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A Maternidade: A Construção de Um Novo Papel Na Vida da Mulher (página 2)

Juliana Toledo de Faria
Partes: 1, 2, 3

2.1.1 A Mulher e a Maternidade ao Longo do Tempo - A História dos Cuidados Maternos

Ao longo da história da humanidade podem-se observar constantes transformações sociais, culturais, políticas e econômicas que caracterizam o modo de viver de épocas, determinando o comportamento e a forma de se relacionar das pessoas deste período, mudanças estas que refletem também nas relações familiares. A mulher tem desempenhado diferentes funções ao longo da história, reduzindo as barreiras que operam dividindo o que é para homens e o que é direcionado as mulheres, misturando-se as responsabilidades entre os sexos. Porém, embora se modifiquem suas responsabilidades, a maternidade (o gerar um bebê), devido a fatores biológicos, é algo exclusivo das mulheres. Contudo, o valor atribuído ao relacionamento entre mães e filhos ao longo da história nem sempre foi o mesmo, apresentando posições diferentes e muitas vezes divergentes se comparados.

Durante o século XVII, período denominado de Idade Média, o sentimento de família e de infância praticamente não existia (ARIÉS 1981). Neste período prevalecia uma cultura Patriarcal, no qual defendia a superioridade masculina, sendo que a mulher ocuparia uma posição inferiorizada equiparando a uma criança, sendo-lhe atribuída pouca ou nenhuma importância. Durante este período assim que as crianças podiam prescindir dos cuidados maternos ou das amas, passavam á condição de adultos, misturando-se a eles em suas atividades. Os casamentos eram por contrato baseando-se em interesses econômicos e alianças políticas, não havendo qualquer manifestação de afetividade entre os casais, ou mesmo entre pais e filhos, o amor conjugal assim como o amor entre a família não era necessário, o importante era ter o poder, o que era obtido através das posses. Fatos estes que para Moura e Araújo (2004) contribuíram para o alto índice de mortalidade infantil neste período, onde a falta de apego das mães em relação aos filhos era justificada pelo pouco tempo de contato que estabeleciam, uma vez que devido ás más condições de sobrevivência o tempo de vida das crianças era curto, poucas crianças chegavam á idade adulta.

Este período se caracterizou pela divisão do trabalho entre o que era para os homens e o que era exclusivo para as mulheres, ficando estas restritas ao âmbito das atividades privadas e desvalorizadas. Exercendo o homem desta forma uma dominação econômica sobre a mulher, o que lhe garantia submissão desta aos seus desejos. Durante este período a mulher só era reconhecida e valorizada através da maternidade, sua função "era fornecer o maior número possível de filhos para arar a terra e defender a terra e o estado" (MURARO, 2000, p. 62).

Estudos relacionados à mulher neste período enfatizam sua definição como a procriadora de vidas. Ribeiro (2002) coloca que a mulher como ser biológico carrega em sua essência a responsabilidade de gerar outro ser semelhante a si, dando continuidade à vida humana. Por gerar, a mulher deveria ficar embutida também dos cuidados primários necessários à sua sobrevivência.

Darwin apud Hrdy (2001) segue esta mesma linha de pensamento em seus estudos evolucionistas sobre as espécies, caracterizando as fêmeas como especialmente equipadas para a criação de filhos, devendo ser a maternidade a principal função social da mulher.

No final do século XVII iniciam–se mudanças relacionadas ao sentimento familiar de maternagem associado à infância devido à grande preocupação com a transmissão de bens. Para Hrdy (2001), o maior desafio como mãe neste período passa a ser garantir que pelo menos um dos filhos sobrevivesse até a idade de se reproduzir, para assim preservar a sua ancestralidade, o herdeiro do seu gene. Para obter esta desejada conquista era freqüente a centralização dos cuidados com um filho e abandono dos outros para que o escolhido tivesse um desenvolvimento com êxito, mostrando desde então uma grande preocupação com a qualidade dos cuidados.

Durante o século XVII, a mulher chega a ter o seu potencial intelectual questionado e inferiorizado, o que pode ser observado nas colocações de Spencer apud Hrdy (2001) o qual dizia que "os custos da reprodução cercearam o desenvolvimento mental nas mulheres e impuseram limites estreitos ao quanto qualquer mulher podia variar de uma outra em termos de intelecto" (p. 34). Colocação esta que servia para justificar a exclusão da mulher das atividades culturais, Spencer apud Hrdy (2001) acreditava ser inútil educar o sexo feminino uma vez que esta deveria se dedicar aos cuidados com o lar e a família. Durante este período a maternidade e a mulher eram vistas como algo

místico envolvendo tabus, devido à falta de conhecimentos sobre o organismo feminino principalmente sobre a gestação e o parto.

A mulher no século XVIII restrita ao âmbito das atividades privadas, na ignorância e submissão ao homem, passa a ser objeto de um amor cortês, idealizado e platônico. Assumindo uma posição idealizada e santificada, livre do pecado por sua dessexualização, conforme Muraro (2000). Para Moura e Araújo (2004), a autoridade paterna presente até este período passa a ser substituída pelo amor materno incentivando a mulher a assumir diretamente os cuidados com a prole. Em defesa da criança dois discursos contribuíram para a modificação da atitude perante os filhos:

Um discurso econômico, apoiado em estudos demográficos, que demonstram

A importância do numerário para um país e alertava quanto aos perigos

(e prejuízos) decorrentes de um suposto declínio populacional em toda a Europa.

Uma nova filosofia - o liberalismo que se aliava ao discurso econômico,

Favorecendo ideais de liberdade e felicidade individual ( BADINTER apud

MOURA; ARAUJO, 2004, p.46).

Desenvolveu-se neste período uma nova imagem da mulher com relação à maternidade, o bebê e as crianças transformaram-se nos objetos da atenção materna "A devoção e a presença vigilante da mãe surgem como valores essenciais" (MOURA e ARAÚJO, 2004,p.47). Com a ampliação das responsabilidades maternas obteve-se uma valorização, através do respeito, da mulher-mãe. Porém, Grant (2001) ressalta que este respeito e admiração restringiam-se ao campo da vida doméstica, ou seja, "é a educadora dos filhos, é a rainha, mas uma rainha sem voz no campo da vida pública - a esta é negada a independência intelectual e econômica" (p.3).

A mulher passou a assumir além das funções relacionadas aos cuidados essenciais à sobrevivência, a tarefa de educadora e, muitas vezes, a de professora. À medida que aumentava as responsabilidades maternas com relação aos filhos, aumentava o sentimento de sacrifício materno em relação a estes e à família, criando um modelo social, incentivado pelo discurso médico e filosófico da época, de como deveria fazer uma mãe (MOURA e ARAÚJO, 2004).

Assim se por um lado às novas responsabilidades da mulher conferiam-lhe um novo status na família e na sociedade, afastar-se delas trazia enorme culpa, além de um novo

Sentimento de "anormalidade", visto que contrariava a natureza, o que só podia ser explicado como desvio ou patologia (MOURA e ARAÚJO, 2004, p.47)

Segundo Hrdy (2001), a partir do século XIX os movimentos feministas ganham força com a revolução industrial. Por se ter mais máquinas do que homens para manuseá-las começa-se a inserir a mulher no mercado de trabalho. Embora o trabalho masculino fosse mais valorizado recebendo melhores salários, a mulher amplia o seu espaço. O que marca o início de grandes transformações no papel social da mulher.

Kolbenschlag (1991) coloca que inicialmente a inserção da mulher no mercado de trabalho não representava o abandono da essência feminina "a reprodução" e também não representava a substituição do homem. A mulher com o trabalho, apenas assume mais uma atividade, devendo conciliar o trabalho externo, com os cuidados com o lar e a família. Para a autora, durante este período, o trabalho não representava para a mulher um sonho ou realização pessoal, mas sim uma necessidade de mulheres de classe inferior, ou uma ocupação, para classes mais favorecidas enquanto espera por um casamento e a maternidade, para estas, o papel de mãe e de dona de casa representava a realização da identidade feminina, ser a rainha de um pequeno reino. Durante este período, o trabalho chegou a ser considerado "uma espécie de pecado mortal contra a família" (KOLBENSCHLAG, 1991, p.118). Uma vez que as mães precisavam se afastar por algum momento dos afazeres do lar e da atenção aos filhos.

Chegando ao século XX, na atualidade, a mulher encontra-se devidamente inserida no mercado de trabalho, descobrindo sua realização através deste, passando a encontrar satisfação pessoal além da maternidade. Segundo Grant (2001), "a sociedade contemporânea está inevitavelmente marcada por uma ascensão da mulher no mercado de trabalho e na vida intelectual" (p.2). Vivemos um momento histórico que oferece à mulher possibilidades de escolhas ao dirigir a sua vida. A mulher contemporânea pode escolher entre casar ou não, tem a liberdade de exercer a sua sexualidade fora do matrimônio, diante dos avanços da medicina em relação a métodos contraceptivos, pode escolher se terá ou não filhos e quando os terá, podendo até mesmo interromper uma gestação por meios seguros (mesmo que seja ilegal no Brasil), pode optar por viver a maternidade sozinha, sem que isso signifique uma exclusão social, pode ter um filho sem a presença concreta de um companheiro devido à técnica de fertilização assistida, ou mesmo desafiar condições que lhe impediriam de ter uma gestação tanto do ponto de vista médico quanto social. O que dependendo da cultura a qual pertencia em tempos atrás, não lhe era dada opção. O que representa uma grande conquista, uma vez que, através de um retrocesso histórico encontramos a mulher em posições depreciadas e limitadas.

