso, tanto porque não a expressa previsão legal nesse sentido, quanto porque não se pode valer, no presente caso, da analogia, por ser essa in malla partem, já que admitir que o Procurador-Geral de Justiça deva ter sua decisão de arquivamento revista por outro órgão, mesmo que do próprio Ministério Público, como, por exemplo, o Colégio de Procuradores, significa prejudicar, em último caso, o acusado.

Além disso, não se pode, também, falar em interpretação extensiva da norma, no presente caso, pois tanto ela não existe, e, mesmo que existisse, não se poderia admitir tal exegese, pois, como ensina o sempre lembrado Profº Carlos Maximiliano[22], a norma restritiva de direito deve ser interpretada restritivamente.

Sendo assim, em virtude da estrutura processual acusatória que tem entre nós a persecutio criminis, outro caminho não restará ao Tribunal senão acolher o pedido de arquivamento, quando formulado pelo Chefe do Ministério Público. Este, como verdadeiro dominus litis, é quem pode, no nosso direito, dizer se é caso ou não de denúncia nos processos de competência originária dos tribunais. O poder de ação lhe é conferido, sob pena de se violar o princípio ne procedat judex ex officio. Nesse sentido é a jurisprudência do STF (RT, 416/407).

O argumento de que o Tribunal tem um controle jurisdicional absoluto sobre a propositura da ação penal, uma vez que o Ministério Público não goza, a rigor, de independência suficiente para poder opor-se a injunções governamentais, não convence, pois, seguindo tal raciocínio, conforme assevera o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho[23], os Tribunais poderiam, também, exercer tal controle sobre toda ação pública, vez que os Governantes poderiam pressionar o Ministério Público a não oferecer denúncia em casos da competência do Juiz singular e de atribuição do Promotor de Justiça.

Ademais, os Tribunais também não estão, no seu todo imunes a estas ingerências do Chefe do Poder Executivo, vez que, como impõe a Constituição Federal (CF, art. 94, parágrafo único; art. 101, parágrafo único; art. 104, parágrafo único; art. 107, caput; art. 111, parágrafo 1º; art. 119, inciso II; art. 123, parágrafo único), seus membros são nomeados por esse.   

No fosse isso suficiente, a própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 127, parágrafo 2º (segundo), foi categórica em afirmar que o Ministério Público tem autonomia administrativa e funcional, não admitindo, assim, que este órgão sofra ou venha sofrer qualquer interferência do Poder Executivo.

Contudo, se é assim, força é convir que se faça a seguinte pergunta: por que o Procurador-Geral de Justiça, sendo, como é, o único dominus litis, e não podendo ter sua decisão de arquivamento revista pelo Tribunal, deverá, então, formular requerimento, se este não pode, em qualquer hipótese, ser indeferido?

A resposta desta indagação para o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho[24], consiste, apenas, de que se trata de um dever de deferência. Entrementes, para os professores Eduardo Espínola Filho[25] e Joaquim Canuto Mendes de Almeida[26], tal imposição decorre de um controle externo, em razão do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, que visa inibir, por parte do Procurador-Geral de Justiça, alguma manobra ardilosa, que vá de encontro aos princípios gerais de direito.

6º) E, se o Promotor requerer o arquivamento, poderá o Juiz, não concordando com o pedido, devolver os autos do inquérito á autoridade policial para novas diligências?

Como salientam os professores Fernando da Costa Tourinho Filho e Geraldo Prado, face o sistema acusatório imposto pela Constituição Federal (CF, art. 129, inciso I), impossível é para o Juiz proceder de tal maneira. Aliás, este é o entendimento do professor Eduardo Espínola Filho[27] e da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (RT, 474/350).

Se isso vier a efetivamente ocorrer, entende o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho[28] que caberá correição parcial. Vale lembrar, por oportuno que é, em tal situação deve apenas o Juiz obedecer á norma do artigo 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido é a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo:

"Comete error in procedendo, passível de correição, o magistrado que não defere, nem indefere, pedido de arquivamento formulado pelo Promotor e tampouco se utiliza das providências contidas no artigo 28 do CPP" (RT, 507/374).

