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A construção do sujeito no MST: assentamento Eldorado Dos Carajás (página 4)

Suzana Maria Pozzer Da Silveira
Partes: 1, 2, 3, 4

Também foi possível verificar a consciência de que o movimento quer o melhor para os assentados, mas tem os ´grandão, partidário` que não gostam dos sem-terra, que os discriminam, atrapalham e dificultam sua luta. Ou seja, mesmo não caracterizando na linguagem culta o nome de fazendeiros/burguesia/elite, os assentados têm consciência que os ´grandão` não gostam dos sem-terra e sabem identificá-los na figura daqueles que tem poder partidário/político ou de posses/bens. Enfim, falam a partir da experiência de vida, o que também é uma forma de conhecimento.

No aspecto do empoderamento, no sentido de não ser apenas um sem-terra, mas um Sem-Terra:

Por exemplo, você está lá no Banco, a gente tem uma pastinha verde que os assentado usam – vai bloco de nota e coisa – então você chega lá e os cara já te conhecem pelo caminhar. Mas se chegar lá tipo um Mello da vida, já é tratado de outra forma ("Assentado B").

Ou seja, o movimento propicia empoderamento, pertencimento/inclusão aos assentados e, com isso, fortalece suas subjetividades, como fica explícito na fala do "Assentado B" ´ em que se sente mais forte, "mais sujeito", pois já não é um qualquer (´um Mello da vida`), mas um assentado do MST que sabe dos seus direitos, que faz parte de um dos maiores movimento do Brasil, que tem alcançado muitos êxitos, a ponto de lhe auxiliar, assim como tantas outras famílias, a conseguir terra, casa própria, trabalho e ter uma vida digna com seu familiares.

Também foi possível perceber que a ampla maioria dos assentados costuma participar das assembléias que ocorrem periodicamente, levando suas propostas, reivindicações, assim como debatem os projetos para o assentamento. Devido ainda não existir um local exclusivo para este tipo de atividade, são realizadas na residência de um dos assentados.

Em relação à proposta de reforma agrária do movimento e a existente hoje, os assentados têm consciência que ainda falta muito para o movimento conseguir efetivar a sua reforma agrária. Do mesmo modo, compreendem que é somente pela ação e pressão do coletivo organizado que a mesma será implementada.

Hoje ela está numa linha quase boa. O Lula tem a proposta de não só dar a terra, mas dar a terra e a infra-estrutura. Eu acho que está no caminho certo, mas falta muito ainda. Por isso que depende de nossas lutas, só que a gente não pode ficar em casa aqui sentado esperando que eles vão trazer. Se nós não formos à luta, em busca, quem pressiona lá o presidente é que vai ter mais coisas. Se a UDR, os ricos, irem lá e fazerem mais projetos, o presidente vai ter que atender quem tiver mais ("Assentado A").

É que o governo veja mais o lado dos agricultores, né. Que nem eu falei, só conseguir o terreno não adianta. Que nem entra lá um governo que não apóia o pequeno agricultor não tem volta, não vê crédito nenhum. O cara só vai fazendo financiamento no banco, vai se endividando ("Assentado D").

Entendem que não basta a terra, mas que é necessário o apoio, incentivo do governo para aquisição de sementes, adubos, enfim, condições para produzir e, dessa forma, se manter no meio rural.

Para eles as desigualdades sociais, as dificuldades do acesso à cidadania, é fruto de uma sociedade desigual, onde impera o individualismo, e a lógica "de quem tem mais pode mais".

Isso aí é ganância, né. A pessoa quanto mais tem, mais quer. E quem não tem cada vez fica lá embaixo, mais pior. Hoje se você pegar pagar um peão por dia o que vale, é difícil, né. Tu vai explorar, se você pode mais. A situação é isso aí. E eu já tenho experiência disso aí. Tu vê, hoje quem tem, tem bastante coisa porque explorou. Não acredito que a pessoa sobe de vereda. Tem alguma outra coisa. Não acredito que consiga se "levantar"/enriquecer no suor, no trabalho. Sempre tem alguma coisa ("Assentado C").

Na fala do "Assentado C", observa-se a consciência sobre a exploração e exclusão histórica, pela qual passam as pessoas que têm menos condições, assim como a compreensão de que ninguém consegue enriquecer apenas trabalhando, mas sim através da exploração do trabalho dos outros.

O entendimento disto ocorre, principalmente, pela sua própria experiência: ´E eu já tenho experiência disso aí`, ou seja, provavelmente não foi em análise de teóricos que discorrem sobre a temática, mas devido ter "sentido na pele" o que realmente é ser explorado. Tendo o entendimento que na sociedade predomina a exploração do trabalho alheio, compreende que, em função disso, o movimento não luta apenas pela terra, mas para transformar essa sociedade, segundo suas palavras:

Acreditas que o MST tem potencial para transformar essa sociedade? Olha, eu acho que tem, se não fosse o movimento a reforma agrária não sairia, se bem que a reforma agrária mesmo ainda não saiu, né. O que existe de acampamento nesse Brasil, Deus que me perdoe. Tem gente que faz cinco anos que está embaixo de lona. Até agora as desapropriações de terra estão meio paradas ("Assentado C").

A consciência da situação crítica em que se encontram muitos acampados, os quais estão há anos sob a lona/acampados e da importância fundamental do movimento para alavancar a reforma agrária, pois sabem que:

[...] Os maiores querem engolir os mais pequenos. O quanto a pessoa sofre na roça, que nem a gente trabalha na roça desde criança. Não teve tempo nem pra estudar, pois os pais trabalhavam na roça ("Assentado G") Porque ninguém sabe dividir, aquele que tem mais sempre quer mais, nunca pensa no outro que tem menos. E quem tem menos é muito difícil de conseguir ter mais, pois a vida não está fácil e se outros ajudassem, mas quem tem mais só quer saber de ter mais e mais ("Assentado I").

Dessa forma, visualizam o MST como resistência a essas formas de relações sociais em que o roubo é banalizado, a exploração naturalizada, assim como o enriquecimento de uma minoria ávida de cada vez ´ter mais e mais`. Nos acampamentos, marchas vão construindo um novo modo de se relacionar com o outro. Passam a valorizar mais a união, a compreender a importância do coletivo para aquisição da terra, para negociações, etc. Assim como valores de solidariedade, de igualdade, de respeito às diferenças (mulheres, negros, índios) e a outros movimentos sociais, conforme falas dos Assentados "H"e "A":

A nossa luta é também para mudar esse tipo de relação, pra ser tudo igual, não podia ser uns ter mais e outros não ter. Eu acho que o movimento batalha, vai além da reforma agrária. Que nem os filhos da gente estão estudando fora, eles procuram as pessoas que não tem condições de estudar, eles vêm atrás. Que nem o nosso piá, agora ele ta lá estudando pra trazer para nós. Ele está estudando para nós não sair da terra, para ficar em cima ("Assentado H").

Achas que o movimento constitui-se como uma resistência à sociedade atual?