A Maternidade na contemporaneidade compõe-se de grandes polêmicas e posições contrastantes, embora ofereça condições que amparam a mãe nos cuidados com o bebê o que implica na facilidade, pelo menos aparente, de desenvolver a função materna, as condições de vida na atualidade tendem a colocar em choque a visão tradicional, do que se espera da atividade materna, com as condições atuais da mulher na sociedade e na família.

Hrdy (2001) aponta que ser mãe na contemporaneidade traz questionamentos sobre o que é ser mãe. A sociedade atual gera conflitos por não saber qual posição tomar diante da maternidade e do que representa esta, pois em vez de simplificarem a maternidade, essas novas escolhas expuseram tensões sobre pressupostos tradicionais sobre o que deveriam ser as mães.

Grant (2001) coloca que embora a sociedade tenha acolhido de forma inclusiva a mulher no mercado de trabalho, cria-se para estas dificuldades em conciliar o ser mãe e o ser profissional. Uma vez que a visão psicanalítica enfatiza a mãe como um fator importante na formação psíquica da criança, sendo responsável, de modo simplista, por determinar a saúde ou a doença psíquica de uma criança.

Moura e Araújo (2004) referem-se que estudos realizados na década de 80 (oitenta) sobre a família demonstram que a chamada "cultura psicanalítica" teria contribuído para as mudanças ocorridas na relação mãe e filho e na família como um todo, "contribuindo para que aos papéis materno e paterno fossem acrescidos uma perspectiva cada vez mais individualizante" (p. 50).

Na década de 80, as representações de maternidade paternidade deixam de ser percebidas como auto-evidentes e passam a ser vistas como situações sujeitas à elaboração e discussão pelo casal. Esse processo exige forte investimento emocional do homem e da mulher, que devem buscar uma "nova paternidade" correspondente. Na referida construção, a valorização do compromisso emocional do casal com a criança intensifica-se, iniciando-se já na gravidez. A participação do pai no parto e nos cuidados com o bebê surge como elemento fundamental dessa experiência. Quanto à mulher, valoriza-se a dedicação total à criança, dispensando o auxílio de enfermeiras, babás ou mesmo da família. O casal, portanto, deve assumir todos os cuidados com o bebê, desde o inicio. (SALEM, apud MOURA e ARAÚJO, 2004, p.50).

Com a modernidade científica mãe e filho antecipam o primeiro contato, "um tipo de relação com este que anteciparia sua condição de bebê pela atribuição de uma identidade afetiva" (MOURA e ARAÚJO, 2004, p. 51). Ainda durante a gestação a futura mamãe pode identificar no feto suas características através da ultra-sonografia, o que permite identificar através da visualização uma personalidade individual, influenciando uma visão mais afetiva da maternidade.

Estes autores colocam que com o tempo a mulher percebeu a importância da maternidade, mas descobriu a possibilidade de adquirirem novos papeis sociais. Embora a gravidez fosse valorizada e extremamente investida, não deveria ser a sua única exclusividade. A tão reconhecida ênfase na gestação passou a incomodar as mulheres da década de 90, uma vez que se sentiam reduzidas a procriadoras mesmo através das gentilezas e concessões atribuídas à sua condição de gestante, passando a mostrar esse seu desconforto se afastando do vestiário tradicional de gestante buscando formas, mais jovens com certo padrão de elegância e até mesmo extravagância (ao desfilarem com a barriga de fora) típicas de mulheres não grávidas, caracterizando o que as autoras chamam de "sentimento moderno de maternidade" (p.51). A gestação passa a ser valorizada e percebida como escolha pessoal. Na atualidade encontra-se uma grande gama de profissionais especializados para atender gestantes, sendo disponível à mulher uma variedade de informações através de revistas jornais e televisão.

O progresso cientifico proporcionado pela medicina e pela tecnologia de ponta nas ultimas décadas, aliado às transformações do papel da mulher na sociedade (evidenciadas especialmente a partir do movimento feminista), tem trazido novas e importantes questões para a família que certamente repercutirão em novas possibilidades de configuração subjetiva (MOURA e ARAÚJO, 2004, p. 53).

Na medida em que a mulher se insere no mercado de trabalho, ela passa a exigir do homem também mudanças, passando a cobrar uma participação mais ativa do homem no que se refere a casa e aos cuidados com os filhos. Misturando características femininas, produzindo confusão e sofrimento. A mulher precisa do trabalho, fora do lar, para se sentir realizada. Períodos em que precisa ficar em casa se ausentando do trabalho, como no período de licença-maternidade, se sentem deprimidas e inúteis ao apenas cuidarem dos filhos, segundo Granato e Aiello-Vaisberg (2003).

Kolbenschlag (2001) também reconhece as dificuldades da mulher atual em conciliar estes papeis, porém, coloca que:

Uma carreira satisfatória e o compromisso com um projeto profissional constituem realmente a melhor preparação para a maternidade. Um alto nível de interesse e de envolvimento em algum tipo de trabalho é, muitas vezes, o melhor prognostico de alegria e sucesso no papel materno. (KOLBENSCHLAG. 2001, p.124).

A maternidade está vinculada à essência feminina, misturando-se muitas vezes fertilidade com o ser mulher, o que faz com que muitas mulheres procurem encontrar-se e preencher-se através da maternidade, tornando-se difícil mensurar se o verdadeiro desejo de ser mãe encontra-se em forças biológicas, sociais ou psicológicas. Para entender as forças que motivam a busca pela maternidade, torna-se necessário entender a formação da identidade feminina.

2.1.2 Identidade Feminina E o Desejo da Maternidade

Embora a atualidade seja mais flexível quanto ao papel social do homem e da mulher, misturando-se muitas vezes o que se espera de um e do outro, as diferenças existem e podem ser observadas tanto socialmente quanto em nível de estrutura e funcionamento biológico.

As diferenças entre os sexos podem ser ressaltadas ainda em vida intra-uterina, uma vez que as diferenças surgem à medida que o feto se desenvolve durante a gestação. O processo de diferenciação entre o homem e a mulher, envolve tanto forças biológicas através dos cromossomos sexuais, como forças ambientais.

Para Brazelton (1992), os cuidados parentais são de grande importância na formação destas diferenças. Desde a terna infância homens e mulheres usufruem forma diferente dos cuidados familiares, criando tendências inconscientes que podem agir de modo a influenciar o estilo da interação estabelecida entre pais e filhos. Desta forma, o indivíduo gradualmente vai adquirindo a chamada identidade sexual, ou seja, "a noção subjetiva de pertencer a determinado sexo" (BRAZELTON. 1992, p.5).

O gênero feminino sempre esteve presente, o que vai definir o modo como à feminilidade será vivenciada serão fatores ambientais como os pais, a família, a cultura e as desigualdades na valorização social dos gêneros. Desse modo, o que determina a identidade feminina na mulher não é apenas o fato de possuir uma vagina, mas também os papeis que são esperados da mulher e que são passados para a menina desde a infância (BRIDA, 2000, p.36-37).

As primeiras interações funcionam como um ciclo de transmissões, onde a identidade sexual de cada um é influenciada pela forma que se dão estas interações com os seus progenitores que por sua vez poderá influenciar o modo com que tenderá a desenvolver esta interação com a sua prole. A menina desenvolve a identidade feminina desde a primeira infância através da identificação com a mãe, sendo esta identidade influenciada pelo tipo de relacionamento que estabelece entre elas (STOLLER apud BRAZELTON, 1992)

Os sentimentos dos pais relativos à masculinidade e à feminilidade têm poderosa influência sobre a identidade sexual e a transmitem–se á criança, por meios muito sutis, a cada interação. A identificação com o comportamento de sua mãe para consigo e a participação do pai em sua criação pode reforçar o desejo de uma menininha de tornar-se mãe no futuro. (BAZELTON, 1992, p.9).

Além do fator social, que durante os primeiros anos de vida restringe-se basicamente à relação que se estabelece no lar com os progenitores, o autor refere-se à estrutura dos genitais, para este, a formação da identidade sexual é fortemente influenciada pelas sensações despertadas pelos órgãos genitais por "influenciar o seu conceito psíquico de pertencer a este ou àquele sexo" (p.9). De modo que os meninos tendem a desenvolver atividades mais exibicionistas, manipulativas e exploratórias em relação aos genitais; por sua vez, as meninas tendem a experimentar sensações de curiosidade, privacidade e introjeção das sensações.