"Se houve pedido de arquivamento formulado pelo Promotor, ratificado pela Procuradoria-Geral de Justiça, ex vi do art. 28 do CPP, o fato

de não ter sido o inquérito arquivado, por ordem do Juiz, que determina o seu retorno á Polícia para novas diligências, constitui gritante ilegalidade, remediável pelo habeas corpus" (RT, 508/319).

7º) Pode o Juiz determinar o desarquivamento de inquérito?

Depende, responde o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho[29]. Suponha-se que o Juiz receba novas provas a respeito do fato objeto do inquérito arquivado. Evidente que, nessa hipótese, deverá determinar a juntada dessas novas provas aos autos do inquérito policial, com a posterior abertura de vista ao Ministério Público. Se este entender haver suporte probatório, oferecerá a denúncia. Do contrário, poderá insistir no pedido de arquivamento. Se o Juiz dele discordar, em face das novas provas, nada o impede de aplicar o artigo 28 do Código de Ritos. 

8º) E, tratando-se de arquivamento de crime de ação penal privada, o que poderá vir a acontecer?

Se o ofendido não oferecer a queixa no prazo legal, será decretada a extinção de punibilidade pela decadência. Se renunciar ao direito de queixa, o Juiz procederá da mesma forma, isto é, decretará extinta a punibilidade, com fundamento no artigo 107, inciso V, do Código Penal.

Entretanto, pode acontecer que o ofendido reconheça que o fato praticado pelo ofensor é atípico, ou, então, que a Polícia não conseguiu identificar o acusado (caso em que o prazo para a queixa nem sequer se inicia; CPP, art. 38). Nessas hipóteses, não há pedido de arquivamento. Os autos simplesmente permanecem em Cartório, e, decorrido o prazo legal de prescrição (se já se iniciou, é claro), decreta-se a extinção de punibilidade. Nesse sentido é a lição do Profº Fernando da Costa Tourinho Filho[30].


Notas de rodapé do autor e referências bibliográficas

[2] Ob. cit.  p. 401.

[3] Ob. cit. pp. 345-349.

[4] GRECO FILHO, Vicente.  Manual de processo penal, Saraiva, 1999, São Paulo.

[5] Ob. cit.  p. 407.

[6] ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, vol. 1º, Editor Borsoi, Rio de janeiro, 1960. 

<span style=font-size: 10.0pt;>pp. 348-352.

[7] MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal interpretado.Atlas,, 2ª ed., 1994, p. 31.

[8] JESUS, Damásio Evangelista. Código de Processo Penal interpretado, Saraiva,  São Paulo,  2000,  p. 485.

[9] NORONHA, Edgard Magalhães. Curso de Direito Processual Penal, São Paulo, Saraiva, 1996.

[10] Ob. cit.  p. 441.

[11] Ob. cit.  p. 345.

[12]TOVO, Paulo Cláudio.Apontamento e guia prático sobre a denúncia no processo penal brasileiro, Porto Alegra, Sérgio Fabris, 1986.

[13] BOSH, José Paganella.  Processo penal, Porto Alegre, Aide, 1995.

[14] Ob. cit. pp. 178-182.

[15] Ob. cit. p. 406.

[16] Ob. cit. p. 406.

[17] Ob. cit. p. 410.

[18] MARQUES, José Frederico. Elementos de Processo Penal, Bookseller, 1999, vol.2º, pp. 149-158.

[19] GARCIA, Basileu, Comentário ao Código de Processo Penal, Rio, Forense, 1945, 3ºvol.

[20] Ob. cit. p. 451-460

[21] Ob. cit. p. 411-412.

[22] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito, Forense, Rio de Janeiro, 1999.

[23] Ob. cit. p. 412.

[24] Ob. cit. p. 412.

[25] ESPÍNOLA FILHO, Eduardo, Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, Rio, ed. Borsoi, 1976, vol. 3º, pp.185-192.

[26] ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de, Processo Penal, ação e jurisdição, RT, São Paulo, 1975. p. 241.

[27] Ob. cit. p. 363.

[28] Ob. cit. p. 414.

[29] Ob. cit. p. 415.

[30] Ob. Cit.  p. 486.



Autor:

Bernardo Montalvão Varjão de Azevedo

bernardomontalvao[arroba]hotmail.com



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