Sim. Acho que tem que lutar por tudo, não adianta só tu ter a terra e continuar a ser explorado, não conseguir um estudo, um transporte. [...] Tem gente que já conseguiu a terra e acha que já conseguiu o que queria, mas estão enganados, aí que temos que lutar pra tudo: planejar a propriedade ("Assentado A").

Conforme TOURAINE (1994) a subjetivação (que propicia a "libertação" do ser humano a toda a forma de dependência, assim como a transformação parcial do indivíduo em sujeito) e a autonomia (no sentido de decidir sobre sua vida, sem a imposição de papéis) fazem com que o indivíduo torne-se sujeito. Sendo assim, pode-se caracterizar os assentados como sujeitos em construção, os quais foram na trajetória de acampados, depois assentados, conquistando autonomia e, com isso, tornaram-se atores de suas próprias vidas. Dessa forma, o processo de fazer parte do movimento, assim como auxiliar a construí-lo propiciou um significativo empoderamento, tanto referente a subjetividade (auto-estima; identidade; solidariedade) quanto ao aprendizado em termos informacionais (entender o que é a reforma agrária, a origem, características e diretrizes do movimento, entre outros). A compreensão destas questões ocorre mais pela experiência vivida, pela interação coletiva em reuniões, encontros, marchas e congressos do MST e não tanto pelo estudo e formação individual. Nesse processo, os assentados vão interagindo e construindo-se como sujeitos.

Além disso, constata-se que os assentados têm seu discurso próprio, no sentido de entenderem o que é melhor para o assentamento, assim como os propósitos do movimento, a importância da reforma agrária e, dessa forma, possuem capacidade de, como diz Castoriadis, advir sobre o discurso do outro, não aceitar dominar-se pelo discurso do outro.

4.3 – Segundo Eixo – Autonomia

4.3.1 - Os mediadores e os Sem-Terra

Os principais mediadores citados nas entrevistas foram: Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Município de Lebon Régis; Coordenadores do Núcleo; Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA; Vereadores (Pavesc e Pena Branca); Coordenador[40]das 100 famílias e, das 500 famílias, Secretaria da Agricultura de Lebon Régis. Com exceção dos coordenadores do Núcleo, os demais mediadores não residem no assentamento. Costumam realizar visitas esporádicas, a fim de tratar de diferentes assuntos relacionados à infra-estrutura do assentamento, questões políticas, entre outros.

As relações dos assentados com os mediadores, diferente do que se esperava, segundo hipótese é de muita liberdade de discutir, discordar, fazendo com que os assentados tenham voz ativa nas assembléias, negociações, etc. Também costumam cobrar dos mediadores que exerçam suas funções (de levar e trazer informações, de encaminhar propostas aos órgãos competentes, etc).

Caso contrário, de não conseguirem exercer suas tarefas, os mediadores são afastados ou perdem a credibilidade, conforme menciona o "Assentado B".

Tem encontros mensais, depende deles lá, né (Pena Branca.......) se precisam de nós e tem algum informe eles tão vindo aí. Os mediadores costumam impor suas idéias e propostas, as quais devem ser acatadas? Não, não, Deus o livre se fosse assim, daí não é um mediador é um ditador, né. Ditador nós não queremos, né. Participamos, não tem discriminação. Não existe e nem pode existir. Por exemplo: tem lá a Nega Cutia (posseira – integrante do núcleo dois).

Então quando nós chegamos aqui, ela queria meio que ditar as ordens. O pessoal recuou, não, não é assim como você pensa. Então, é um exemplo nosso mesmo. Não é qualquer um que vai chegar aqui e dizer o que temos de fazer, nem mesmo o Stedile. Se não serve não acatamos e o movimento não vai retaliar ("Assentado B").

Na fala do "Assentado B" percebe-se, diferente da abordagem de NAVARRO (2002), que há participação dos assentados (base) nas decisões a serem tomadas, assim como se sentem em condições de discordar, caso seja necessário. Dessa forma, também não foi possível perceber o diagnóstico de MARTINS (2003) de que alguém fala em nome do camponês, sendo este impossibilitado de ter voz, mas ao contrário, conforme outros trechos acima referidos, o movimento propicia empoderamento aos camponeses, fazendo com que tenham mais voz. Por exemplo na fala do "Assentado G": ´Eu achei que melhorou bastante a questão de falar, de ter mais coragem`, ou ainda segundo a fala de um sem-terra de outro assentamento, incluído na análise de CALDART (2001): ´Quando ocupamos aquela terra, paramos de morrer...`, ou seja, começaram a ter voz, a ser sujeito, a "parar de morrer" justamente quando começam a participar do movimento. Dessa forma, os mediadores no assentamento analisado servem mais como auxílio, em termos de organização e não como "alguém que fala em nome dos camponeses". Sendo assim, os assentados vêem com bons olhos os mediadores, no sentido de que são eles os responsáveis para ir em busca de recursos, encaminharem projetos, entre outros. Enfim, para eles os mediadores são imprescindíveis. Segundo seus depoimentos:

São importantes, se não tivesse alguém pra ir buscar ajuda lá fora, ficava mais difícil, né. Como são as relações com os mediadores? Tem reunião, tem que discutir nas reuniões. Não tem isso de os líderes mandarem e os outros obedecerem ("Assentado F").

A turma cobra bastante. Eles têm que passar informações para nós. São importantes os mediadores? É importante, senão você fica enrolado e não sabe o que ta acontecendo lá. Tem que ter a informação ("Assentado C").

Quando eles não podem ir numa reunião, qualquer um de nós pode ir e depois repassar para o pessoal. Como funcionam relações com mediadores?

Discordamos se necessário, porque, por exemplo, esse que era coordenador das 100 famílias, mas pra nós ele não representava nada, porque tinha reunião que passavam as coisas para ele e ele não ia, ou ia e não repassava as coisas para nós. Depois falava que ou ache outro que repasse ou vamos nós mesmos. Daí foi decidido de dividir, de nós fazer o nosso núcleo, que agora pra nós não tem coordenador das 100 famílias. Só tem o Miguel que é das 500 e nós pra ir numa reunião que tem, o Miguel liga para nós aqui, se o Sérgio, ou o Jandir não puder ir, qualquer de nós do nosso grupo vai. Porque aí é feito na hora um caixa, caso algum precisa, que nem eu tenho moto, tenho meu irmão que tem. Se algum de nós não pode ir sempre empresta a moto para outro, mas sempre vai às reuniões. Importância dos mediadores para o coletivo? Pra nós é importante, porque eles que participam de reuniões pra fora, tipo Florianópolis, com a coordenação do movimento, aí sempre repassam o que está acontecendo, o que não está. ("Assentado D").

Na fala do "Assentado D": "Quando eles não podem ir numa reunião, qualquer um de nós pode ir e depois repassar para o pessoal", é possível perceber o grau de autonomia e reconhecimento adquirido dos demais membros do assentamento, no sentido de que todos têm condições "intelectuais", de formação política, entre outros, para se preciso for substituir o mediador do núcleo, tomar decisões com outros companheiros e entidades em reuniões fora do assentamento.