Stoller apud Brazelton (1992) compartilha os conceitos mencionados sobre a formação da identidade feminina, tanto relacionada ao fator social quanto à estrutura dos genitais, nomeando as fantasias relacionadas aos genitais femininos de "feminilidade primordial" (p.10). Para este autor, a idade menstrual da menina representa a época de maiores interrogações. Neste período, "seus órgãos reprodutivos, invisíveis e inexplorados, estarão presentes na trama de suas fantasias de gravidez." (STOLLER apud BRAZELTON, 1992, p.10). O amadurecimento corporal para a menina representa a possibilidade real de gerar um bebê, a sua passagem de menina para mulher e a certeza de sua fertilidade.

A identidade feminina está intimamente relacionada à maternidade, Caron (2000) coloca que "a natureza feminina está encravada num complexo biológico, psicológico, e cultural, sendo a maternidade uma experiência particular singular e muito reveladora de detalhes da especificidade feminina da mulher" (p.121).

A feminilidade representa para Anzieu apud Brida (2000) uma modalidade do psiquismo da mulher, não se trata apenas de possuir um genital de mulher, "é um conceito que cobre um conjunto de afetos, de modos emocionais, ligados às representações do espaço do corpo interno, ao desejo da gestação e ao prazer narcísico de ser possuída enquanto objeto de amor" (p. 12).

A feminilidade evoca ao mesmo tempo imagens relativas ao penetrar e ao conter. Ela não se desvincula tão pouco das fantasias de inclusão, de possessão, de sufoca mento e de forças tanto mortífera quanto genitora. Noção, portanto que se aproxima da de bissexualidade pela evocação de onipotência que suscita. O mistério da gestação pode ser fonte de atração daquela onipotência ou de terror daquele "vazio ilimitado" (ANZIEU apud BRIDA, 2000, p.12).

Zimmermann (2001) segue este mesmo pensamento relacionando à essência do comportamento feminino a maternidade postulando que:

O instinto de ser mãe está presente em todas as fases da vida da mulher, contribuindo no seu modo de ser, pensar e agir, fazendo parte da psicologia feminina. "É difícil determinar até que ponto esse modo é inato e até onde é estimulado socialmente" (ZIMMERMANN, A.; ZIMMERMANN e COLABORADORES, 2001, p. 29).

Em uma visão psicanalítica essa essência da feminilidade encontra suas raízes na identificação sexual vivenciada nos estágios iniciais do desenvolvimento no complexo de Édipo. O menino ao identificar-se sexualmente, está no meio de um triângulo amoroso entre os pais e a mãe. Para identificar-se com o pai precisa se afastar da mãe que ama. Para ser homem como o pai precisa renunciar ao modelo da mãe restando-lhe apenas o amor por si mesmo "pois o amor do outro é mortal em sua imaginação" (MURARO, 2000, p.187). Passando assim a amar primeiro a si mesmo. A menina por sua vez percebe-se inferior identificando-se e culpando a mãe por ser como ela passando a erotizar o pai. Quando entra no triângulo amoroso, a mãe não representa ameaça, a menina continua ligada à mãe que é fonte primaria de prazer e ganha a relação afetuosa a três. "O amor do outro é que a salva. Se fosse amar a si primeiro perderia pai e mãe, isto é as fontes de prazer" (MURARO, 2000, p. 189). Desta forma a mulher aprende a pensar primeiro no outro, no amor do outro, preparada para a partilha, solidariedade e o amor como definição da sua própria identificação feminina.

Embora o desejo de ser mãe esteja na essência feminina como coloca Ribeiro (2000), os motivos que levam uma mulher a engravidar consumando esse desejo, envolvem tanto motivos conscientes quanto inconscientes, moldados através da sua historia de vida. Desejos conscientes ou inconscientes podem estar de acordo ou não com as vontades.

O desejo não pertence à ordem do consciente. pode-se afirmar de boa fé – que escapam e dizem respeito à historia particular de cada um. Pode-se também, "fazer de tudo" para não ter um filho, porque isso não é razoável, não é o momento, a situação não é adequada, e simplesmente fazê-lo porque o desejo inconsciente é mais forte que todas as decisões racionais. Às vezes acontece que o desejo inconsciente se articula com a vontade consciente. Por exemplo, quando uma gravidez programada acontece e se desenvolve conforme o previsto. Mas, também ocorrem conflitos entre o desejo inconsciente e a vontade consciente. È o que produz as famosas falhas: um preservativo mal colocado ou uma pílula esquecida. São atos falhos que podem ser entendidos como discursos (do inconsciente) bem-sucedidos. (SZEJER & STEWART apud BRIDA, 2000, p.10-11).

Quando uma gravidez ocorre deve-se considerar que ali estiveram presentes desejos inconscientes, vontades conscientes e o contexto geral de acontecimentos que envolvem a concepção. Szejer & Stewart apud Brida (2000) mencionam que para ocorrer uma gravidez deve ocorrer o encontro de três desejos: "(...) o desejo de um homem, o desejo de uma mulher e do encontro desses dois desejos nascerá um terceiro desejo, o desejo de vida que vai se encarnar no corpo do filho" (p.10).

Quando se fala em desejo esse não necessariamente está vinculado à vontade, uma mulher pode sentir desejo pela maternidade, o que pode ser visualizado pelo olhar afetuoso que uma mulher lança sobre um bebê, ou mesmo na forma carinhosa que agarra um bebê contra o seu corpo, e não sentir vontade de ter o seu próprio bebê, ou seja, de concretizar uma gestação, seja por acreditar que não é o momento, ou simplesmente por não sentir vontade de ter um filho. "Pode-se conscientemente não desejar ter um filho, mas inconscientemente isso estar presente, como também o inverso é verdadeiro" (CARVALHO e COSTA, 2001, p.30).

Carvalho e Costa (2001) fazem outra distinção além dos desejos e vontades, para estes, "o desejo de ter um filho não é equivalente a ter o projeto de serem pais" (p. 30). Uma mulher pode desejar gerar um filho, mas não ter o desejo de ser mãe. O que explica segundo a autora porque algumas pessoas mesmo tendo desejado ter um filho sentem dificuldades de assumir o papel de pais.

Freud foi o primeiro estudioso a questionar o sentimento de infância, através de seus estudos sobre a importância dos cuidados primários na formação da personalidade, para ele a identidade sexual se baseia em possuir ou não um pênis, mencionando a inveja feminina de possuir um pênis, partindo deste principio o desejo de ser mãe este associado ao fato da mulher procurar substituir aquilo que lhe falta, isto é o pênis, usando seu corpo para gerar um bebê.

As mulheres necessitariam da evidencia material da qualidade intacta de seu corpo, que seria proporcionada pela geração da criança. O bebê sadio seria a prova definitiva de que os órgãos internos da mulher são produtivos e sadios e resolveria sua "inevitável" inveja do pênis (FREUD apud BRAZELTON. 1992, p.10).

Em meio aos motivos que levam uma mulher a consumar uma gestação Brazelton (1992) aponta sete fatores relacionados ao desejo de ter um filho:

O primeiro se refere à identificação. O desejo de ser mãe representa para a mulher uma grande gama de fantasias originadas durante as relações primárias desta com sua mãe na qual a "menina tende a engendrar a fantasia de tornar-se a censora, e não a receptora, dessa ação [...] Por imitação, aprenderá como se comportam as figuras maternas" (p.11). Durante as brincadeiras infantis pode-se observar a identificação da criança com os seus progenitores, através das brincadeiras, as crianças, manifestam comportamentos imitativos, tornando-se o adulto que está imitando, representando sua própria experiência de ser cuidada. O imitar a mãe em suas atividades causa admiração e afeto nos espectadores, fazendo com que estes incentivem e reforcem o seu comportamento, "fortalecendo a identificação inconsciente da menina com sua mãe e outras figuras maternais. (...( À medida que sua identidade evolui, suas brincadeiras deixam claro que ela está incorporando aspectos importantes de sua mãe" (p.12).

O segundo fator refere-se à maternidade como um desejo de ser completa e onipotente onde a mulher busca conservar uma imagem idealizada de si mesma, sendo um ser completo e onipotente, duplicar a si mesma em busca de realizar os próprios ideais, conservando uma auto-imagem.

O trabalho narcisista se expressa na vida psíquica por meio das fantasias, uma das quais é a fantasia de ser completo e onipotente. Um dos postulados básicos da teoria psicanalítica do narcisismo é a existência de uma tendência de gratificar estas fantasias de completude e onipotência, e que é sobre essa gratificação que se constrói o sentido do "eu" mais profundo de um ser humano (BRAZELTON, 1992, p.13).

Para este autor esse desejo de se sentir completa é alcançado tanto pela gravidez quanto pela presença da própria criança. Sobre isso o autor diz ainda que:

Em algumas mulheres predomina o desejo de estar grávida: a gravidez lhe dá oportunidade de estarem plenas e completas, de experimentarem a potência e a produtividade do corpo. A gravidez dá conta dos sentimentos de vazio e as preocupações relativas à incompletude do corpo. (BRAZELTON, 1992, p.14).