Ou seja, percebe-se o alto grau de envolvimento dos assentados nas diferentes questões que envolvem seu cotidiano. Nesse sentido, constituem-se como sujeitos, que participam, interrogam, discordam e colaboram para a tomada de decisões que afetam suas vidas. Não são meros indivíduos, passivos, quase indiferentes à tomada de decisões pela direção, mas se sentem também direção. Não cabe mais a idéia de que o outro sabe mais, pode mais e, sendo assim, deve falar pelos assentados, mas sim que todos podem e que ninguém fala pelo outro, mas segundo o consentimento esclarecido do outro que o autorizou a falar. Dessa forma, verifica-se que as relações no interior do assentamento entre base e mediadores não são hierarquizadas, mas descentralizadas, muito próximas à estrutura em rede.

Os Mediadores são importantes. Agora quando eles começaram vir, faz meio ano para cá, o pessoal começou a ter uma visão melhor e começou a se organizar melhor. Primeiro estava tudo, tipo assim, meio esparramado, não se uniam para decidir as coisas. E agora que o pessoal veio de fora, sentou e ficou ali um dia, dois explicando bem como é, começou a melhorar as coisas ("Assentado H").

Na fala do "Assentado H", percebe-se a importância dos mediadores externos ao assentamento, no sentido de incentivar, estimular a organização interna dos assentados. ´E agora que o pessoal veio de fora, sentou e ficou ali um dia, dois explicando bem como é[..]. Aqui, surge a questão das trocas de conhecimento, pois nem sempre os assentados têm condições de acompanhar as mudanças, seja na legislação, conjuntura política, entre outros. Com isso, os mediadores auxiliam no processo informativo. No entanto, foi possível verificar na fala dos assentados que esses mediadores que esclarecem muitas coisas que eles não sabem não os impedem de irem se constituindo como sujeitos, de irem construindo uma relativa autonomia, pois não são as lideranças e mediadores que decidem as questões mais importantes do assentamento, mas sim o conjunto dos seus membros. Assim como, cabe frisar que aprender com os outros também é uma das formas de constituir-se como sujeito, no dizer de CASTORIADIS (2006) "sujeitos abertos", que estão sempre aprendendo, estando aberto para tal, não apenas com os outros, mas também consigo, na medida em que cria novas determinações para si.

4.4)Terceiro Eixo – Democracia

4.4.1) A questão Política, a organização no assentamento e infra-estrutura.

As assembléias no assentamento são para tratar dos problemas diários, do próprio assentamento, sendo que as discussões políticas acontecem mais em períodos eleitorais. A maioria dos Assentados diz ser do Partido dos Trabalhadores (PT), sendo que há uma família do PMDB.

Dizem-se do PT, em geral, ou seja, não são filiados a tendências políticas dentro do referido partido.

É tudo mais do PT, a maioria é do PT. [...] Seria o certo apoiar o Lula no caso, porque ele está mais próximo da reforma agrária ("Assentado F").

O movimento tem que puxar pelo lado dos trabalhadores. Na minha opinião, apoiar um partido que está ao lado do movimento. Se ele está aqui assentado foi graças ao movimento, não foi outro. O assentamento segue as diretrizes do MST na questão eleitoral? Nem tudo né, mas acho que a maioria. E esses que não seguem, tem alguma punição? Não acontece nada ("Assentado C").

Na fala do "Assentado C" o MST parece ser uma referência política, pedagógica e de apoio e não algo tutelador, pois caso fosse, os assentados teriam condições de identificar ou estaria implícito em suas falas. Da mesma forma que sabem identificar o patrão/fazendeiro como alguém que os explora e tutela, dificultando-os de serem sujeitos, também mencionariam os mediadores. Além disso, na fala dos assentados não se percebe a presença de um discurso ideologizado (politicamente correto), pois falam segundo suas experiências de vida, do sentir-se explorado, de não ter terra, enfim das dificuldades que passaram.

Em relação às diretrizes do MST em apoiar um candidato, não existe uma rigidez que todos devem seguir, mas geralmente ficam do lado do movimento, nas principais decisões, de âmbito mais amplo (nacional ou regional). Até porque, existe uma sintonia entre as decisões da coordenação do movimento e os assentados, conforme palavras do "Assentado A":

Vocês seguem as diretrizes do MST? Isso aí é começado aqui, é discutido aqui e vai indo, pela regional e depois vai para a estadual. Não é de cima para baixo, é o contrário, de baixo para cima. Não é o MST, a executiva, que decide apoiar um candidato e os demais tem que acatar, mas é de baixo para cima, dos acampamentos e assentamentos.

Segundo menciona o referido assentado, percebe-se que a sustentabilidade do movimento parte das bases ou pelo menos tem significativa participação destas. Talvez esse seja um dos aspectos que explique a longevidade do MST, assim como sua capacidade de expandir-se com unidade em nível de país.

No tocante a organização no assentamento, no sentido de distribuição de tarefas, entrada de novos membros, ocupação de cargos, verificou-se principalmente em relação a este último, que se constitui como uma organização em rede, em que todos podem participar, ou seja, não existe restrição para ocupar um cargo, tal como coordenador de núcleo, entre outros. Apenas deve ser indicado em Assembléia e se caso o indicado não aceitar, em razões de falta de tempo, por exemplo, será indicado um outro membro, conforme esclarece o "Assentado A":

As lideranças são escolhidas pela assembléia. São feitas as reuniões e são indicados nomes, aí as pessoas vêm se aceitam ou não trabalhar/ser líder.

Dessas que tem nas comunidades, é feita na regional e daquelas ali é escolhida a pessoa para ser em âmbito nacional. A liderança é responsável por buscar a informação e repassar para os demais, aí o grupo escolhe as pessoas, tal fulano faz isso, o outro faz aquilo. Eu era presidente da associação, de uma cooperativa que nós temos lá no outro assentamento (Rio dos Patos). Daí vim pra cá, já entrei sendo indicado para coordenação, aí não quis assumir a coordenação das 100 famílias, porque eu era presidente da micro-bacia, aí atarefava muito ("Assentado A").

Mesmo existindo atores mais centrais, os fluxos de informação não ficam centralizados nestes atores, pois caso isso aconteça, poderá ocorrer o afastamento do mediador do núcleo do assentamento. O mediador (coordenador do núcleo) deve repassar as informações aos demais. Da mesma forma, no tocante as decisões, ou seja, não é o mediador ou liderança que decide, mas o conjunto de assentados em assembléia. Face a isto e segundo o já exposto, pode-se inferir que, diferente da hipótese desse trabalho, em relação à estrutura organizacional do assentamento, predomina a estrutura em rede, tendo por conseqüência um significativo nível de democracia interna. Em outras palavras, está presente o poder descentralizado, a cultura do agir comum, a horizontalidade na tomada de decisões, aspectos estes que facilitam a formação de relações autônomas e democráticas.

As tarefas (trabalho diário) geralmente são individuais, pois a estrutura produtiva do assentamento é individual. No entanto, quando é necessário a realização de uma tarefa coletiva, como por exemplo conseguir uma linha de ônibus para o assentamento, a maioria participa, seja das reuniões, auxílio financeiro para ir falar com autoridades, etc.

Nós discutimos, se tem uma audiência com o prefeito nós sentamos e vemos qual a possibilidade de um ir ou não, aí vai quem pode, sem excluir ninguém.

Não tem problema se é de outro partido, a vida particular da pessoa lá fora não vai interferir aqui no nosso assentamento ("Assentado B").

Na fala do "Assentado B" percebe-se que adquiriram autonomia em relação aos partidos políticos, não importando a vinculação partidária do assentado, desde que participe nas assembléias e contribua para o bom andamento das tarefas a serem realizadas no assentamento, tais como negociações com autoridades, entre outros, procurando ser unido e solidário com o coletivo.

Para a entrada de novos membros no assentamento, existem algumas regras, tais como: ser encaminhado para um acampamento do MST ou para lideranças do movimento em âmbito regional (Coordenador das 500 famílias, por exemplo).

As pessoas começam ver e enxergar, aí começam vir. Primeiro tem que ir para o acampamento, conhecer bem para depois conseguir ser assentado. Assim as comunidades que tem pequenos agricultores eles vem pedir apoio do tipo: como é que nós conseguimos essas casas e eles não conseguem. Vieram buscar experiência, vem procurar. Aí falamos da importância da organização, aí eles vão conseguindo, mas vai lento ("Assentado A").

Segundo a fala do "Assentado A", pode-se verificar que o assentamento, as casas, a produção, enfim toda a infra-estrutura que os assentados vão construindo desperta o interesse de outros agricultores do meio rural, que procuram saber com os assentados quais os procedimentos para aquisição desses bens. Dessa forma, são orientados para a importância da união, de agirem em conjunto para lutarem por melhores condições de vida. Sendo assim, o movimento auxilia na democratização das relações entre fazendeiros/patrões e empregados no campo, pois demonstra através de suas ações que é possível a organização dos agricultores, sem patrões. Do mesmo modo, questiona a lógica da grande propriedade e, com isso, das desigualdades sociais, servindo de exemplo para outras famílias que vivem de empregados de grandes proprietários ou como pequenos agricultores, que passam a ver nas ações do movimento, nas suas conquistas uma alternativa para melhorarem de vida.

Caso o assentado queira sair do assentamento, ele não poderá vender sua casa, mas se desejar ir para outro assentamento, poderá fazer a permuta do lote com outro assentado.

Eles não permitem, né, porque não é nosso, a gente não tem título, nada. Se quisesse sair para morar na cidade teria que deixar o lote. O INCRA vem e coloca outra pessoa para morar ("Assentado E").

Como funciona a entrada de novos membros? Primeiro encaminha para o acampamento, que a prioridade, para conseguir um terreno, é sempre para o acampado. E qualquer um de nós adquiriu um terreno, mas pela Lei não pode vender. A não ser que faça um acordo com um que esteja acampado para vender o terreno, esse tem direito. Se a pessoa quiser sair do assentamento, não pode vender, daí abandona ou permuta, sempre devendo apresentar um motivo ("Assentado D").

Segundo exposto, é nítido na fala dos assentados, que em geral a vida melhorou muito, pois se sentem mais livres, mais independentes (do patrão, do emprego, etc). No entanto, ainda persistem problemas, principalmente em relação à infra-estrutura (luz, água), assim como de maiores investimentos para a lavoura, entre outros, o que prejudica a qualidade de vida dos assentados, conforme explícito na fala do "Assentado B":

Isso aqui tinha que ter mais investimento, mais verba e que fosse mais adiantada as coisas. Eu, esse ano, nem vou fazer custeio. A maioria do pessoal que tão fazendo custeio (faz um projeto – quero plantar três sacos de feijão – vou precisar de adubo....) O cara faz esse projeto, manda p/ o banco e aí começa as burocracias. Você vai às agropecuárias, e com trinta dias tem que pagar os caras, eles não vendem fiado. E como você vai plantar feijão e milho, sem adubo? Você se sente meio amarrado, não consegue fazer o que gostaria. Nessa época já era de estar plantando. [...] Eu acho que dependia mais do nosso governo, que olhasse mais para o Sem Terra. Pressão é feita, você vai lá, leva o papel cheio de reivindicações e não adianta. O problema maior é por parte do governo, Incra e não do MST. O movimento, em si, ele auxilia a chegar lá.

("Assentado B").

Além disso, expõe sua crítica em relação ao governo, assim como destaca a importância do movimento para auxiliar a encaminhar as reivindicações. Compreende que devem fazer pressão, atuar no coletivo, a fim de fazer com que as Instituições atendam suas demandas. No entanto, nem sempre funciona, pois na prática as coisas não acontecem ou demoram para acontecer.

Outro aspecto que chamou atenção foi referente às dificuldades no cotidiano do assentamento, pois muitas casas ainda têm dificuldade do acesso à água, assim como da distância da escola, da falta de ônibus para ida à cidade, enfim são muitos problemas que preocupam os assentados.Dessa forma, as discussões com mediadores, autoridades são mais para tentar resolver esses problemas básicos. Entendem que nem sempre o movimento consegue ajudar de maneira eficiente e rápida, conforme a fala do "Assentado B":

Eu no começo aqui achava que o pessoal do movimento ia chegar aqui e ia administrar. Mas na verdade eles te dão o primeiro empurrão e você tem que tocar, né. Muitas vezes você se perde. Achava que eles estariam mais perto.

Muitas vezes esse pessoal do movimento são que nem nós, também tem seus afazeres. De vez em quando mandavam alguém meio cabeça de vento (é que nem político – promete um monte de coisa), aí você fica mais na expectativa e daqui a pouco não faz. As pessoas têm que serem realistas. Não adianta você chegar aqui e querer me conversar, não tem que fazer isso, aquilo. Quais são as principais dificuldades? Crédito, Incra, governo – não dá apoio, semente, você não vai viver só de milho e feijão. Agora que nem nós que plantamos dois ou três sacos de feijão, não tem como passar o ano, então eu acharia assim tipo, hoje o pessoal está pensando numa linha de leite.

Os assentados também fazem críticas ao próprio movimento, em geral as lideranças, as quais, segundo "Assentado B", deveriam estar mais próximas. Assim como, conferem importância aos resultados práticos, pois muitos mediadores prometem várias coisas, mas não conseguem colocálas em prática.