O desejo de ser completo através da maternidade manifesta-se ainda durante a infância através das brincadeiras de fantasiar ter a barriga grande, ou mesmo dores ou disfunções no funcionamento gastrintestinal, podem estabelecer uma relação inconsciente com essa identificação com a função adulta da gravidez.

O desejo narcisista de completar-se por meio de uma criança é mais diferenciado: a mãe vê a criança desejada em primeiro lugar como uma extensão de seu próprio self, um apêndice de seu corpo; a criança dá nova potência à sua imagem corporal, acrescentando-lhe uma dimensão a mais, que pode ser orgulhosamente exibida (BRAZELTON, 1992, p.14).

O terceiro fator corresponde ao desejo de fundir-se e ser um com outro indivíduo, ou seja, fundir-se ao outro através de uma fantasia da simbiose da fusão com a criança, como busca de retornar à unidade com a própria mãe.

Onde segundo o autor:

A gravidez, proporcionando oportunidade de gratificação de tais fantasias de simbiose também uma época para sonhar e se deleitar com fantasias de união [...] O desenvolvimento e a continuidade das atitudes de apego maternal dependem da capacidade que a mulher tem de retomar suas fantasias de unidade com a própria mãe. O futuro bebê encerra em si a promessa de uma relação íntima, de uma realização de fantasias da infância (BRAZELTON. 1992, p.14).

O quarto fator refere-se ao desejo de espelhar-se na criança. Segundo o autor, "o desejo calentado pela mulher de gerar uma criança contem em si a esperança da auto duplicação" (p.15). Considerando que tende-se a amar sua própria imagem refletida. A criança representa a sua imortalidade envolvendo os ideais e a tradição familiar:

A criança representa uma promessa de continuidade, uma personificação desses valores. A criança é vista como um elo [...] Os vários rituais que envolvem o nascimento e o batismo fortalecem esse sentimento poderoso e necessário de identidade entre as crianças e suas famílias (BRAZELTON, 1992, p.15).

A mãe funciona como um espelhamento proporcionando à criança uma imagem do seu próprio self. "Os bebês vêem nas faces de suas mães os efeitos do seu próprio comportamento e desse modo aprendem algo a respeito de si mesmo" (WINNICOTT apud BRAZELTON. 1992, p.15).

O quinto fator é a realização de ideais e oportunidades perdidas.Um filho representa para os pais a possibilidade de se auto-realizar, projeta-se nos filhos os seus sonhos e aspirações superando suas limitações. "A criança imaginária introjeta o ego-ideal dos pais. Será um símbolo da perfeição; dará continuidade à árdua busca da onipotência. A criança futura não é só extensão do corpo da mãe, mas também daquilo que Kohut (1977) chamou sua grandiosa auto-imagem", BRAZELTON, 1992, p.16). A mãe deve acreditar que o filho poderá realizar todos os seus desejos adormecidos, para poder desta forma se preparar afetivamente para receber e desenvolver o apego em relação ao bebê. Com o nascimento de um filho a mãe tende a desprezar todas as necessidades narcisistas uma vez que essas necessidades foram projetadas sobre o bebê.

A mãe pode desconsiderá-las em si mesma porque a criança irá gratificá-las todas no decorrer do tempo. As mães são capazes de tolerar o enorme egoísmo dos bebês porque, cuidando deles, estão ao mesmo tempo alimentando suas próprias necessidades e desejos egoístas. Quanto mais uma mãe consegue dedicar-se a uma futura criança, tanto mais realizará seus próprios desejos e expectativas de ser um ser humano adulto bem-sucedido. (BRAZELTON, 1992, p.17).

Brazelton (1992) conclui esse pensamento dizendo que: "O bebê dará à mãe a certeza de que seus ideais e esperanças não realizados serão finalmente satisfeitos"" (p.17)".

O sexto fator relaciona-se ao desejo de renovar antigos relacionamentos. O desejo de ter um filho representa um desejo de reviver antigos relacionamentos, "a criança traz consigo a promessa de renovar antigos laços, os amores da infância, e assim será vista como portadora de atributos que já pertenceram a indivíduos importantes no passado dos pais" (BRAZELTON, 1992, p.17).

Na fantasia dos pais a criança é dotada de poderes mágicos: pode reverter as antigas separações, negarem a passagem do tempo e eliminar a dor decorrente da morte e do desaparecimento de pessoas queridas. (...( onde num contexto analítico, a criança seria chamada um objeto transferencial. (...( Pelo fato mesmo de reanimar vínculos antigos e perdidos, o processo de transferência é, em si mesmo, dotado de poder curativo [...] contem em si a promessa de recriação de relacionamentos latentes que, no passado, foram fonte de gratificação (BRAZELTON, 1992, p.18).

O sétimo fator condiz à oportunidade de substituir e separar-se da própria mãe, "No desejo de ter um filho, a mulher experimenta uma forma sui generis de dupla identificação. Identifica-se simultaneamente com a sua mãe e com seu feto e, conseqüentemente, desempenha e elabora os papéis e atributos da mãe e do bebê" (BRAZELTON, 1992, p.19).

A maneira com que vivencia esta experiência baseia-se na relação vivida quando bebê com sua própria mãe, desta forma tende a realizar a fantasia vivida na infância de ser como a própria mãe, "com os cobiçados atributos mágicos da criatividade. Equipara-se então à mãe Todo-poderosa, revertendo sua posição submissa e seu sentimento de inferioridade no embate edipiano."BRAZELTON, 1992, p.19).

O desejo de ter um filho pode englobar também um desejo de restaurar a imagem interna da mãe, que sente ter maculado pelos seus sentimentos de inveja [...] O ressurgimento da relação com a própria mãe é, para a mulher, um processo que se desenvolve de maneira intensa durante a gravidez (BRAZELTON, 1992, p.19).

A reflexão sobre a formação da identidade feminina fatores biológicos, psíquicos e sociais, fornece subsídios para compreender os motivos que levam as mulheres à gestação, partindo do principio que uma vez consumada envolve numerosas mudanças na vida da mulher, torna-se indispensável conhecer esses nove meses na vida da mulher.

. 2.1.3. A Maternidade Conflitos e Desafios: Gestação e Parto

A gravidez representa para a mulher sentimentos de realização por ter se tornado verdadeiramente uma mulher, uma vez que a sociedade tende a valorizar, estimular e cobrar muito a fertilidade e a maternidade. Desta forma, a fertilidade se associa intimamente à auto-estima de uma mulher, quando esta tem a certeza de uma gravidez, ela obtém a prova para si e para a sociedade da sua feminilidade (ZIMMERMANN e Colaboradores in EIZERIK, 2001).

Caron (2000) coloca que a possibilidade de gerar um outro ser semelhante a si proporciona para a mulher sentimentos de força, poder, posse e o controle sobre a vida e a morte de um ser cuja existência depende estreitamente dela.

A mulher grávida tende a se sentir poderosa, capaz e realizada, "sentindo-se com o rei na barriga", uma vez que tende a receber mais atenção e respeito da família e da sociedade. "A gravidez representa para a maioria das mulheres, uma questão fundamental, que dá significado e equilíbrio a suas vidas" (ZIMMERMANN e Colaboradores In EIZERIK, 2001, p. 30).

A gravidez é um momento mágico na vida da mulher envolvendo-a em toda a sua totalidade, alterando a sua imagem corporal, psicológica e social. Através de uma série de transformações que exigem adaptações. "A gravidez é um evento único, no qual alterações metabólicas e hormonais causam mudanças estruturais que influenciam o comportamento" (ZIMMERMANN e Colaboradores in EIZERIK, 2001 p. 29).

Agindo secretamente durante os nove meses no seu corpo, interferem na visão da mulher sobre si mesma e sobre os outros. "A gravidez é um processo de transformação que permite à mulher dar a luz a si mesma" (FRANCINE apud BRIDA, 2000, p.40).

Brazelton (1992) e Carvalho e Costa (2001) caracterizam os noves meses de gestação como uma preparação psicológica para os pais na aceitação e reorganização das suas vidas com a presença do bebê. Ao mesmo tempo em que permite uma elaboração inconsciente do luto de filha para assumir o papel de mãe, decentralizando-se de si mesma e preparando-se para se dedicar ao filho. "A constelação de transformações pelas quais a mulher passa na gravidez cria a possibilidade de mudanças psíquicas significativas no sentido de ela ter melhores condições de acolher seu bebê" (CARVALHO, 2001, p.31).

O período de gestação é importante enquanto fase que possibilita um preparo para as funções materna e paterna. Com as transformações orgânicas e psíquicas pelas quais vai passando, a mulher pode ir criando um campo interno de compreensão das necessidades do bebê (CARVALHO e COSTA, 2001, p.30).