Conforme exposto nos três eixos temáticos, pode-se apontar que predomina nas relações entre os integrantes do assentamento um processo de organização onde estão presentes a autonomia, a subjetividade e a democracia. Contudo, cabe frisar que esses aspectos não estão presentes de forma absoluta, pois na realidade ninguém é totalmente autônomo e democrático, tendo em vista a heteronomia da própria sociedade. Além disso, sempre uma vez ou outra, os interesses pessoais acabam prevalecendo em relação ao coletivo. Dessa forma, parece mais correto concluir que os assentados são indivíduos que ao participar do movimento vão constituindo-se como sujeitos autônomos através da prática de relações mais democráticas e, em conseqüência, diminuindo sua condição de tutelado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O camponês foi visto por muitos como um não-sujeito e como alguém incapaz de tornar-se sujeito, devido a uma série de fatores, como por exemplo estar distante do "progresso", ser arcaico e dependente da tutela de um fazendeiro, dirigente político, quando não dos próprios mediadores de movimentos sociais e partidos políticos. Contudo, mesmo neste contexto adverso, os camponeses foram protagonistas de vários movimentos sociais rurais, tais como Ligas Camponesas; Contestado; Trombas e Formoso, entre outros. Dessa forma reivindicam a possibilidade de ser, de fazer-se como sujeito, que tem voz e luta por direitos. Seguindo a tradição desses movimentos, o MST constitui-se como referência de organização e resistência para grande parte dos trabalhadores rurais sem-terra.

No entanto, alguns autores apontam que muitos desses movimentos, em especial o MST, reproduziram e reproduzem as tradicionais relações de tutela existentes no meio rural, sob outras formas. Isso decorrente do fato de que não seriam os camponeses os protagonistas, sujeitos capazes de se auto-organizarem, mas as lideranças, os dirigentes/mediadores que os conduziriam, através do discurso da utopia de uma outra sociedade, enquanto a luta dos camponeses seria apenas pela subsistência imediata.

Entretanto, tendo em vista a secular relação de subordinação e tutela pelas quais são vítimas os camponeses, parece difícil conseguirem romper com essa lógica sem antes serem capazes de pensar, no sentido de imaginarem alternativas, ou seja, de que é possível a construção de novas formas de sociabilidade e de relações sociais, enfim compreenderem que a realidade social não é um dado imutável, mas que é construído e, portanto, passível de mudanças. Mas para isso, fundamental se torna um nível razoável de escolaridade, a fim de entenderem a engrenagem de funcionamento da sociedade, tanto nos aspectos históricos, sociais, econômicos, etc. No entanto, infelizmente, os camponeses carecem dessa formação o que dificulta a possibilidade de imaginarem alternativas, de se auto-organizarem de forma sustentável. Além disso, existe toda uma lógica na sociedade que não favorece a autonomia, a emancipação, o questionamento, pois predomina o poder econômico dos grandes proprietários, os quais geralmente integram o setor dominante, no sentido de possuírem muito poder no âmbito do Estado, dos meios de comunicação e do mercado. Dessa forma, a autonomia dos camponeses vai se consolidando, através da participação no movimento, pois é neste e através deste que vão entendendo porque são sem-terra, sem trabalho, sem cidadania, entre outros. Assim como, possibilita-os imaginar que a realidade pode ser diferente, seja pela construção de novas relações sociais, da práxis do pensar e atuar coletivo, da valorização da identidade rural, enfim fatores que vão constituindo-os como sujeitos. Daí a importância do movimento e de tudo o que o constitui (mediadores, educação, simbologias, tradições, etc).

Nesse sentido cabe destacar, como base para o referido entendimento, a análise de Alain Touraine (1994) quando enfatiza que "o sujeito somente existe como movimento social, por seu caráter contestatório à lógica da ordem". Ou seja, são os movimentos sociais que propiciam com mais vigor o engajamento que protesta contra as exclusões existentes na sociedade e, como conseqüência, tem mais possibilidade de propiciar a formação de sujeitos, em especial dos excluídos e estigmatizados.

Sendo assim, entende-se que os mediadores não são um problema se integram o movimento na condição de facilitadores e aprendizes, tendo em vista que os camponeses também tem muito a ensinar, seja em função da experiência de vida, do trabalho no campo, da sabedoria popular, entre outros. Entretanto, no caso em que as mediações arrogam-se portadoras do "saber", seja do passado, presente quanto futuro e se entendem no direito de doutrinar e impor aos demais sua visão de mundo, aí neste caso já não é mais um movimento social, mas uma organização, tal qual a afirmação de Navarro[41]41, ou até uma seita (muitos movimentos considerados como seitas, desmembram-se, cessam ou mudam de direção ideológica e/ou doutrinal com o desaparecimento dos seus líderes). Contudo, os indicativos dessa pesquisa apontam que o MST parece ir em outra direção.

Tendo por base os aspectos supracitados, essa pesquisa verificou que os integrantes do MST, no assentamento analisado, vem se constituindo como sujeitos, não de forma absoluta, mas através de um processo aberto caracterizado por vários fatores. Entre estes, a organização em rede, na qual predomina relações descentralizadas e horizontalizadas (WHITAKHER, 2006), ou seja, mesmo existindo coordenadores (atores mais centrais) as decisões, os fluxos de informações não permanecem com estes atores, pois devem ser repassados e discutidos com os demais em assembléia, caso contrário, o coordenador poderá ser deslegitimado ou destituído do cargo. Sendo assim, os eleitos para coordenação do núcleo não têm possibilidade de decidirem por si mesmo, pois são simplesmente executores, uma vez que as linhas de ação são determinadas pelo conjunto dos assentados.Contudo, as lideranças, diferente dos demais membros do assentamento, possuem uma maior influência nas decisões, pela sua própria condição de eleito coordenador, de ser líder[42]Isso, todavia não impede que os próprios sem-terra tomem as decisões e que essas não se subordinem às direções, como tradicionalmente ocorrem em partidos políticos, sindicatos, etc.

Nesse processo, as relações igualitárias, assim como novas relações sociais tendem a se fortalecer e ampliar como, por exemplo, o exercício da democracia, tal qual colocado por Demo (1990), ou seja, da participação, de não ficar aquém das decisões como mero expectador, enfim vão aprendendo a se autodeterminar, tanto individualmente como sujeito, quanto no plano social com outros sujeitos. Outro fator significativo é a prática da luta, ou seja, da participação em acampamentos, marchas, protestos, enfim através da vivência da ação coletiva que modifica seus comportamentos, assim como da experiência adquirida na resolução de problemas concretos.

Dessa forma, o processo de aquisição de autonomia também ocorre por meio da práxis, ou seja, o fazer no qual o outro é considerado agente essencial de sua autonomia (CATORIADIS, 1982) Neste contexto, os trabalhadores se dão conta que a luta não é só pela terra, mas que abrange um leque de questões relacionadas a não ter terra, como por exemplo: infra-estrutura (saneamento básico, moradia, estradas), produção (sementes, adubos, instrumentos de trabalho) e principalmente a educação, pois conforme enfatiza Stedile: "Você pode dar a um camponês só a terra, mas ele vai continuar sendo ignorante e manipulado" (STEDILE, 2006). Nesse caso, cabe destacar que educação é vista como algo mais amplo que freqüentar a escola, pois é também uma prática cotidiana, através do exercício de relações solidárias, do respeito às diferenças (gênero, étnicas), etc.

Sendo assim, através do aprendizado da construção do sujeito, os assentados vão adquirindo a capacidade de questionar a situação opressiva e desigual, a qual os excluía do acesso à cidadania.