Pines apud Brazelton (1992) coloca que a gravidez representa para a mulher a possibilidade de elaboração de velhos conflitos de separação, promovendo uma nova fase em seu processo de se desprender (individuação) das relações simbióticas originais. (PINES 1981 apud BRAZELTON, 1992. P.27).

Ao menos que se esteja tentando engravidar a mulher só vai desconfiar de uma gravidez diante dos primeiros sintomas, como o de um atraso menstrual. Desejando ou não uma gravidez naquele momento, predomina a expectativa levantando dúvidas e questionamentos.

Szejer & Stewart apud Brida (2000) caracteriza esse primeiro momento, situado entre a fecundação e a confirmação de uma gravidez, vivenciados pela mulher diante da maternidade, como um momento de grandes incertezas, "primeiro sobre estar ou não estar grávida; depois sobre quais serão as conseqüências (boas ou más) de estar grávida nesse momento" (p.38).

A certeza de uma gravidez desfaz algumas fantasias, criadas no primeiro momento, pois "no imaginário é possível ao mesmo tempo estar e não estar grávida, o que é diferente de estar de fato grávida" (SZEJER & STEWART apud BRIDA, 2000, p.39).

Brazelton (1992) complementa este pensamento colocando que embora a gravidez na maioria das vezes represente a realização de um desejo, um sonho formado ainda durante a infância, a possibilidade de uma gravidez gera a mobilização de sentimentos velhos e novos, podendo resultar muitas vezes em sentimentos de ambivalência. Expresso através de questionamentos como querer e não querer ter o filho, se sentir feliz por ser fértil e ao mesmo tempo preocupar-se com as mudanças em sua vida, sentindo-se num segundo momento culpada por estar dividida. Independente de ter sido uma gravidez programada ou não a certeza de uma gravidez traz à consciência a certeza de uma nova fase em sua vida e a consciência da responsabilidade de se ter filho.

Diante da certeza de uma gravidez, os "seus sentimentos de dependência em relação aos próprios pais devem dar lugar à responsabilidade. O desejo dual entre marido e mulher precisa transformar-se num relacionamento triangular" (BRAZELTON, 1992, p.23). Na necessidade de readaptação ao novo papel "As fantasias de prazeres idílicos desencadeados pela maternidade e paternidade são contrabalançadas pela realidade das dificuldades surgidas pela chegada de um bebê, centradas nas restrições da independência dos futuros pais" (ZIMMERMANN, e Colaboradores in EIZERIK, 2001, p.31).

O início de uma gestação é um momento de grande ansiedade envolvendo mudanças que abraçam a mulher como um todo, modificando a sua relação com o seu corpo, com a sua forma de pensar e com o ambiente. O modo como cada mulher responde a essas mudanças remete intimamente a sua história pessoal de vida e ao contexto particular em que a gravidez ocorre. Podendo despertar temores que por sua vez mobilizam defesas importantes "como negações, somatizações e reações maníacas" (ZIMMERMANN e Colaboradores in EIZERIK p.30).

Soifer apud Brida (2000) refere-se a vivências persecutórias a que a maternidade remete, as quais "são produto de sentimento de culpa infantil tanto pelos ataques fantasiados à própria mãe como pelos desejos de ocupar seu lugar" (P.39).

Zimmermann e Colaboradores in Eizerik (2001) colocam que os sentimentos de ansiedade gerados pela gravidez levam a criação de fantasias exigindo elaborações psíquicas:

  • Representações da gestante como mulher e mãe

  • Fantasias a respeito do filho e da sua identidade futura. Antecipações de dificuldades profissionais e no relacionamento com o marido

3. Medo da própria morte e\ ou do bebê no parto, bem como malformações

(ZIMERMANN e Colaboradores in EIZERIK, 2001, p.10).

Logo nos primeiros meses de gestação podem-se notar alterações no corpo da gestante. As primeiras manifestações físicas de uma gravidez nem sempre são muito agradáveis, os sintomas físicos causam grande desconforto, devido às mudanças hormonais sente-se constantemente fraca e sonolenta, se ganha peso, surge uma barriga, observa-se um aumento acentuado dos sentidos, sobretudo percepção do olfato, paladar e audição, pode aparecer edema dos membros inferiores e varizes. Mudanças que podem despertam na gestante medo de ser rejeitada, medo de não ser desejada, de não ser amada, resultando numa baixa auto-estima por sentir-se pouco atraente o que a leva até mesmo a se afastar do parceiro evitando o contato sexual.

Brida (2000) coloca que o modo como cada mulher vai lidar com essas mudanças em seu corpo dependem da história da relação desta mulher com o seu próprio corpo e também da sua relação com o corpo de sua mãe.

Esta autora relaciona esses sintomas vivenciados pela mulher durante o início da gestação, ao fato da gravidez remeter a mulher ao seu próprio nascimento, como enjôos e sonolência, estados vivenciados pelo recém nascido durante o período em que aprende a se adaptar a alimentação e ao sono.

Para Sete apud Brida (2000) "as semelhanças entre os sintomas do inicio da gravidez e as primeiras funções do recém-nascido podem ser interpretadas como revivência desses estados primitivos: é como se revivesse a própria vida intra-uterina, a relação primitiva entre a gestante e a própria mãe" (p. 41).

Emocionalmente a mulher vive o período inicial da gravidez sentindo o bebê como parte de si mesma, indiscriminadamente, o que justificaria, segundo. Caron (2000), esta regressão e identificação da futura mãe com o estado fetal. A mãe se identifica com o feto e este "representa o próprio inconsciente da mulher grávida, sua própria mãe e especialmente seu superego e assim sua relação ambivalente com a mãe é revivida com seu filho futuro", (LANGER apud BRIDA, 2000, p.41).

Estar em estado grávido representa um grande desafio para a mulher, além das mudanças corporais a mulher precisa aceitar um corpo estranho dentro de si. Algumas mulheres sentem-se invadidas pelo embrião podendo demonstrar sua revolta através da rejeição a quem a fecundou, ou mesmo expressar seus sentimentos ambivalentes através de tentativas espontâneas de aborto Brazelton (1992) e Caron (2000).

Aceitar a presença de um outro dentro de si, com vida, ritmo, movimentos, sexo e características próprias e independentes não é tarefa fácil. Significa aceitar uma autonomia que simultaneamente é de total dependência e novamente abrir mão da ilusão, da fusão, da onipotência e do retorno ao paraíso perdido. A gravidez é um terremoto hormonal, físico e psicológico na mulher que encerra os maiores desafios, segredos e incertezas do ser humano (CARON, 2000, p.121).

Brazelton (1992) complementa este pensamento colocando que:

Toda mulher grávida vive esta ambivalência, que surpreende e desaponta. Os sentimentos de desamparo, de incapacidade, podem até expressar-se no desejo de um aborto espontâneo. Embora a frustração e os sentimentos de culpa que acompanham toda ameaça de aborto pareçam negar esta ambivalência, ele esta sempre presente (BRAZELTON 1992. p. 26).

Os primeiros movimentos fetais que ocorrem em torno da décima sexta a vigésima semana de gestação marcam uma nova fase da gestação. Os tão esperados movimentos fetais ao serem sentidos causam prazer e temor. O bebê passa a ser uma realidade concreta dentro de si. O bebê deixa de ser uma imagem, uma crença, muitas vezes idealizada passando a ser real e vivo, representando a dissociação entre mãe e filho. Embora o feto esteja no corpo da gestante é independente em relação a ela em suas vontades e em seus movimentos. Zimmermann e Colaboradores in Eizerik (2001).

Na atualidade com a alta tecnologia médica (ultra-sonografia) antecipa-se o contado entre mãe e filho, a mãe pode saber o peso, seu tamanho, sexo e identificar características suas no bebê, a mãe começa a imaginar o bebê após o seu nascimento, passando a desejar o parto. "Uma experiência que procura recriar a maternidade antes mesmo dela se concretizar" (SETE apud BRIDA, 2000, p. 46).

O feto não é mais apenas parte do corpo da mãe, mas um com movimentos próprios, cada vez mais independentes. A gestante, até então deslumbrada com a sua condição de mulher completa e cumpridora de seu papel na sociedade, vê-se agora exposta ao ônus de ser mãe (ZIMMERMANN e Colaboradores in EIZERIK, 2001, p.32)

Brazelton (1992) coloca que até então a mãe realizava o seu desejo narcisista de fusão com o bebê, sendo um só corpo, devendo agora se separar. Os primeiros movimentos representam as primeiras comunicações entre mãe e filho, o bebê como ser separado permite um relacionamento, iniciando assim o apego primordial.

Quando a mãe começa a perceber a vida do feto, coloca-se inconscientemente no lugar do feto e identifica-se com ele. [...]. Este "retorno ao útero" fantasiado permite uma nova elaboração de necessidades insatisfeitas de dependência e desejos simbióticos. É como se – pela mediação da criança por nascer – a mãe pudesse comunicar-se novamente com os aspectos recompensadores da primeira relação que teve com sua mãe, reabastecendo-se e rivalizando-se (BRAZELTON, 1992. P.26-27).

Szejer & Stewart apud Brida (2000) enfatizam um outro aspecto relacionado aos primeiros momentos da gestação, onde a sociedade atual tende a banalizar os sintomas iniciais da gravidez, idealizando uma gestação perfeita sem dores e sofrimento, desconsiderando os sintomas iniciais de uma mulher gestante como sonolência e enjôos, tendendo-se a valorizar apenas o bem estar do bebê nomeando como "frescura" o mal estar de início de gestação, tão importantes para a mulher.

O primeiro trimestre da gestação é um período repleto de mudanças físicas, hormonais e psíquicas que resultam num estado de extremo cansaço. Ignorando muitas vezes seu estado, a sociedade exige o mesmo ritmo de um estado não grávido. O que gera sofrimento para a gestante, uma vez que tende diante das exigências sociais a desempenhar papéis que se chocam com suas limitações acarretadas pela gestação, gera sentimentos de medo por poder estar prejudicando o feto, resultando por sua vez em sentimentos de culpa. A gravidez não é um estado de doença e incapacidade, mas exige que a mulher siga um ritmo diferente.

Na medida em que se aproxima à data do parto acentuam-se as dificuldades físicas, como descompensações somáticas e emocionais A mulher vivência um período de alegria associada ao nascimento do filho – a satisfação do instinto materno – e o alivio do desconforto da gravidez, mas sente medo de ser mutilada e morrer durante o parto, ao mesmo tempo em que toma consciência da responsabilidade implicada em ser mãe. Criam-se imagens relacionadas à aparência e do temperamento da criança e temores à possibilidade de defeitos físicos. Zimmermann e Colaboradores in Eizerik (2001)

Szejer & Stewart apud Brida (2000) colocam que as descompensações somáticas devem ser avaliadas de acordo com o contexto que envolve a mulher, avaliando o que está sendo despertado com a gravidez. Porém "há descompensações somáticas que podem ser entendidas como descompensações do bebê (...) sendo entendido como uma patologia das trocas mãe-bebê" (p.47).

Nas vésperas do parto a gestante vive um período de grande estresse passando a temer o afastamento do bebê com o nascimento, revivendo ansiedades de separação, aumentam os temores relacionados ao medo de ser ferida pelos movimentos do bebê, passa a fantasiar com relação à perda dos genitais. Quando vai para o hospital, o parto se torna algo concreto e irreversível, o toque vaginal, a tricotomia, os edemas aumentam a ansiedade por serem vivenciados como a penitência merecida pela prática da sexualidade e pela pretensão de ser mãe despertando fantasias da castração Zimmermann, e Colaboradores in Eizerik (2001).

Para Sete apud Brida (2000) esses temores não correspondem apenas ao medo racional da dor, são definidos como "(...) um sentimento de origem inconsciente, que se manifesta na gestante por ela supostamente ter roubado o filho de sua própria mãe" (p. 48) tentando tomar o lugar dela, e um temor de sua vingança.

Deutsch apud Brida (2000) coloca que como há a identificação da mãe com o feto "a angústia diante do parto remete a mulher ao seu próprio nascimento e é expressão da revivência da angústia de separação da própria mãe" (p.48)

Brida (2000) aponta ainda como representação da angústia do parto o fato da dor estar associada com o dar à luz, sendo necessário superá-la.

(...) a angústia experimentada geralmente durante o parto que desencadeia o círculo vicioso de temor, tensão e dor provém de uma identificação com a mãe por sentimentos de culpa. É como se esta dissesse a sua filha em parto: "Tu quiseste usurpar meu lugar, roubar-me meus filhos. Agora o conseguiste, mas sofrerá como eu sofri ao dar-te à luz ou morrerás como desejaste que eu morresse ao parir teus irmãos". O médico que a assiste, negando a necessidade da dor, representa o pai, aliado a ela para protegê-la e a uma mãe boa que contrasta as ameaças e a maldição da mãe má interior (SZEJER & STEWART apud BRIDA, 2000, p. 49).

Porém o sofrimento maior de uma gestante refere-se à separação do filho, onde a mãe se identifica com o bebê em seu desamparo à mercê de dores incontroláveis e terríveis imagens interiores. A mãe precisa recuperar a confiança em si própria, desfazendo a identificação com a criança e converter-se numa mãe ativa, que não tema a separação e que está pronta para cuidar deste bebê. "O domínio do processo de parto lhe dá assim o meio de superar mais facilmente o trauma da separação de seu filho e de levar a termo com todas as suas forças, mas sem temor e castigo, isto é, sem dor, o mogno processo do parto". (LANGER apud BRIDA, 2000, p.49).

Com a chegada do parto mãe e filho iniciam uma nova fase de contatos, o puerpério (nascimento) representa a possibilidade real de trocarem afetos. Embora seja um momento tão desejado, é um período muito sensível a mudanças.

Desenvolvimento da relaçao mãe e bebê

2.2.1 Puerpério - A Formação dos Primeiros Vínculos

Logo após o nascimento a mãe começa a se adaptar ao seu estado não-grávido, depois de nove meses dividindo o mesmo corpo com o bebê, em minutos passa a segurá-lo junto ao peito. A barriga que tanto incomodava não está mais ali. O nível de progesterona e estrogênio que envolvia a placenta caem, a mãe começa a produzir esteróides que a colocam em estado de alerta emocional para detectar cheiros e sons infantis. O contato com o bebê estimula a produção de prolactina, intensificando as reações maternas aos sinais infantis, levando à formação de novos percursos neurais que levam à reorganização do cérebro da mãe, HRDY (2001).

O momento do nascimento é um momento extremamente importante porque, de um lado, a fisiologia da mãe sofre uma total transformação e por outro lado, porque ela precisa conhecer um novo ser que ela conhecia de maneira completamente diferente até então (ROSENBLATT apud BUSNEL 2002, p.

Por envolver modificações bruscas, pode ser um momento difícil e doloroso, o que torna o puerpério um momento muito delicado e importante. Alguns autores Zimmermann e Colaboradores in Eizerik (2001) e Winnicott (1999) chegam a comparar este momento a um estado patológico, onde a mãe tende a se identificar profundamente com o bebê afastando-se das relações com o mundo externo ao bebê, podendo chegar a ponto de ignorar suas próprias necessidades, ou buscar resolução das suas ansiedades por meio de fantasias maníacas, caracterizadas pela diminuição do sono, da fome ou mesmo pela agitação das visitas no quarto da nova mãe, o qual Winnicott (1999) nomeia de Preocupação materna primária.

Com o nascimento de um filho, a mulher agora também mãe, vive sentimentos intensos, podendo sentir-se realizada por ter conseguido dar á luz, competente e completa por ter tido um filho em perfeita saúde e formação (se for), e ao mesmo tempo passa a reviver fantasias, assim como durante a gestação, a respeito da saúde e o futuro de seu filho, vivenciar medos, questionando-se sobre sua capacidade de cuidar do bebê, do marido, da casa e dos demais afazeres ao mesmo tempo, sentindo medo de não conseguir conciliar seus papéis, o que provoca ansiedade e depressão.

O bebê por outro lado adquire vida própria, sendo expulso do aconchego do útero materno, assume suas funções vitais, tendo que se adaptar rapidamente ao mundo externo. Ao nascer o bebê já enfrenta o seu primeiro e maior desafio "A sobrevivência", conforme coloca D"Andréa (1997), deixou a segurança e proteção do útero materno e enfrenta agora os estímulos do mundo externo, tendo que reagir a uma série de alterações internas, como funcionamento de alguns órgãos, a obtenção ativa de alimentos pela sucção, adaptações a temperatura externa, a luz e ao som. Em seguida encontramos um segundo desafio "Formar e elaborar instrumentos de adaptação que servem à sobrevivência" (SPITZ, 2000, p.4).

Ao nascer e durante os primeiros meses de vida o bebê apresenta-se totalmente dependente do outro, sem o qual não conseguiria sobreviver, precisando de alguém que consiga identificar e satisfazer suas necessidades, e assim, já nasce com um repertório de comportamentos que eliciam na mãe esses cuidados, O jeito delicado e frágil do bebê desperta na mãe (ou substituto desta) o desejo cuidar, de alimentar e ficar próxima dele.iniciando um ciclo complexo de comunicação no qual a mãe pode regredir e repetir em seu comportamento materno suas experiências infantis (ZIMMERMANN e Colaboradores in EIZERIK, 2001).

As mães se tornam capazes de colocar-se no lugar do bebê, por assim dizer. Isto significa que elas desenvolvem uma capacidade surpreendente de identificação com o bebê, o que lhes possibilita ir ao encontro das necessidades básicas do recém-nascido, de uma forma que nenhuma máquina pode imitar, e que não pode ser ensinada (WINNICOTT, 1999, p.30)

Na medida em que a mãe identificando-se com o bebê busca satisfazer todas as suas necessidades, procura formar uma relação complementar nomeada por Spitz (2000) como díade, sobre a qual o autor descreve como um diálogo específico e recíproco.