Nesse sentido, a conquista da autonomia faz parte desse processo de organização e luta por direitos.Verificou-se que integrado a essa luta, os mediadores atuam mais na condição de facilitadores e auxiliares, não significando que falam em nome dos camponeses tal qual aponta a crítica, pois são coadjuvantes na luta pela terra, uma vez que os camponeses, devido a uma série de fatores tem dificuldade de se auto-organizarem, conforme mencionado, e principalmente em razão da heteronomia predominante na sociedade, a qual dificulta uma real autodeterminação, devido a inúmeros canais de instâncias mediadoras, tais como meios de comunicação, instituições, aparato jurídico, entre outros (ADORNO, 1995). Dessa forma, imaginar que os próprios trabalhadores rurais, por si mesmos, irão conseguir êxito em suas lutas, nesse contexto, é meio quimérico, tendo em vista a repressão por parte dos aparatos do Estado, dos meios de comunicação que os estigma, entre outros.

Além disso, na sociedade heterônoma, torna-se difícil lutar por direitos, ter voz sem a utopia de uma nova sociedade, com novas relações sociais, de que, por exemplo, um outro mundo é possível. Contudo, essas idéias não chegam com facilidade ao meio rural, devido a distância, a baixa escolaridade da maioria dos camponeses, entre outros. Sendo assim, os mediadores auxiliam no processo de propagá-las e, com isso, os sem-terra passam a entender que não ter terra não está isolado de não ter educação, de não ter cidadania, de não ter saúde, etc. Ou seja, compreendem que a luta transcende a conquista da terra. Dessa forma, conforme assinala Caldart (2001) é nas ações do movimento que os indivíduos se constituem como sujeitos sociais.

Entretanto, segundo a autora, o eixo central de luta do MST é pela terra, mas não dissociada do contexto social, histórico, político, econômico, cultural em que se inserem os trabalhadores rurais. Ou seja, desenvolvem também lutas paralelas, questionando o modelo educacional presente no meio rural, as relações de gênero, o empobrecimento dos camponeses, entre outros.

Outro fator importante, para a constituição do sujeito, verificado no assentamento, foi a autocrítica, pois mesmo sendo, na maioria das vezes, através do intermédio da direção do MST (em seus vários âmbitos) que os assentados têm acesso a negociação com a esfera Governamental (Federal, Estadual, entre outros Órgãos), não faz com que percam sua autonomia e autocrítica em relação ao próprio movimento, no sentido de apontar as falhas, inconveniências, etc. Quiçá isso ocorra pelo entendimento comum de ambas as partes (direção e assentados) da importância do movimento ser forte, articulado, com unidade e compromisso de todos seus integrantes, pois caso contrário não irão muito longe. Ou seja, têm consciência que o movimento não pode constituir-se como um poder acima dos camponeses, a fim de não reproduzir a relação dirigente-dirigido que caracteriza a sociedade atual. Isso fica explícito na fala dos assentados, na visão que possuem do movimento, assim como das suas liderança (coordenadores do assentamento).

Dessa forma, o movimento torna-se referência à medida que enfrenta com determinação e rigor as forças contrárias à reforma agrária, através da busca de alternativas e de novos experimentos.

Com isso firma-se como modelo a ser seguido junto às populações mais carentes, principalmente pelo exemplo concreto, ou seja, de ser capaz de mudar a vida das pessoas, as quais tiveram aumento de patrimônio formado por bens individuais, assim como de escolher a forma de trabalho, o tipo de produção e organização de seu lote de terra, entre outros.

Segundo a análise de Scherer-Warren, devido a essas características apontadas, entre outras, vários movimentos sociais na atualidade tendem a atuar em rede, ou seja, de forma horizontalizada, onde predomina a democracia e autonomia. Conforme suas palavras:

O ´espírito democrático` se reacende no seio dos movimentos sociais na nova ordem mundial. Com a queda do Muro de Berlim e a derrocada de muitos regimes ditatoriais dos países periféricos, a democracia desponta como valor universal e é apropriada pelo discurso político dos movimentos sociais (vide Rossiaud & Scherer-Warren, 2000). Porém o ´espírito democrático` incorpora novos significados. Não se trata mais conforme Touraine (1998), do pensamento político das Luzes, que ´tornou-se cada vez mais antidemocrático, elitista e mesmo repressivo quando identifica uma nação, uma classe social, uma idade de vida ou gênero com a razão, justificando assim sua dominação sobre outras categorias` (p.102). Trata-se agora de incorporar na democracia não mais apenas mecanismos universais abstratos de "igualitarismos" (civis, de direitos políticos, etc), mas de reconhecimento aos direitos à diferença (cultural, étnica, de gênero, etária etc.). As lutas identitárias específicas dos denominados novos movimentos sociais, que se reafirmaram através da autonomia dos "grupelhos", nas décadas de 1970/1980, agora se legitimam no interior das redes de movimentos multitemáticos e translocais (vide Castells, 1997; Scherer Warren, 1999). (SCHERER-WARREN, 2002, P. 247).

Face ao exposto, é possível afirmar que existe no assentamento uma "democracia viva", onde seus integrantes podem tomar decisões sobre suas vidas, assim como influir, em parte, nas decisões da sociedade em geral, através da participação, do envolvimento e com isso da compreensão que as coisas (contexto, relações, valores, etc) podem ser diferentes. No entanto, cabe destacar que fundamental e necessário para criar e, principalmente, manter os alicerces desta democracia, é o processo ininterrupto da constituição do sujeito, através do permanente desenvolvimento da auto-estima, da iniciativa, do empoderamento, a fim de que com isso continuem sendo capazes de criar e produzir de acordo com sua realidade e necessidades, não sendo meros consumidores e expectadores. Dessa forma, diferente da abordagem crítica ao movimento, esta pesquisa encontrou outros indicativos, os quais não são suficientes para caracterizar o movimento como um todo, mas que ilustram outras tendências, as quais podem ou não vir a ser corroboradas por outras pesquisas em diferentes assentamentos e acampamentos do MST.

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Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política, como exigência para obtenção do título de Mestre em Sociologia Política, sob a orientação da Professora Doutora Ilse Scherer-Warren.

DEDICATÓRIA

A minha família e ao meu namorado.

AGRADECIMENTOS

À Ilse Scherer-Warrer pela compreensão, paciência, amizade e carinho.

Aos amigos, em especial: Rita, Lizandra, Aline, Leonardo, Rudimar, Misiara, Júlio, Daniel, pelo apoio, amizade e confiança.

Aos colegas do Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais, em especial Viviane Teixeira e Carlos Gadea.

Aos colegas do mestrado, em especial Soraya e Gustavo.

Aos professores do Departamento de Sociologia e Política, em especial Paulo Freire Vieira e Bernadete Aued.

Ao Grupo de Pesquisas, Instituições, Políticas Públicas e Trabalho – IPPT/UDESC, em especial Prof. Maurício Aurélio dos Santos.

Aos funcionários do PPGSP: Fátima, Albertina e Otto.

À Câmara de Vereadores de Santa Maria pela licença concedida.

À CAPES pelo auxílio financeiro.