É provável que, nestas circunstâncias, as mães se tornem capazes, de uma forma especializada, de se colocar na situação do bebê – quero dizer, de quase se perderem em uma identificação com ele, de tal forma que saibam (genericamente ou especificamente) aquilo de que o bebê precisa naquele exato momento. É claro que, ao mesmo tempo, continuam sendo elas mesmas, e têm consciência de uma necessidade de proteção enquanto se encontram neste estado que as torna vulneráveis. Elas assumem a vulnerabilidade do bebê (WINNICOTT, 1999, p.83).

Mãe e filho se adaptam e aprendem a se comunicar através do contato, o modo como é segurado nos braços, os sons promovidos, o modo de respirar, a textura e o calor da pele e o cheiro. A mãe "irradia um calor que leva o bebê a sentir que é agradável estar no seu colo" (WINNICOTT, 1999, p.15).

A mãe não necessariamente a mãe biológica, mas sim, a provedora de cuidado e afeto para o bebê – aprende com ele a sua forma singular de exercer a maternidade pondo em prática crenças e valores construídos antes mesmo da sua gestação. As primeiras emoções e cores são vivenciadas nesta relação e se, com o passar do tempo, esse vínculo perde a sua exclusividade com a inserção de novos parceiros e ambientes e a complexificação das relações durante os primeiros anos de vida, ele ainda conserva uma representação muito significativa para a díade mãe-bebê.(SANTOS & MOURA, 2002, p. 88).

Winnicott (1999) coloca que durante os primeiros meses o bebê encontra-se num estado de grande dependência. Apresentando necessidades físicas em primeiro lugar, como relacionadas ao corpo, comer, bebê e estar limpo, aquecido e aliviado de dores como cólicas. E em segundo lugar as necessidades de afeto, que só o contato humano pode satisfazer. "Talvez o bebê precise deixar-se envolver pelo ritmo respiratório da mãe, ou mesmo ouvir e sentir os batimentos cardíacos de um adulto, talvez lhe seja necessário sentir o cheiro da mãe ou do pai, ou talvez ele precise ouvir sons que lhe transmitam a vivacidade e a vida que há" (WINNICOTT, p.1999, p.75).

Os bebês são sujeitos às mais terríveis ansiedades que se possa imaginar[...] graças a uma assistência satisfatória, estes sentimentos terríveis se transformam em experiências positivas, vindo somar-se à confiança que o bebê adquire com relação ao mundo e as pessoas (WINNICOTT, p.1999, p.76

O desenvolvimento humano se dá através de etapas num processo progressivo, resultando, conforme coloca Spitz (2000) de intercâmbios entre o ambiente interno e externo do indivíduo. Num relacionamento que resulta em mudanças recíprocas instaurando nessa relação o aprendizado de novos modos de interação (SANTOS & MOURA, 2002).

Com base nos primórdios desta experiência de ver satisfeitas a sua dependência, o bebê torna-se capaz de reagir às exigências que a mãe e o meio ambiente devem, mais cedo ou mais tarde, começar a fazer-lhe Winnicott (1999).

O modo como cada mulher irá se relacionar com o filho depende de uma serie de fatores envolvendo, o contexto da gestação, as relações sociais, a rotina de vida desta mulher, assim como a identificação com a própria mãe, a aceitação do seu papel feminino e de mãe e suas experiências pessoais. Zimmermann e Colaboradores in Eizerik (2001)

As mães podem ter dificuldades ao se relacionar com o bebê devido aos seus "próprios conflitos internos, dificuldades que talvez estejam ligadas às experiências pelas quais passaram quando criança" (WINNICOTT,1999, p. 23).

A forma como a mulher vai desempenhar a maternidade, está além de conhecimentos formais, relaciona-se a uma atitude sensível aprendida ainda durante a gestação, e que tende a ser perdida na medida em que a criança cresce e se afasta. A mãe tende a desempenhar satisfatoriamente o seu papel como mãe ao sentir-se segura e amada pelo pai da criança e pela própria família e também dos processos intelectuais da criança, a forma com que aprende o mundo e reage aos estímulos de contato adquirindo gradualmente uma vida própria. Winnicott ( 2001)

As interações iniciais do bebê com a mãe e os seus outros parceiros privilegiados, durante os primeiros anos de vida, configuram-se como essenciais à compreensão dos processos cognitivos e mentais do homem, considerando-os extremamente vinculados aos processos emocionais e afetivos ( HENRI WALLON apud SANTOS & MOURA, 2002, p. 93).

Exercer a maternidade pode assumir diferentes posições quanto a este relacionamento, podendo diferenciar tanto a qualidade quanto a quantidade da relação estabelecida entre mãe e filho. Porém observa-se que a mãe ou a figura que a substitui assume importância fundamental sobre a sobrevivência e o bem estar da criança (SANTOS & MOURA, 2002).

2.2.2 As Bases do Amor Materno

Hilferding (1991) coloca que mesmo que se queira e se deseje muito ter um filho nem sempre ao olhar para um bebê que acaba de nascer à mulher consegue sentir amor, o que se agrava em condições como uma gravidez não programada ou o fato do pai ser ausente, o que pode resultar numa rejeição primária como recusa em amamentar ou atos hostis ou mesmo o infanticídio. Sentimentos estes mais comuns na opinião da autora em relação ao primeiro filho.

Em geral, o primeiro e o último filho ocupam posição especial: o primeiro, por suscitar na mãe afetos hostis os violentos ( ele é geralmente criado mais severamente em função disso); o mais novo, por suscitar afetos positivos os mais intensos, é com freqüência mimado e estragado. São esses casos de amor materno e ansiedade excessivos, se aplicarmos ao amor materno o conceito de recalcamento e a idéia de que impulsos hostis soa compensados por uma reversão no contrário (HILFERDING, 1991, p.90).

Para esta autora "é por meio da interação física entre mãe e o bebê que é suscitado o amor materno" (p.90). Defendendo desta forma o principio da não existência do amor materno inato. "A criança representa um objeto sexual natural para a mãe durante o período que se segue ao parto. É preciso que existam entre a mãe e o bebê certas relações sexuais que devem ser susceptíveis de se desenvolver" (p.91). O que para estas autoras é percebido pelo afastamento da mulher ao homem enquanto amamenta.

Esta autora supõe que com os primeiros movimentos do feto ainda durante a gestação, surgem os primeiros sinais do amor materno resultante da sensação de prazer que estes movimentos causam "o que poderia ser considerado como índice dessas relações sexuais" (p.91). A subida do leite nos seios vem acompanhada também de certa sensação de prazer. Ao todo, pode-se dizer que as sensações sexuais do bebê devem encontrar um correlato nas sensações correspondentes da mãe. O complexo de Édipo para a autora "tem sua origem na excitação sexual provocada pela mãe; esta excitação pressupõe uma sensação igualmente erótica por parte da mãe. Em seguida, num certo período, a criança representa um objeto sexual natural para a mãe; esse período coincide com a necessidade de cuidados com a criança" (p.91).

A autora postulando que o amor em relação ao primeiro filho não deve ser considerado inato, uma vez nasce através do contato fisco, (cuidados e amamentação). Porém com os próximos filhos reproduz o amor aprendido ao primeiro desta forma torna-se inato.

Winterstein apud Hilferding (1991) "menciona a hipótese de Moritz Benedikt, segundo a qual existe uma relação estreita entre o amor materno e o sentimento experimentado durante o coito que leva à concepção" (p.92).

B. Guner apud Hilferding (1991) propõe que

O amor da mãe pelo seu filho é a reprodução da sua própria relação de filha com os seus pais. Este amor é somente prolongamento do amor que tem pelo marido, de quem ela ama a imagem no seu filho. Enfim, a mãe ama no filho seus próprios órgãos genitais (p. 92).

Desta forma o comportamento de afeto da mãe estaria relacionado ao fato da criança fazer renascer a sua sexualidade infantil. O desejo sexual é despertado ao mesmo tempo em que o recalque sexual que foi muitas vezes imposto e mantido se produz novamente, o que caracterizaria comportamentos negligentes em relação às necessidades de um filho por parte de uma mãe.

Objetivos

Objetivo Geral

Investigar o significado da maternidade para a mulher na atualidade, enfocando os sentimentos e mudanças relacionadas a este momento.

Objetivos Específicos

- Explorar como a mulher do século XXI vivência a maternidade.

- Explorar os sentimentos despertados na mulher com a maternidade.

- Investigar as mudanças ocorridas na vida mulher com a maternidade

Método

3.1 Participantes

Para participar desta pesquisa foram selecionadas dez mulheres que se tornaram mães há no máximo três anos e que exerce uma atividade profissional na área da Saúde.

3.2 Instrumento

A coleta de dados foi realizada através de uma entrevista semi–estruturada, apoiada em um roteiro contendo questões referentes ser mulher na atualidade, à gravidez e à vivência materna (Apêndice A).

3.3 Método

A metodologia utilizada neste trabalho consiste em uma pesquisa qualitativa de campo exploratória.

A pesquisa de campo exploratória foi escolhida por permitir um contato direto do pesquisador com o grupo estudado, por tornar a pesquisa mais precisa e permitir o aprimoramento de idéias Gil (2002).

A Análise dos dados baseia-se no método qualitativo que "se fundamenta em uma estratégia baseada em dados coletados em interações sociais ou interpessoais, analisadas a partir dos significados que sujeitos e/ou pesquisador atribuem ao fato" (CHIZZOTTI apud CAMPOS p.57). A opção pela pesquisa qualitativa ocorreu em virtude do interesse da pesquisa estar voltado a questões subjetivas e sentimentos relacionados à maternidade. Segundo Minayo (1999), a pesquisa qualitativa é capaz de incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerentes ao ato, o que proporciona uma compreensão da realidade para além dos fenômenos percebidos pelos nossos sentidos, trabalha com dados, que trazem para o interior da análise o subjetivo e o objetivo, os fatores e seus significados.

Esta pesquisa teve como objetivo investigar o significado da maternidade para a mulher contemporânea, enfocando os sentimentos despertados com o novo papel. A entrevista semi-estruturada foi o instrumento utilizado com este objetivo. Com relação à composição da amostra, o plano era coletar dados relativos a um número de mulheres que passaram pela primeira experiência da maternidade por um período aproximado de três anos, independente de sua escolaridade, estado civil e idade.

As entrevistas foram analisadas e categorizadas a partir do agrupamento de significados. As categorias constituídas referem-se às concepções das mulheres sobre a maternidade, motivos que as levaram a engravidar, sentimentos despertados e mudanças ocorridas em sua vida como mulher.

Antes de analisar e discutir as concepções sobre a maternidade faz necessário caracterizar esse grupo no que se refere à idade, estado civil, escolaridade, profissão, idade e sexo do filho. Dados apresentados na figura 1.

Figura 1. Caracterização das mulheres em relação à idade, estado civil, grau de escolaridade e profissão, e com relação aos filhos, idade e gênero.

N

Idade

Estado Civil

Escolaridade

Ocupação Atual

Idade do Filho

Gênero do Filho

1

33

Casada

Superior Incompleto

Enfermeira

1ano e 10 meses

Masculino

2

27

Casada

Superior Incompleto

Auxiliar Enfermagem

3 anos

Masculino

3

28

Casada

Superior

Bióloga

1 ano e 2 meses

Feminino

4

24

Solteira

Superior Incompleto

Auxiliar enfermagem

2 anos

Feminino

5

29

Divorciada

Superior Incompleto

Protética

9 meses

Feminino

6

26

Divorciada

Superior Incompleto

Auxiliar Enfermagem

2 anos

Feminino

7

27

Casada

Superior

Enfermeira

1 ano e 9 meses

Masculino

8

32

Casada

Médio

Enfermeira

2 anos e 6 meses

Feminino

9

27

Casada

Superior

Enfermeira

1 ano e 8 meses

Feminino

 

Trata-se de uma população com idade média de 28 anos, sendo em sua maioria estado civil casada, com escolaridade 3 grau completo ou cursando, com relação à profissão suas atividades estão em sua maioria relacionadas a enfermagem, encontrando também as profissões de protética e Bióloga. Quanto à idade dos filhos 44,4 % tornaram-se mãe entre o período de 21 e 26 meses, 22,2 % entre o período de 9 e 14 meses, 22,2 entre o período de 30 e 36 meses e as restantes entre 15 e 20 meses. Das Mulheres entrevistadas o gênero feminino dos filhos mostrou-se predominante.

3.4 Procedimentos

A localização dos sujeitos ocorreu através da divulgação dos objetivos da pesquisa junto à pessoas conhecidas pela pesquisadora. Para realização da entrevista foi estabelecido um primeiro contato com a finalidade de explicar os objetivos da pesquisa, esclarecer sobre a liberdade de participar e questões éticas como respeito e sigilo aos dados que possam levar a sua identificação. Como forma de garantir o respeito à liberdade de decisão em participar da pesquisa e privacidade dos participantes foi assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A).

Para realizar a entrevista a pesquisadora agendou uma data e um horário com as participantes e foi à suas respectivas residências. As entrevistas foram realizadas individualmente e gravadas em fita cassete e depois transcritas fielmente para serem analisadas segundo os fundamentos da análise qualitativa.

Resultados

4.1.1 A Mulher Contemporânea

Muraro (2000) refere-se às mulheres da atualidade como mulheres do terceiro milênio, sobre as quais aponta como principal característica o fato de estarem intimamente inseridas no mercado de trabalho e na vida intelectual, encontram satisfação além dos cuidados com a casa e a família.

Com base neste pensamento procurou-se inicialmente compreender quais eram os projetos de vida assim como suas prioridades antes de se tornarem mãe, encontrando-se predominantemente referencia ao trabalho.

Grant (2001) coloca que a preocupação da mulher atual é o trabalho, sendo a inserção destas no mercado de trabalho uma das principais características da sociedade contemporânea. O que pode ser observado nas falas a seguir:

E 1: "Eu buscava uma estabilidade financeira, terminar minha casa, trocar de carro, terminar minha faculdade, mal tinha tempo para cuidar da casa e do marido, sempre trabalhei muito para alcançar os meus objetivos".

E 3: "Até terminar a minha faculdade, há 6 (seis) anos, o meu objetivo era só estudar, fazer uma pós, para ter um bom trabalho, que me preenchesse e me desse segurança".

E 7: "Minha vida era só trabalhar e estudar".

E 8: "Minha vida girava em torno do trabalho".

E 4: "Meus planos sempre foram estudar muito, conseguir um bom trabalho, que me permitisse ter algumas coisas e também uma satisfação pessoal".

Kolbenschlag (1991) afirma que algumas mulheres, de classes menos favorecidas, sempre tiveram que trabalhar para ajudar nas despesas da casa, por necessidade de sobreviver, seja um trabalho externo nas fábricas ou mesmo em casa costurando, enquanto outras trabalham por distração aprendendo dotes profissionais a espera de um casamento, sendo este até então o grande sonho de todas as mulheres. Para algumas mulheres esses motivos apontados por Kolbenschlag (1991) continuam existindo, porém observa-se hoje que a satisfação de trabalhar e ter uma profissão passou a superar a idéia inicial.

O que mostra que a mulher atual apresenta como prioridade a busca da sua realização profissional e a estabilidade financeira. Trata-se de mulheres que participam ativamente no orçamento familiar, possuem ambições relacionadas ao seu desenvolvimento intelectual e profissional. Para estas o trabalho não representa apenas uma ocupação ou necessidades de ajudar nas necessidades do lar mas a realização de desejos pessoais.

Contudo embora as mulheres mencionem uma grande preocupação com o trabalho, todas as entrevistadas associam a estabilidade financeira como um requisito para realizar o desejo de ser mãe, o que mostra que embora elas queiram a independência, a essência feminina relacionada à maternidade faz parte das suas motivações, isso pode ser observado nas seguintes falas:

E 8: "Queria trabalhar para construir minha casa e depois ter um filho".

E 9: "Eu queria uma estabilidade financeira para ter filhos e formar minha família".

E 1: "Montar minha casa, trocar de carro, ter uma segurança financeira para poder ter filhos, sempre quis muito isso".

E 6: "Sempre quis muito ter uma família, a minha família, e para isso é preciso ter uma certa estabilidade, porque ter filhos não é barato".

E 2: "Tudo tem sua ordem: Trabalho, dinheiro e filhos".

Observa-se que a satisfação profissional está vinculada à possibilidade de poder ter e criar estes filhos, com alimentação, vestimentas e uma boa educação, a mulher contemporânea vê-se como responsável também por atender estas necessidades da melhor forma possível, o que é motivo de prazer para a mesma.

4.1.2 O desejo de ser mãe

Como discutido ao longo da fundamentação a identidade feminina esta fortemente relacionada à maternidade, sendo difícil estabelecer os limites entre fatores biológicos e sociais que a determinam. Conforme mencionado por Caron (2000) trata-se de um conjunto de fatores biológico, psicológicos e cultural que a compõem levando-a a concretizar uma gestação. As mulheres entrevistas demonstraram o desejo de ter um filho como uma constante, porém os motivos que as levaram a concretizar uma gestação, definido por Szerjer e Stewart apud Brida (2000) como motivos conscientes, dividiram-se em quatro categorias:

As mulheres com idade aproximada de trinta anos demonstraram preocupação com uma gestação perfeita, apontando o fator idade como determinante na decisão de engravidar, embora a modernidade tenha aumentado a possibilidade de ter um filho saudável mesmo em condições que a impedissem de tê-lo, como a idade, continua preocupando, como observado na fala das entrevistadas E1 e E8:

Partes: 1, 2, 3


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