 

 

Autor:

Suzana Maria Pozzer Da Silveira

sumapozzer[arroba]gmail.com

Universidade Federal De Santa Catarina

Centro De Filosofia E Ciências Humanas

Programa De Pós-Graduação Em Sociologia Política

Florianópolis, março de 2007.


[1] De acordo com o IBGE, 1% dos produtores controla 45% da área de estabelecimentos da nação, enquanto próximo de 37% dos produtores possuem somente 1% dessa mesma área (IBGE, 1996)". (CARTER, 2005, P. 6).

[2] As principais características dessa Lei, estabelecida em 1850, foram: limitou a comercialização da terra á usucapião (significa adquirir algo pelo uso); serviu para substituir o escravo na lavoura; instituiu um novo regime fundiário no lugar do regime de sesmarias; proibiu a aquisição de terras devolutas que não fosse pela compra; propiciou o advento de uma modalidade de trabalho livre. Essa Lei não alterou a estrutura agrária desigual da terra.

[3] No período colonial só recebia terra de herança quem era de "sangue limpo", não fosse bastardo e mestiço de branco e índia. (Ibidem, 1983).

[4] "Os camponeses não-proprietários, os que chegassem depois da Lei de Terras ou aqueles que não tiveram suas posses legitimadas em 1850, sujeitavam-se, pois como assinalaria na época da abolição da escravatura um grande fazendeiro de café e empresário, a trabalhar para a grande fazenda,acumulando pecúlio, com o qual pudessem mais tarde comprar terras, até do próprio fazendeiro" (Ibidem, 1983, p. 42).

[5] Para Foucault (1984) este termo deve ser definido como "...um conjunto devidamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas." (Microfísica do poder, p. 244).

[6] Jornais: Voz Operária que em 1959 foi substituída por Novos Rumos. Imprensa Popular, Hoje, Notícias de Hoje, Terra Livre, etc.

[7] Lei 4.504 de 30 de novembro de 1964, promulgada pelo governo militar. Foi a primeira lei brasileira a tratar da questão da terra. Criou um organismo público para implementar a reforma agrária, o atual INCRA, e consolidou o instituto legal da desapropriação de latifúndios pelo poder público.

[8] "A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em Lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores".(Constituição Brasileira Cap.III. Da política agrícola e fundiária e da reforma agrária. Art. 186, pág 78. In: BOGO, 1999).

[9] Entendem que o capitalismo destruiu os valores humanos e "passou a ver as pessoas como objetos descartáveis que servem apenas para gerar lucros" (Ibidem, p. 117)

[10] Ver o livro de Ademar Bogo: O vigor da mística. Caderno de cultura n.º 2 - MST, 2002.

[11] "A contribuição que a Teologia da Libertação trouxe foi a de ter abertura para várias idéias.[...] Em suma, incorporamos dela a disposição de estar abertos a todas as verdades e não somente a uma, porque esta única não pode ser verdadeira. Todos os que se abasteciam na Teologia da Libertação - o pessoal da CPT, os católicos, os luteranos - nos ensinaram a prática de estar abertos a todas as doutrinas em favor do povo."(STEDILE, 1999).

[12] Entre os principais autores estão: Lênin, Marx, Engels, Rosa Luxemburgo, Florestan Fernandes, Celso Furtado, entre outros). Segundo STEDILE (1999), o movimento procura captar aspectos positivos desses autores, mas não de forma dogmática, ou seja, procura adequá-los a realidade histórica do presente.

[13] Ver Caldart (2000) e Navarro (2002), os quais apontam diferentes fases do MST.

[14] O movimento Contestado desenrolou-se entre as populações caboclas do interior de Santa Catarina (região serrana), com aparecimento de profetas e messias chamados ´monges`. O movimento teve longa duração, uma ´sucessão de movimentos`, ás vezes com intervalo prolongado entre um e outro." (VENDRAMINI, 1992, P.12).

[15] Ver livro de MORISSAWA: A história da luta pela terra e o MST. São Paulo: Expressão Popular, 2001. (p. 129).

[16] Procurou-se sintetizar as principais idéias desses autores, de acordo com a interpretação obtida, segundo leitura cuidadosa. No entanto, recomenda-se a leitura dos textos originais, conforme referências bibliográficas.

[17] Ver: Capítulo III.

[18] "[...] uma organização, tal como o MST optou por aderir, a partir de 1986, e os riscos maiores, entre tantos outros, são exatamente aqueles de todas as organizações formais não democráticas - e, em especial, aquelas que se julgam portadoras do iluminismo político-ideológico. A referência obrigatória, nesse caso, é certamente a obra clássica de Roberto Michels, cuja ´lei de ferro da oligarquização das organizações` é conhecida, uma tese que indica uma tendência poderosa no desenvolvimento organizacional. Este autor advertia, já em 1911: ´A democracia é inconcebível sem organização [que é] [...] a arma dos fracos em suas lutas contra os mais fortes [...] de meio, a organização passa a ser um fim [...] quem diz organização, diz oligarquia` (cf. Michels, Roberto. Political Parties, passim, citado em Jonathan Fox, 1990) (Ibidem, 2002, p. 204).

[19] Entre as principais mudanças estão: competitividade dos agricultores com outros produtos - abertura comercial: Mercosul; desenvolvimento no meio-rural de muitas atividades não agrícolas; enfraquecimento das organizações tradicionais de proprietários de terras, como UDR, assim como de pequenos proprietários, como sindicatos rurais; descentralização política, conforme Constituição Federal de 1988, com transferência para os municípios de parte de responsabilidades na administração dos recursos (NAVARRO, 2002).

[20] (Domício, Sem - Terra do Assentamento Ireno Alves, MST, antiga Fazenda Giacometti, Paraná, Brasil). In: ALDART, 2001.

[21] ´Identidade de resistência: criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação. Construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos [...]` (Castells, 1999:24. In: Carvalho, 2002, p. 248).

[22] Identidade de projeto ocorre: ´quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazêlo, de buscar a transformação de toda a estrutura social` (Castells, 1999:24. In: Carvalho, 2002, p. 248).

[23] Ver significado de sujeito e indivíduo no capítulo III.

[24] "Empoderamento significa em geral a ação coletiva desenvolvida pelos indivíduos quando participam de espaços privilegiados de decisões, de consciência social dos direitos sociais. Essa consciência ultrapassa a tomada de iniciativa individual de conhecimento e superação de uma situação particular (realidade) em que se encontra, até atingir a compreensão de teias complexas de relações sociais que informam contextos econômicos e políticos mais abrangentes. O empoderamento possibilita tanto a aquisição da emancipação individual, quanto á consciência coletiva necessária para a superação da "dependência social e dominação política". Enfim, superação da condição de desempoderamento das populações pobres, as quais segundo Nyerere (1979), não podem se desenvolver se não tiverem poder" (PEREIRA, 2007, s/p).

[25] Procura-se demonstrar o que se compreende por relações democráticas, levando em consideração aspectos relativos ao sujeito e autonomia. Para tanto, entende-se que não cabe uma digressão aos clássicos da teoria democrática, visto não ser propósito desse trabalho discorrer e aprofundar essa questão. Sendo assim, dentre tantos autores que trabalham essa temática, optou-se pela análise de Demo, em razão da ênfase que este confere ao sujeito e a autonomia para a construção de relações democráticas.

[26] Nas palavras do autor: "Não existe modernidade a não ser pela interação crescente entre o sujeito e a razão, entre a consciência e a ciência, por isso quiseram nos impor a idéia de que era preciso renunciar á idéia de sujeito para que a ciência triunfasse, que era preciso sufocar o sentimento e a imaginação para libertar a razão, e que era necessário esmagar as categorias sociais identificadas com as paixões, mulheres, crianças, trabalhadores e colonizados, sob o jugo da elite capitalista identificada com a racionalidade" (Touraine, 1994, p.219).

[27] Entre eles: Coleção - "Reinventar a Emancipação Social - Para Novos Manifestos". SANTOS, B.S [Org.]. Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 2003.

[28] Segundo BOBBIO (1981) a teoria da democracia constitui-se de três tradições: 1) Teoria Clássica; 2) Teoria Medieval; 3)Teoria Moderna. Em relação á teoria moderna, ressalta que um dos principais expoentes é Rousseau com sua obra O Contrato Social. "[...] en el contrato social confluyen hasta fundirse la doctrina clásica de la soberanía popular, a quiem compete, mediante la formación de una vontad general inalienable, indivisible e infalible, el poder de hacer las leyes [...] basado en el consenso y en la participación de todos" (Ibidem, 1981, p. 499). Os dois grandes debates ao longo do século XIX sobre democracia são: de um lado o liberalismo e de outro o socialismo. No entanto, mesmo com a existência desses diferentes campos teóricos, com concepções diferenciadas de democracia, pode-se destacar que: "[...] por democracia se há entendido siempre um método o um conjunto de reglas procesales para la constitución del gobierno y para la formación de las decisiones políticas (es decir de las decisiones vinculantes para toda la comunidad) más que uma determinada ideologia (Ibidem, 1981, p.503)." Posteriormente, o debate prossegue sobre: "democracia y elitismo"; "tipologias de los regímenes democráticos"; "democracia formal y democracia sustancial", entre outros. carismáticos ou caudilhesco, com serviço público marcado pela burocratização, pelo privilégio e pela corrupção (Ibid, p.10 e p.20).

[29] Tipo ideal, segundo Max Weber, deve cumprir duas funções principais: primeiro a de selecionar explicitamente a dimensão do objeto que virá a ser analisado e, posteriormente, apresentar essa dimensão de uma maneira pura, sem suas sutilezas concretas (Weber, 2006).

[30] Por meio de agendamento com o coordenador do núcleo, tendo já o consentimento dos integrantes do assentamento, realizou-se a ida a campo para a coleta de dados.

[31] Estudo de caso consiste em ser uma pesquisa empírica com as seguintes características: analisa um fenômeno contemporâneo, no seu contexto social; não há uma exata definição das fronteiras entre o fenômeno estudado e o contexto; diversas fontes de evidência são usadas."Para Estudos de Casos explanatórios, uma valiosa abordagem é a consideração de proposições rivais e a análise de evidência em termos dessas proposições. [...] As diferentes visões teóricas sobre determinado fenômeno constituem a orientação para discussões sobre aceitação ou rejeição de perspectivas alternativas" (YIN, 2006).

[32] Conforme mapa da Superintendência Regional do INCRA de Santa Catarina - SR/10/SC, Divisão Técnica - SR/10/SC/T - Mapa do Estado com plotagem dos assentamentos em 2006. (CELERON/MAPAPAS.DGN.Data: 23/10/00. Atualização:12/03/03).

[33] É realizada através de um conjunto estruturado de perguntas precisas.

[34] O conceito de campo é central na sociologia de P. Bourdieu e pode ser aproximado aos conceitos de rede e configuração em N. Elias [...]. Sua referência a campo social: "[...] um campo pode ser definido como uma rede, ou uma configuração de relações objetivas entre as posições". Bourdieu (1992 apud MARTELETO, 2001, p. 81).

[35] Área (há): 212,8968, Portaria e data: 03-17/02/2003; n.º de famílias: 19. Fonte: INCRA/SC.

[36] Os fatores, causas, da divisão do assentamento em dois núcleos são amplos e complexos, pois envolve diferentes "categorias" do meio rural, tais como posseiros, pequenos agricultores, sitiantes. No caso, os integrantes do MST têm uma trajetória de luta (acampamento, protestos, marchas, etc) que os diferencia dos posseiros que já nasceram na terra, em que os pais trabalhavam. Sendo assim, percebe-se que procurar aprofundar o significado dessa divisão implica levar em conta esses aspectos, entre outros, o que amplia em muito a problemática dessa pesquisa, tornando-se inviável nesse momento.

[37] Massacre de Sem Terras ocorrido no Pará, em 1995, tendo deixado "[...] 19 mortos, 69 feridos e pelo menos 7 desaparecidos. Segundo os laudos, 13 foram executados depois de rendidos" (MORISSAWA, 2001, p. 156).

[38] Pertencimento é aqui entendido como a possibilidade de sentir-se parte de um grupo, de uma comunidade, através da referência de um coletivo com propósitos, identidade e objetivos comuns. Com isso, ao invés de um ser deslocado, "sem lugar", passa a pertencer a um coletivo, a um espaço social, físico que o integra e o acolhe.

[39] Cláusulas, no contrato com o INCRA, que estipulam que o assentado não poderá vender o terreno, assim como somente poderá fazer permuta (troca de terreno com outro assentado ou acampado) com uma justificativa.

[40] Coordenador das 500 famílias é responsável por coordenar uma região com vários assentamentos constituídos por 500 famílias. Neste caso, inclui a região de Lebon Régis e seus municípios próximos. Coordenador das 100 famílias é responsável somente pelos assentamentos de Lebon Régis.

[41] "[...] uma organização, tal como o MST optou por aderir, a partir de 1986, e os riscos maiores, entre tantos outros, são exatamente aqueles de todas as organizações formais não democráticas - e, em especial, aquelas que se julgam portadoras do iluminismo político-ideológico. A referência obrigatória, nesse caso, é certamente a obra clássica de Roberto Michels, cuja ´lei de ferro da oligarquização das organizações` é conhecida, uma tese que indica uma tendência poderosa no desenvolvimento organizacional. Este autor advertia, já em 1911: ´A democracia é inconcebível sem organização [que é] [...] a arma dos fracos em suas lutas contra os mais fortes [...] de meio, a organização passa a ser um fim [...] quem diz organização, diz oligarquia` (cf. Michels, Roberto. Political Parties, passim, citado em Jonathan Fox, 1990) (NAVARRO, 2002, p. 204).

[42] Conforme Granjeiro & Tarso: "Há muitas definições desse fenômeno social complexo, que é a liderança. A explicação mais simples diz que o indivíduo A é um líder (ou tem liderança) quando consegue conduzir as ações ou influenciar com sucesso o comportamento dos indivíduos B, C, D, etc." (2007, p.36).

Partes: 1, 2, 3, 4


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